O comerciante João Carlos da Silva foi condenado a 18 anos de prisão pelo Tribunal do Júri de Jaru (RO) por assassinar o líder indígena e integrante de uma equipe de defensores da floresta Ari Uru-Eu-Wau-Wau. A liderança foi encontrada com sinais de espancamento no dia 18 de abril de 2020, em uma estrada de Tarilândia, município de Jaru, em Rondônia.
O julgamento durou quase 12 horas e foi transmitido ao vivo pelo Tribunal de Justiça de Rondônia nesta segunda-feira (15). O comerciante foi condenado por homicídio duplamente qualificado e deverá cumprir a pena em regime fechado, com possibilidade de recorrer contra a sentença.
Neidinha Suruí, ativista socioambiental e amiga de Ari, disse ao Brasil de Fato que a Justiça foi feita parcialmente no caso do líder indígena assassinado. Ari protegia a floresta e os direitos dos povos indígenas, por isso Neidinha acredita que o crime não foi motivado por questões pessoais, mas sim pelo conflito por terras.
Motivo fútil
Segundo a denúncia do Ministério Público de Rondônia (MP-RO), Ari Uru-Eu-Wau-Wau foi a um bar pertencente ao comerciante na noite de 17 de abril de 2020. João Carlos da Silva teria, conforme o MP-RO, oferecido bebida alcoólica ao líder indígena antes do assassinato.
As duas qualificações são motivo fútil, já que o crime foi cometido porque o comerciante não gostava da maneira como Ari se comportava quando bebia álcool, e utilização de meio que dificultou a defesa da vítima, já que o réu embriagou Ari até ele ficar inconsciente.
No julgamento, foram apresentados testemunhos segundo os quais o comerciante disse que mataria Ari porque estava insatisfeito com a mudança de comportamento da vítima após a ingestão de bebida.
O autor do crime teria desferido golpes com instrumentos perfurocortantes no queixo, no pescoço e na cabeça do líder do povo Uru-Eu-Wau-Wau.
"Justiça foi feita apenas parcialmente", diz amiga de Ari
O líder indígena assassinado fazia parte de um grupo de vigilância formado para fiscalizar e denunciar invasões à Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia, um dos últimos redutos de floresta amazônica no estado, além de uma das áreas protegidas mais impactadas pela extração ilegal de madeira.
Neidinha Suruí, ativista socioambiental e amiga próxima de Ari, rejeitou a ideia de que a motivação para o crime fosse uma desavença pessoal. Ela disse ao Brasil de Fato que a "justiça foi apenas parcialmente feita" e considerou a pena branda. Para Neidinha, ainda falta condenar o mandante do crime e o cúmplice.
"A própria exposição da advogada de defesa do réu, a própria fala do réu e das testemunhas, que era da família do réu, mostraram o que a gente sempre vem dizendo: que a motivação é uma questão pelo conflito de terra, pela defesa do território, porque o Ari era um guardião da floresta, o Ari era um protetor do povo. Pra mim, ficou muito claro isso no julgamento."
Suruí, que conheceu Ari desde criança, destacou o legado deixado pelo defensor: o compromisso com a defesa do meio ambiente, do clima, do território e dos direitos dos povos indígenas. "Ele era um guardião da floresta, então todo esse legado de proteção da floresta ele deixa para a humanidade", disse.
A atuação de Ari Uru-Eu-Wau-Wau na expulsão de invasores
Ari tinha 33 anos e foi encontrado morto no dia 18 de abril, véspera do Dia dos Povos Indígenas, em 2020. O corpo tinha sinais de espancamento e foi deixado na linha 625 de Tarilândia, distrito de Jaru (RO), perto de uma das entradas da Terra Indígena (TI) Uru-eu-wau-wau, a maior do estado.
Em 2021, o Brasil de Fato noticiou a expulsão de grileiros flagrados em um acampamento no interior da Terra Indígena. "Eu venho sofrendo ameaças de morte por tomar a frente dessa proteção. Sou ameaçado há quatro ou cinco anos", relatou, na época, Awapy Uru-Eu-Wau-Wau, primo de Ari, que atuava em parceria com a vítima do homicídio.
O abandono estatal e a pressão crescente do agronegócio motivaram os indígenas a se responsabilizarem pela fiscalização. Eles não possuem poder de polícia, mas usam tecnologia de ponta - inclusive drones - para detectar violações à integridade da TI e reportar aos órgão especializados.
Outro lado
A reportagem não conseguiu o representante legal de João Carlos da Silva. O espaço está aberto à manifestação. Durante o julgamento, a defesa argumentou que não havia provas suficientes para condená-lo.
Edição: Nicolau Soares