Não tem como zerar um debate porque as polêmicas que nós temos hoje continuarão amanhã
A retirada do PL das Fake News da pauta de votação da Câmara dos Deputados aconteceu em um momento chave para o debate sobre a regulação da internet no Brasil. A motivação foi o ataque de Elon Musk, o dono do X (antigo Twitter), contra o ministro do STF Alexandre de Moraes. O bilionário acusou o magistrado de ilegalidades em bloqueios de contas na plataforma.
Três dias depois, o colégio de líderes da Câmara dos Deputados e o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), decidiram retirar o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) da relatoria do PL 2630. Orlando liderou o processo de construção do texto, que passou por dezenas de audiências públicas para ser construído. Por fim, o projeto foi retirado da pauta. Lira decidiu criar um novo grupo de trabalho para discutir um novo texto.
Os movimentos de Elon Musk agradaram a extrema direita brasileira que, segundo o próprio Orlando Silva, "são contra qualquer tipo de regulação, porque na cabeça deles, não se muda a regra do jogo quando você está ganhando".
"E eles avaliam que eles estão ganhando com um ambiente sem regra, em que discursos de ódio, ataques à democracia, violação de direitos, tudo isso se dá num ambiente digital, e eles acham que está tudo bem", completa o deputado.
Um dia após sua saída da relatoria do PL, Silva conversou com o BdF Entrevista. O deputado afirma que Musk só "se sentiu tão à vontade" para fazer a declaração contra Moraes porque "não há regras nítidas para organizar e orientar a ação dessas plataformas digitais no Brasil".
"Fazer a crítica ao ministro do Supremo, fazer a crítica a uma decisão da Corte constitucional, faz parte do jogo democrático. Contestar uma decisão judicial apresentando recursos faz parte do jogo, da vida democrática. Agora, não dá para um bilionário excêntrico nas horas vagas vir fazer ataques à Corte constitucional brasileira e sinalizar que não vai respeitar uma decisão judicial no Brasil. Porque, se a moda pega, nós vamos estar em maus lençóis", explica Orlando Silva.
Orlando Silva explica que sempre manteve boa relação com o presidente da Câmara, Arthur Lira. Para ele, o projeto, inclusive, tinha a simpatia do presidente da Câmara. No entanto, desde o princípio, a avaliação sobre o texto foi dominada pela narrativa da extrema direita brasileira. Segundo Silva, "Jair Bolsonaro, quando presidente da República, inúmeras vezes apontou para mim e falou: 'não tem como dar certo. Como é que um comunista vai cuidar de um assunto desse? O presidente do PL, inúmeras vezes, apontou no mesmo sentido'", diz.
O deputado afirma que não há um projeto alternativo para o projeto de lei. Para ele, o colégio de líderes, inclusive, pensou em pautar um projeto que regula inteligências artificiais (PL 2338) ao mesmo tempo em que debate o PL das Fake News. Na sua opinião, a decisão é um erro que pode atrasar ainda mais o debate sobre a regulação da internet no Brasil.
"Discutir a regulação de plataforma digital já é complexo. Se você associa isso a inteligência artificial fica muitas vezes mais complexo. No mundo inteiro esses temas têm sido tratados separadamente. Seria uma novidade no Brasil tratar junto. Para mostrar como são as indicações [do colégio de líderes] de que se sabe o que não quer, mas não se sabe o que quer", explica o deputado.
"Os conceitos que estão no projeto de lei 2630 não são conceitos que eu inventei da minha cabeça, são os conceitos que são trazidos da tropicalização do ato dos serviços digitais da União Europeia, da legislação da Alemanha de 2017, que introduziu o conceito de dever de cuidado, das reflexões que são feitas pela academia brasileira e por especialistas internacionais, dos documentos que foram publicado pelos órgãos das Nações Unidas. Eu não tenho talento para produzir aqueles conteúdos, eu fui incorporando ao longo do tempo, do debate público que foi feito", finaliza Silva.
Na entrevista, Orlando Silva ainda comenta a relação entre o STF e o Congresso Nacional. Durante a polêmica do PL, o ministro do Supremo, Dias Toffoli, afirmou que pode colocar em votação o debate sobre o Marco Civil da Internet.
