Em meio a um tensionamento da relação entre o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o funcionalismo público, servidores da rede federal de ensino iniciam nesta segunda-feira (15) uma greve geral. A paralisação deve envolver técnicos e professores de todas as instituições de ensino da União – escolas, institutos e universidades federais. Reforça o movimento paredista, que também envolve servidores ligados a órgão de proteção ao meio ambiente e de fiscalização de trabalho escravo.
As paralisações englobam demandas por reajuste ainda em 2014 e recuperação de perdas salariais. Enquanto elas avançam, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), fechou as portas para qualquer possibilidade de aumentos neste ano. "O Orçamento está fechado", disse ele a jornalistas, na última quarta-feira (10).
No mesmo dia, o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) apresentou uma proposta para instalação de mesas de negociação com todas as categorias do funcionalismo federal já antecipando a intenção de conceder reajustes salariais de pelo menos 4,5% em 2025 e 4,5% em 2026. A proposta previa um aumento imediato só em benefícios como auxílio alimentação e saúde.
Essa mesma proposta, contudo, continha uma cláusula para a paralisação negociações com categorias que declarassem greve. A cláusula acabou sendo retirada. Ainda assim, causou revolta entre os servidores.
Foi chamada de indecorosa e divisionista pelo Fórum das Entidades Nacionais de Servidores Públicos Federais (Fonasefe). "Indecorosa, por conta da violenta tentativa de legitimação de dispositivo antigreve no acordo, e de outro divisionista, haja vista que fragmenta as perspectivas de negociação para o próximo período", declarou a entidade, em informações enviadas ao Brasil de Fato.
Ainda na quarta, o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN) divulgou um comunicado em seu site dizendo que a negociação com o governo "naufragou". Disse que o resultado da reunião foi "surreal" e revelou "a falácia do discurso do governo".
O Andes-SN lembrou em seu comunicado que, horas antes do encontro entre o MGI e os servidores, o próprio presidente Lula havia pedido em discurso um acerto de seus ministros com o funcionalismo e reconhecido o direito à greve. "A gente pode até não gostar, mas elas são direito democrático dos trabalhadores. Não tenho moral para falar contra greve. Nasci nas greves. Então sou obrigado a reconhecer".
Gustavo Seferian, professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e presidente Andes-SN, reforçou que a alternativa restante dos professores das universidades federais é a greve. Ela começa nesta segunda e deve afetar ao menos um terço das universidades federais neste momento.
"A paralisação das aulas é a principal forma de expressão da greve docente, que também tem rebatimentos em todas as demais dimensões da vida docente", disse Seferian, ao Brasil de Fato.
Greve geral
Outros servidores da rede federal de ensino já estão de braços cruzados. A paralisação dos professores vai engrossar a paralisação e levar à greve geral.
Os servidores técnicos administrativos (TAEs) estão em greve desde 11 de março. O movimento afeta pelo menos 67 universidades do país e é liderado pela Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico-Administrativos em Educação das Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil (Fasubra).
Já os professores e técnicos de colégios e institutos federais decretaram greve no último dia 3. Eles são representados pelo Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe). O movimento afeta cerca de 300 instituições de ensino.
Além do reajuste, os servidores da Educação pedem reestruturação dos planos de carreiras, mais investimentos nas instituições e realização de um concurso para contratação de mais trabalhadores.
Jornada
Já a partir de terça-feira (16), o Fórum das Entidades Nacionais de Servidores Públicos Federais (Fonasefe) realiza uma jornada chamada "0% de reajuste não dá". Ela acontecerá até quinta-feira (18). "O calendário de mobilização visa pressionar o governo a honrar o seu compromisso de valorizar os servidores e o serviço público", declarou a Fonasefe.
No primeiro dia, haverá uma audiência pública na Comissão de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados, requerida pela deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP).
Na quarta, haverá uma marcha em Brasília. Na quinta, estão programados atos nos postos de trabalho dos servidores em diferentes locais do país.
Como forma de pressionar o governo por melhorias, também há categorias de servidores trabalhando em "operação-padrão". A lista inclui servidores do Banco Central (BC), do Tesouro Nacional, da Receita Federal, da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Promessas
Na quinta (11), a ministra da Gestão e Inovação, Esther Dweck, afirmou que o governo pretende garantir 19% de reajuste aos servidores durante este mandato de Lula. No ano passado, concedeu 9% a todos. Considerando os 4,5% em 2025 e 2026 e o cálculo do juros compostos, chegaria a 19%.
"O que a gente tem pactuado inicialmente dentro do governo, que a gente garantiria para todo mundo 9% [em 2023], mais 4,5% [em 2025] e 4,5% [em 2026]. Ao todo, 19% acima da inflação do período, ninguém teria perda ao longo do governo do presidente Lula. Mas não teríamos facilidade de recuperar perdas do governo anterior por falta de qualquer reajuste de servidores naquele momento", disse ela, durante o programa Bom Dia, Ministra, da EBC.
No caso dos servidores da Educação, a ministra disse que o governo planeja apresentar uma contraproposta para o setor sobre a reestruturação de carreiras dos técnicos.
Sobre o reajuste dos benefícios, o que o governo propôs é:
- Auxílio alimentação de R$ 658 para R$ 1 mil (alta de 51,9%);
- Auxílio saúde per capita médio de R$ 144,38 para cerca de R$ 215;
- Auxílio creche de R$ 321 para R$ 484,90.
Perdas acumuladas
De acordo com o Fonasefe, os servidores federais acumulam perdas salariais de até 25% de setembro entre 2016 e ao final de 2023. Elas cresceram, principalmente, durante os governos de Michel Temer (MDB), de setembro de 2016 a 2018, e Jair Bolsonaro (PL), de 2019 até 2022.
Cálculos da entidade indicam que, do início da gestão Temer até o final do primeiro ano do novo governo Lula, a inflação acumulada é de 42,99%. Nesse mesmo período, os salários dos servidores federais subiram 14,4% ou 25%, dependendo da categoria. A diferença corroeu o poder de compra dos funcionários federais.
De acordo com o Fonasefe, em oito anos, os servidores conseguiram reajustes negociados em dois acordos. O mais recente deles foi fechado em 2023, já durante o governo Lula, e concedeu reajuste linear de 9% a todos os servidores – no ano, a inflação foi de 4,62%. Já o mais antigo foi firmado em 2015, ainda durante o governo da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT), mas teve efeitos também sobre as gestões de Temer e Bolsonaro.
Em 2015, houve uma greve de servidores. Eles pressionaram o governo por reajustes e conseguiram obtê-los de duas formas: parte dos servidores negociou aumentos para 2016 e 2017, deixando abertas as negociações para os seguintes anos. Outra parte dos funcionários públicos fechou aumentos para 2016, 2017, 2018 e 2019.
As categorias que optaram por um acordo válido por menos tempo receberam 5% de reajuste desde o início do governo Temer até o fim do governo Bolsonaro, que não concedeu nenhum reajuste. Somam, portanto, 14,45% de acréscimo nos salários já considerando os 9% concedidos por Lula. São quem tem uma perda acumulada de 25%.
Já as categorias que optaram por um acordo válido também para 2018 e 2019, tiveram reajustes de 4,75% e 4,5% nesses anos, respectivamente. Elas, considerando o aumento de 2023, tiveram reajuste acumulado de 25,28% em oito anos. Esses servidores tem perda 14,4%.
Edição: Matheus Alves de Almeida