Coluna

O papel do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC na neoindustrialização do Brasil 

Presidente Lula durante cerimônia de lançamento da política industrial de seu terceiro mandato - Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil
A região do ABC permanece como o maior parque industrial da América Latina

Por Lívia Romano Fernandes da Cruz e Pedro Gabriel Ferreira dos Santos*

A neoindustrialização vem tomando a pauta do governo brasileiro. Com horizonte na geração de empregos de qualidade e maior complexidade produtiva, tenta-se desenhar políticas para interromper o processo de desindustrialização da economia nacional, atualizar e diversificar a estrutura produtiva segundo os novos padrões tecnológicos, ao mesmo tempo em que se contempla o compromisso ambiental e uma maior integração com as cadeias produtivas internacionais. Contudo, os desafios são enormes. 

Na seara doméstica, será preciso mobilizar recursos e apoio ao novo processo industrializante, bem como recuperar a capacidade política, técnica e operacional do Estado de implementar (e/ou induzir) projetos. Na área internacional – considerando que o Brasil é um país em desenvolvimento, com recursos endógenos insuficientes –, será preciso mais do que atrair investimentos: necessita-se angariar apoio para o desenvolvimento de tecnologias e estruturação de novas forças produtivas locais.

Nessa cena, não é de se estranhar a atuação do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (SMABC) como um dos atores que têm buscado soluções para a neoindustrialização. A região do ABC, apesar das dificuldades ocasionadas pela fuga de algumas empresas nos últimos anos, permanece como o maior parque industrial da América Latina. 

As dificuldades da região do ABC 

A região do Grande ABC, em São Paulo, em contraste de sua história industrial, encontra-se em uma posição delicada nos últimos anos, marcada pela fuga de empresas e pela dificuldade de atrair novos investimentos. A título de exemplo, a saída da Ford de São Bernardo, sozinha, afetou 25 mil empregos diretos e indiretos. A guerra fiscal, as tendências de interiorização da indústria, a falta de criação coordenada de políticas públicas entre atores subnacionais para a atração e retenção de empresas para a região, aliada a maturidade do parque produtivo local – relativamente desatualizado das novas tendências tecnológicas do setor – têm sido problemas nos últimos anos. 

É nesse cenário que o sindicalismo, representado na região pelo SMABC, tem elevado sua atuação internacional. Ainda que não seja responsável pela criação de políticas públicas, o SMABC é uma entidade que, dentre suas funções, dialoga diretamente com entes governamentais e ajuda a viabilizar a chegada de empresas e investimentos na região. No mês passado, uma comitiva formada por 5 representantes do SMABC viajou à China para entender mais sobre o processo de eletrificação, o impacto gerado nos empregos, e para realizar uma rodada de negócios com empresas chinesas que possuem interesse em investir no Brasil, com o objetivo de impulsionar essas companhias a virem para o Grande ABC. 

O SMABC busca tirar proveito do cenário propício para atrair investimentos no setor. O presidente Lula assinou uma Medida Provisória em dezembro de 2023 que estabeleceu a criação do programa nacional de Mobilidade Verde e Inovação (Mover), incluindo limites mínimos de reciclagem na fabricação de veículos e a cobrança de menos imposto de quem polui menos, o chamado IPI Verde.

Além desses fatores, incentivos fiscais para empresas que invistam em descarbonização foram incluídos na MP, alinhando, dessa forma, uma política pública ao projeto de neoindustrialização, todos atrelados à sustentabilidade e inovação tecnológica. Outro fator importante foi a retomada de Impostos de Importação (II) para os carros elétricos e híbridos a partir de 2024 em um calendário que vai elevar gradualmente o II para 35% em 2026, visando incentivar a produção local. 

A eletrificação como oportunidade e a China como parceria 

O setor automobilístico tem sido marcado pela tendência de eletrificação, que é considerada por muitos como um dos principais meios para promover a transição energética, conciliando novos processos industriais com preocupações ambientais. Nessa cena, a China aparece como importante possibilidade de parceria. O país, além de deter o maior mercado mundial de carros eletrificados, também é o maior produtor de veículos movidos por eletricidade (VEs) no mundo. Esses veículos, além da contribuição para diminuir a emissão de gases poluentes, têm se tornado um fator de incremento nas relações entre Brasil e China. Dois grandes expoentes desse nicho se instalaram no Brasil, apesar de não produzirem os veículos 100% localmente ) — a Build Your Dreams (BYD) e a Great Wall Motors (GWM) ) — e vêm ganhando mercado. De acordo com dados da Bright Consulting e Associação Brasileira de Veículo Elétrico (ABVE), 35% dos carros elétricos importados ao Brasil em 2023 vieram de fabricantes chineses. 