"Cumprir a Constituição pode desagradar uma maioria eventual ou um governo de plantão. E a competência de moderação é da Corte constitucional. Por isso que eu sou muito defensor dela. Por isso que eu sou muito crítico das narrativas da extrema direita que atacam a Corte constitucional. Porque, na minha leitura, atacam como mecanismo prévio de ataque à democracia", diz Silva.
"Se você aniquila a Corte constitucional, você aniquila um mecanismo de moderação e vai ser o empoderamento de quem tiver mais força no Congresso ou no governo de turno. É muito delicado. Nós temos que preservar a nossa Corte constitucional. E acredito que o nosso desafio é encontrar um ponto de equilíbrio. O Supremo não toma iniciativa sozinho, o Judiciário só age após a provocação, esse é o ponto", completa o deputado.
Confira a entrevista na íntegra no vídeo acima. E aqui, leia alguns trechos da entrevista:
Brasil de Fato: O senhor foi afastado da função de relator do PL das Fake News. Depois, o projeto acabou sendo enterrado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, que chegou a dizer que o PL foi polemizado e que narrativas teriam atrapalhado o projeto. Como é que o senhor recebeu essa notícia?
Orlando Silva: Eu até publiquei nas minhas redes a surpresa com que eu recebi a informação de que teria mudanças de relatoria no projeto de lei 2630. E o curioso é que eu fui reunir mais informações, conversar com líderes que estiveram na reunião do colégio de líderes, e com o próprio presidente Arthur Lira. E a história, digamos assim, não é exatamente desse modo.
O que se viu foi o seguinte: primeiro, um ataque do Elon Musk às instituições brasileiras. Porque fazer a crítica ao ministro do Supremo, fazer a crítica a uma decisão da Corte constitucional, faz parte do jogo democrático. Contestar uma decisão judicial apresentando recursos faz parte do jogo, da vida democrática.
Agora, não dá para um bilionário excêntrico nas horas vagas vir fazer ataques à Corte constitucional brasileira e sinalizar que não vai respeitar uma decisão judicial no Brasil. Porque, se a moda pega, nós vamos estar em maus lençóis.
E essa declaração, ele se sentiu tão à vontade para fazer, na minha opinião, porque no Brasil não há regras nítidas para organizar e orientar a ação dessas plataformas digitais. Foi isso que eu falei, é isso que eu sustento e é isso que eu penso. Na minha visão, o debate que nós mais acumulamos no Brasil até aqui foi o projeto de lei 2630.
Aí você teve uma reação forte de um lado dos bolsonaristas, que são contra qualquer tipo de regulação porque, na cabeça deles, não se muda a regra do jogo quando você está ganhando – e eles avaliam que eles estão ganhando com um ambiente sem regra, em que discursos de ódio, ataques à democracia, violação de direitos, tudo isso se dá num ambiente digital, e eles acham que está tudo bem.
Então, eles têm uma posição radicalizada, de não ter nenhum tipo de regramento. E tem, por outro lado, alguns que têm cautela, eu diria assim, de que nós não tenhamos o melhor texto votado no plenário. Foi isso que gerou uma tensão e o presidente Arthur Lira sinalizou zerar o debate e começar tudo de novo a partir de um grupo de trabalho que seria instituído na Câmara dos Deputados.
Qual é o problema? É que você não tem como zerar um debate, porque o debate ele existe e as polêmicas que nós temos hoje continuarão tendo amanhã. Eu posso ser o relator, eu posso não ser o relator, mas eu não vou deixar de ter as minhas opiniões. A Federação Brasil da Esperança, o PCdoB, o PT, o PV, não vão deixar de ter suas opiniões.
O governo, com quem eu tenho dialogado, não vai deixar de ter suas opiniões. A sociedade civil, os especialistas [também]. Então pode ser medida formal, mas o debate está aceso e continuará aceso. Essa é a minha convicção e como eu leio o processo. Estamos diante de uma forte disputa política e central, sobre se devemos ou não devemos regular as plataformas digitais. Há quem defenda que a resposta seja não, há quem defenda que seja sim.
Eu estou entre esses, porque essas grandes multinacionais não podem definir elas próprias, nas regras delas, como se dará o debate na esfera pública no Brasil e no mundo. Então, eu diria que esses últimos dias foram de tensão. Tivemos mais percalços, mas a luta continua pela regulação das plataformas digitais.
