A Operação Fim da Linha revelou o envolvimento de uma facção criminosa na administração das empresas Transwolff e UPBus, que operam linhas de ônibus no município de São Paulo.
O Ministério Público, a Polícia Militar de São Paulo, a Receita Federal e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, descobriram que os criminosos utilizavam as empresas para fazer lavagem de dinheiro proveniente do crime organizado.
O esquema funcionava a partir de laranjas para esconder os reais donos das empresas e de contadores responsáveis por escamotear as transações financeiras com crimes como a sonegação de impostos.
Especialistas em transporte público ouvidos pelo Brasil de Fato explicam que o modelo de contrato com as empresas que prestam esse tipo de serviço contribui para crimes como esses sejam realizados no setor.
Annie Oviedo, especialista em mobilidade urbana, explica que atualmente a remuneração das empresas é formada pelo dinheiro proveniente das tarifas pagas pelos usuários e pelo subsídio enviado pela Prefeitura. E, entre os fatores que determinam tanto a tarifa quanto o subsídio, está o custo das empresas com a operacionalização do serviço.
“O problema é que não é transparente quanto empresas gastam com a operação. Não há uma comprovação além do que as empresas dizem. Como a gente não sabe quanto custa, é muito fácil para a empresa dizer que teve mais custos e fazer essas manobras contábeis. É bastante plausível que esse tipo de situação aconteça”, afirma Oviedo.
“O nosso modelo de arrecadação favorece isso, porque não tem controle sobre custos. A Prefeitura não sabe quanto as empresas gastam nem quanto ganham. Esse é o ponto pelo qual é muito fácil ter esses processos de lavagem de dinheiro, porque não está claro quanto dinheiro circula ali”, reforça a especialista.
Transporte público: um setor desregulamentado
Annie Oviedo explica que o transporte público, desde a sua estruturação nas primeiras décadas do século passado, sempre partiu do setor privado. “Não há qualquer tipo de controle social externo sobre esse modelo de arrecadação e remuneração das empresas. Há esse tipo de contrato, mas o cenário é de desregulamentação. Nunca foi uma coisa que o Estado proveu e depois se privatizou. Sempre foi privado”, afirma.
Rafael Calabria, coordenador do Programa de Mobilidade Urbana do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), afirma que a formação do setor foi permeada pela desregulamentação da atividade.
Ao longo das décadas, o Estado ensaiou um monopólio sobre o transporte público e implementou algum tipo de regulamentação. No entanto, “quando começa a se ter algum tipo de regulamentação, já tem uma cultura estabelecida” de setor desregulamentado e orientado pelos interesses privados, explica Calabria.
“Vem se tentando regular um sistema que já estava estabelecido, que já estava com diversos costumes e desvios e que gora foi agravado com esse cenário da facção criminosa. É um histórico do setor de total ausência do Estado e desregulamentação. O que precisa ser modificado é esse cenário de desregulamentação paralelamente às investigações, agora, e de repressão”, afirma o coordenador do Idec.
“A participação do Estado é necessária para ter um outro padrão de qualidade no transporte. É necessário não só para reverter esse cenário de desregulamentação, mas para ter um sistema com frequência, com pontualidade e que gere confiança e atratividade para o usuário.”
Novo tipo de contrato está há pelo menos cinco anos em transição
De volta à Annie Oviedo, a especialista afirma que há um novo modelo de contratação de transporte público sobre pneus da cidade de São Paulo, que estabelece a remuneração às empresas por meio de uma tabela de custos, elaborada pelo poder público. O pagamento leva em consideração diversos fatores, como taxa de manutenção, combustível, salário dos funcionários, entre outros pontos.
“Aumenta a transparência porque, de acordo com o novo contrato, a Prefeitura estabelece uma tabela de custos, a partir de diversos fatores, e determina quanto vale cada quilômetro rodado, além do controle de qualidade. Para a empresa, então, fica mais difícil inflar valores”, afirma.
Nesse novo modelo, o pagamento também é feito por quilômetro rodado e não por passageiro. “A ideia de pagar por qualidade ou por viagem é pagar uma quantidade fixa por quilômetro rodado, independentemente do número de passageiros. Isso é bom porque cria um incentivo para a empresa rodar mais. Então muda o incentivo primário no funcionamento do sistema”.
De acordo com a Prefeitura de São Paulo, o novo contrato irá considerar uma fórmula composta pelo custo do serviço, ponderado pela demanda e pela qualidade. No total, 50% da remuneração será definida por usuário atendido, 25% pelo cumprimento das viagens e 10% pela disponibilização da frota.
“A empresa que não cumprir a programação das linhas ordenada pela SPTrans terá desconto no seu pagamento. Os 15% restantes se referem ao custo fixo do investimento do operador com veículos e equipamentos”, informou a Prefeitura, em outubro de 2015, quando foi disponibilizada a licitação de concessão do novo modelo de transporte público sobre pneus da cidade de São Paulo, quando Fernando Haddad (PT) ainda era prefeito.
Junto com a licitação, também foi determinado um tempo de transição para que o novo modelo pudesse ser implementado. Quase 10 anos após a publicação da licitação, a implementação ainda está em transição. “No governo Haddad foi feito um novo contrato, em 2015, que não está em vigor ainda, mas existe. O governo de João Doria [PSDB] prorrogou a implementação. O Bruno Covas [PSDB] estava no período de transição. E agora o Ricardo Nunes [MDB] prorrogou mais uma vez”, afirma Calabria.
O Brasil de Fato questionou a Prefeitura de São Paulo sobre qual é o prazo para o fim da transição e quais foram as justificativas para prorrogá-lo. A reportagem será atualizada assim que houver uma resposta.
Edição: Matheus Alves de Almeida