No início de 2024, a BYD firmou uma parceria com a 99, empresa de transporte por aplicativo (controlada pela chinesa Didi), para oferecer melhores condições aos motoristas brasileiros para adquirirem o Dolphin Mini, seu novo carro. Oferecendo um preço competitivo no mercado, a empresa vem adquirindo destaque. Ademais, a BYD firmou ações publicitárias com a Rede Globo, exibindo carros em intervalos e em novelas. Recentemente, a empresa entrou em negociações com o Corinthians para firmar contrato envolvendo o naming rights do estádio: não concluiu a negociação, mas obteve repercussão na mídia nacional. Já a GWM adquiriu a fábrica de carros da Mercedes-Benz no interior de São Paulo e lançou em agosto de 2023 seu primeiro veículo totalmente elétrico no Brasil, o Ora 03. A BYD se encontra na região de Campinas, além de ter comprado a planta da Ford em Camaçari-BA, enquanto a GWM iniciará suas atividades no 2º semestre de 2024 em Iracemápolis — cidade do interior de São Paulo. 

No ABC ainda não há a presença de empresas automobilísticas chinesas. Quando da saída da Ford de São Bernardo do Campo, em 2019, tanto a BYD, como a Caoa e a GWM foram apontadas como possíveis compradoras da planta, contudo, o negócio não avançou. Considerando que a China tem se consolidado como a maior produtor de veículos elétricos no mundo, o SMABC tem perseguido oportunidades com empresas do país. Em 2023, abriram negociações com a Sinomach e assinaram cartas de intenções com a Chery e Beijing Peak Automotive. Na viagem realizada em março desse ano, Wellington Damasceno, diretor administrativo do sindicato afirmou que o objetivo, além de buscar maior conhecimento sobre a eletrificação, foi “‘vender’ o Grande ABC” e “conversar com conglomerados que não são do setor metalúrgico/automotivo, mas que, de alguma maneira, têm interesse de entrar e fazer parcerias em obras no Brasil”. 

A China como inspiração para políticas públicas 

O crescimento da indústria de elétricos na China foi altamente impulsionado por políticas governamentais, fornecendo subsídios e incentivos fiscais às empresas e aos consumidores finais. As medidas foram intensificadas em 2009, já almejando uma posição de destaque em nível global. Em entrevista concedida ao MIT Technology Review, Ilaria Mazzocco, pesquisadora do Centro de Estratégias Estratégicas e Estudos Internacionais da universidade, avalia que o Brasil teria dificuldade em replicar o exemplo chinês na gestão de políticas industriais. No mesmo sentido, Damasceno (SMABC) também reconhece, sobre a China, que o “regime é diferente do nosso”, adicionando que “É outra dimensão. Eles, em muito pouco tempo, conseguiram dar saltos tecnológicos e de qualidade de vida que a gente não tem dimensão nem parâmetro para comparar”. 

Ainda assim, o país é uma inspiração pelo fato de ter conseguido usar os investimentos externos como meio para desenvolvimento local. Como afirmou Damasceno (SMABC), a China “conseguiu se desenvolver do ponto de vista social, atrelado ao desenvolvimento econômico e tecnológico”. Por ser um país que conseguiu suplantar sua condição periférica a partir do uso de capital e tecnologia do exterior, espera-se que possa ser mais sensível às necessidades dos países em desenvolvimento, que ainda lidam com a escassez de oportunidades para acessar tecnologia e capital. Nesse sentido, a aposta do SMABC na China casa com a percepção do governo federal sobre o papel ativo que se espera que o país possa ter na neoindustrialização do Brasil. 

Há um ano, em abril de 2023, foram assinados uma série de acordos com a China, mediados pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), com foco em "inovação tecnológica e investimentos em setores estratégicos". Segundo representantes do MDIC, o Novo Programa de Aceleração ao Crescimento (PAC) tem foco no restabelecimento da potência industrial do Brasil com foco em demonstrar essa capacidade na pauta exportadora. De acordo com Geraldo Alckmin, vice-presidente e ministro da indústria, a China "pode ajudar o Brasil a ocupar um lugar de destaque na indústria 4.0". 

No entanto, ainda que a conjuntura abra espaço para acordos, segundo Paulo Gala, economista e professor na FGV, esse estabelecimento de relações com a China em setores mais avançados da indústria pode criar uma dependência comercial intensa. O OPEB já abordou no passado questões relativas à participação de empresas chinesas na eletrificação nacional e apontou opções para que o Brasil se resguarde de criar novas dependências. Nesse sentido, é preciso garantir que os investimentos cheguem com qualidade, acompanhados de desenvolvimento tecnológico, empregos de qualidade e desenvolvimento das forças produtivas locais. O SMABC, ao que tudo indica, também tem tido essa saudável preocupação.

* Discentes do Bacharelado de Ciêncas e Humanidades e do curso de Relações Internacionais da UFABC, pesquisadores do Grupo de Trabalho de Relações Brasil-China do OPEB.

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Matheus Alves de Almeida