E lhe surpreendeu, de alguma maneira, ou já havia indícios de que isso poderia acontecer, que o senhor poderia ser retirado da relatoria e que o PL seria enterrado?
É um debate muito tenso, eu poderia dar exemplos. O Jair Bolsonaro, quando presidente da República, inúmeras vezes, apontou para mim e falou: "não tem como dar certo. Como é que um comunista vai cuidar de um assunto desse?" O presidente do PL, inúmeras vezes, apontou no mesmo sentido. Então, a extrema direita, já faz tempo que bota a pressão para que eu seja deslocado da posição de relatoria, para que o projeto não seja apreciado.
Agora, a minha convicção é que, objetivamente, é um tema que está na agenda do mundo e na agenda do Brasil. Que o que nós precisamos medir no próximo período é o seguinte: que energia os atores centrais desse processo vão dispor para avançarmos ou não nessa agenda? E quais são os atores centrais?
Primeiro ator central, o presidente da Câmara, Arthur Lira. Por quê? Porque é ele quem tem o poder da pauta. É ele que tem a liderança, que coordena, por exemplo, a definição de quem vai liderar o GT, de quem vai relatar o GT, de qual será o prazo para entrega das suas conclusões, como será o diálogo entre Câmara e Senado.
Esses dias tive uma longa conversa com ele, apontando detalhes, porque como ele trata de todos os temas da Câmara, ele não tem detalhe das coisas e fui apontando para ele detalhes, muitos dos quais o surpreenderam, e a minha impressão foi muito boa na conversa com ele.
O segundo ator central é o governo. Porquê? A comunicação, em todos os seus planos, seja comunicação virtual, digital, seja comunicação tradicional, seja comunicação alternativa comunitária, precisa entrar na agenda prioritária do governo. Esse é um tema central para a democracia. Nós já vivemos experiências em 13 anos de governos liderados pelo Partido dos Trabalhadores, aos quais eu servi como ministro, como vice-líder do governo na época que era da Dilma [Rousseff]. E tenho uma visão crítica sobre a nossa intervenção – eu falo nossa porque eu fui parte do governo, fui parte da base do governo.
A nossa intervenção foi muito tímida no campo da multiplicação dos mecanismos para o acesso à informação e hoje, no caso da comunicação digital, se tornou ainda mais complexo. Nós temos um desafio, no governo, de estruturar uma agenda. Na minha visão, parte da agenda, inclusive, passa pela regulação das plataformas digitais, porque o governo tem peso político.
Se o governo pauta o tema, se o governo mobiliza energia, mobiliza a sua inteligência, a sua capacidade, se o presidente Lula dialoga com o presidente Arthur Lira, tudo isso muda completamente o sinal. E o terceiro ator, eu diria que é a sociedade civil.
Esse grupo de trabalho vai ter 40 dias para debater o tema. O que esperar desse projeto? Concretamente, há a esperança de que o que foi utilizado no PL 2630 possa voltar para esse novo projeto? Ou há uma influência muito grande da extrema direita, inclusive sobre o presidente Arthur Lira, e isso pode desfragmentar a essência do projeto, que inclusive foi aprovado no Senado?
Veja, o Caetano Veloso tem uma frase famosa – ou pelo menos é atribuída a ele – que no momento da polêmica, ele falava assim: "ó, eu sei o que eu não quero, mas eu não sei o que eu quero". Minha impressão é que no colégio de líderes pegou muito isso. Como o projeto de lei 2630 foi muito bombardeado pelos bolsonaristas, e os bolsonaristas têm uma operação de rede muito eficaz, muitos dos líderes ficaram assim: "ó, esse projeto não dá".
Aí você pergunta assim: "mas qual é o projeto que dá?". Não sabem dizer exatamente. Tanto assim que saiu do colégio de líderes uma reflexão. Qual era a reflexão? Será que nós podemos aproveitar o debate que o Senado Federal está fazendo sobre inteligência artificial e incluir nesse debate a discussão sobre a regulação de plataforma digital? E aí vem para a Câmara o texto do Senado sobre inteligência artificial, mais regulação de plataforma digital.
Eu, quando conversei com os líderes, falei: "olha, discutir a regulação de plataforma digital já é complexo. Se você associa isso a inteligência artificial fica muitas vezes mais complexo". Primeiro, vai ter mais temas polêmicos, o que pode dificultar mais a tramitação. E, segundo, no mundo inteiro esses temas têm sido tratados separadamente. Seria uma novidade no Brasil tratar junto. Para mostrar como são as indicações do que se sabe o que não quer, mas não se sabe o que quer.
A segunda pergunta que eu tenho feito para os líderes é: "tudo bem, vamos a um grupo de trabalho". Porque todos falam que "você tem que participar, você é a memória viva". Eu falo, "eu adoraria participar, eu quero participar, eu quero ajudar. Agora, a gente vai partir de onde?".
Porque os conceitos que estão no projeto de lei 2630 não são conceitos que eu inventei da minha cabeça, são os conceitos que são trazidos da tropicalização do ato dos serviços digitais da União Europeia, da legislação da Alemanha de 2017, que introduziu o conceito de dever de cuidado, das reflexões que são feitas pela academia brasileira e por especialistas internacionais, dos documentos que foram publicado pelos órgãos das Nações Unidas.
Eu não tenho talento para produzir aqueles conteúdos, eu fui incorporando ao longo do tempo, do debate público que foi feito. E esse debate público é público, e qualquer audiência pública que você faça com o representante da academia, da sociedade civil, da indústria das big techs ou do governo, qualquer audiência pública que um grupo de trabalho ou a comissão especial faça na Câmara, todos os temas do PL 2630 virão à mesa.
A gente pode batizar com outro número, batizar com outro nome, mas será inescapável tratar das mesmas questões, porque a regulação de plataformas digitais gira em torno disso, essencialmente: mecanismos para fortalecer a liberdade de expressão, obrigações de transparência e regime de responsabilidade.
E o que é mais grave? Ato contínuo ao anúncio de zerar o debate, começar um novo GT, você deve ter visto uma publicação de uma nota do ministro José Antonio Dias Toffoli, sinalizando que até o mês de junho, o Supremo Tribunal Federal vai votar dois recursos. Eu até me vi naquela nota.
Sobre o Marco Civil da Internet, né?
É, é um recurso que questiona o artigo 19 do Marco Civil da Internet, porque ele é muito influenciado pela visão dos Estados Unidos. E, em 2014, essa visão que na prática cria uma imunidade para as plataformas digitais, elas não são responsabilizadas por nada que publica, de conteúdos de terceiros.
Isso poderia valer naquele momento da internet, a ideia da neutralidade da rede, mas dez anos depois, isso é insuficiente. Apesar de que, na minha visão, não é inconstitucional, ele é insuficiente. E, na minha visão, a lei tem que ampliar o rol de possibilidades de imputar responsabilidade às plataformas digitais. Não é dizer que é inconstitucional, mas atualizar o regime de responsabilidades.
Porque eu me vi naquela nota do ministro Dias Toffoli? Porque lá para as tantas ele fala: "olha, está aqui há bastante tempo um recurso, questionando a constitucionalidade desse artigo 19. Nós dialogamos com o parlamento" e ele chega a falar: "aguardamos a votação até o final de 2023".
Porque eu mesmo fui ao Supremo algumas vezes, formalmente em audiências públicas, formalmente em audiências com ministros, fiz muitas conversas informais e o meu tom sempre foi o mesmo, de apelo para que o Supremo, antes de julgar a constitucionalidade do artigo 19, aguardasse a votação da matéria no poder Legislativo, porque fazer lei é nossa competência.
E, infelizmente, nós não tivemos ainda sucesso. E eu diria que seria o pior dos mundos nós termos uma decisão da Corte constitucional, ao invés de termos um projeto votado no parlamento. Não pelo que vai vir do Supremo, mas pela narrativa que a extrema direita.
A mesma extrema direita que obstrui a votação de uma lei específica para regular a internet, se o Supremo decidir por qualquer posição que altere a responsabilidade dessas empresas, essa mesma extrema direita vai apontar para o Supremo, acusá-los de ativismo judicial, acusá-los de politização do judiciário, porque parte da estratégia da extrema direita no mundo é desqualificar as cortes constitucionais, que se constituem em um poder moderador naquele espaço de resolução de conflitos.
E eles querem questionar. Então, tem essa sutileza política e por isso que eu tenho insistido sobre a importância da regulação de plataformas digitais, para que o Supremo e o Poder Judiciário como um todo tenham segurança jurídica nas decisões que toma e que nós não fiquemos exposto a essa cantilena da extrema direita fascista, que serve à desestabilização das democracias.
O senhor lembrou dessa nota do Dias Toffoli, a respeito do Marco Civil da Internet. E o STF tem feito esse caminho há algum tempo, de pautar temas importantes para o debate no país como, por exemplo, a revisão da Lei de Drogas, temas que não foram pautados pelo Congresso a tempo e que estão mais latentes em uma sociedade que mudou bastante ao longo do tempo. Sobre essa relação do Congresso com o STF, o senhor acha que a Corte está preenchendo lacunas de um Congresso conservador?
Olha eu sou do Legislativo e eu defendo as prerrogativas dos parlamentares, as prerrogativas da Câmara dos Deputados, do Senado Federal. Para mim, a ideia de separação e harmonia dos Poderes é essencial para a democracia. E é isso que a Constituição Federal estabelece. A Constituição Federal do Brasil estabelece as competências do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. E é bom para a democracia que essas competências sejam preservadas. Esse é o meu ponto de partida.
Ocorre que, no mundo contemporâneo, as democracias liberais, que é o que a gente vive aqui, elas são conceituadas por cientistas políticos como democracias constitucionais. São democracias que têm uma carta de direitos fundamentais e uma corte constitucional autônoma, com a responsabilidade contramajoritária para defender o interesse do cidadão escrito na Constituição, mesmo que isso vá contra o senso comum, por isso elas são contramajoritárias.
Isso gera tensão entre os poderes, porque cumprir a Constituição pode desagradar uma maioria eventual ou um governo de plantão. E a competência de moderação é da Corte constitucional. Por isso que eu sou muito defensor dela. Por isso que eu sou muito crítico das narrativas da extrema direita que atacam a Corte constitucional. Porque, na minha leitura, atacam como mecanismo prévio de ataque à democracia.
Porque se você aniquila a Corte constitucional, você aniquila um mecanismo de moderação e vai ser o empoderamento de quem tiver mais força no Congresso ou no governo de turno. É muito delicado. E nós temos que preservar a nossa Corte constitucional. E acredito que o nosso desafio é encontrar um ponto de equilíbrio. O Supremo não toma iniciativa sozinho, o Judiciário só age após a provocação, esse é o ponto.
Existem uma série de provocações de pessoas, de atores sociais que veem seus direitos ameaçados. Quando uma pessoa na comunidade LGBTQIA+ é atacada, quando nós vemos que nós temos a maior violência do mundo contra a população LGBTQIA+, a maior quantidade de trans assassinados, e o Supremo é provocado por um drama social, é natural que ele se manifeste. Ele tem que arbitrar para aquela solução daquele conflito.
Agora, temas polêmicos como a questão de drogas, temas polêmicos sem lei, ou com leis contestáveis, que deem resolução distinta do pensamento majoritário dos parlamentos, é detonador de crises, é detonador do apontamento do ativismo judicial. E o que é que eu acho que está faltando? Na minha visão, está faltando mais capacidade de diálogo entre os três Poderes.
Às vezes, a minha sensação é que existe uma guerra fria entre o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. E há quem tenha interesse nessa guerra fria, e há quem tenha interesse que essa guerra fria descambe para uma guerra quente, digamos assim, para um conflito aberto.
Então, eu entendo as razões institucionais e o poder contramajoritário, e a necessidade de proteger direitos fundamentais, mas eu também compreendo que é necessário, sobretudo na conjuntura atual, encontrar o ponto de equilíbrio. Eu sou crítico à omissão, por vezes, do poder Legislativo, vou dar exemplo prático. Existe o uso da inteligência artificial e no processo político haverá o uso intenso de inteligência artificial, nas eleições de 2024. O Congresso Nacional não regulou isso.
Se o Tribunal Superior Eleitoral não baixasse uma resolução regulamentando o uso, o processo eleitoral brasileiro poderia ser contaminado de um modo irreversível em 2024. A desinformação tem produzido danos nas eleições brasileiras. Portanto, há que se encontrar um ponto de equilíbrio. No limite da sua competência, o Judiciário tem que agir quando houver omissão da lei ou de outro poder, mas tendo presente que essa ação tem que ter contornos sob pena de choque de competências e isso pode produzir danos para a vida democrática no Brasil.
Edição: Thalita Pires