São duas forças armadas poderosas, e qualquer curto-circuito ali coloca em risco a paz mundial
No último sábado (13), o Irã realizou ataques ao território israelense em retaliação ao bombardeio de Israel contra a embaixada iraniana na Síria, em 1º de abril. O episódio é considerado uma escalada das tensões no Oriente Médio e trazem o temor de que a guerra se espalhe na região.
Para analisar as consequências do embate entre Israel e Irã, o podcast Três por Quatro, produzido pelo Brasil de Fato, convidou Cristina Pecequilo, professora de relações internacionais da Unifesp. O comentarista fixo do programa José Genoino, ex-presidente do PT, também participou da conversa.
Genoíno afirmou que o ataque ao posto diplomático iraniano em Damasco nada mais foi do que uma tentativa de desviar a atenção do que Israel tem feito nos últimos seis meses no Oriente Médio.
"Ele (Netanyahu) fez a provocação para desviar o desgaste que ele estava sofrendo com o mundo inteiro denunciando o massacre de 33 mil palestinos mortos [...] Israel desviou a guerra, 'vamos atacar a embaixada em Damasco, o Irã será obrigado a se defender, e a gente desvia o assunto para continuar a massacre na Faixa de Gaza'", destaca Genoíno. Ele reforçou que "interessa a Netanyahu criar uma situação de guerra para ele se sustentar internamente, pois ele está muito desgastado."
O ataque do Irã foi informado à ONU previamente e seguiu os protocolos indicados em um ato de resposta. Cristina Pecequilo, no entanto, lembra que o uso de termos como "guerra cirúrgica" podem trazer uma ideia errada sobre o que está acontecendo.
"Não gosto muito de usar (ataque) coreografado, nem guerra tática, nem guerra cirúrgica, porque me parece que aí a gente limpa um pouco uma linguagem que não pode ser limpa, que é a linguagem da violência. Nós tivemos um ato de violência, que foi respondido com outro, que não atacou civis, teve essa preocupação.[...] Mas a guerra nunca vai ser limpa, e a retaliação nunca vai ser limpa."
Em paralelo ao conflito entre Irã e Israel, a população palestina da Faixa de Gaza segue sofrendo diariamente. Entre as vítimas encontram-se não somente soldados e integrantes de forças militares. Na verdade, crianças e mulheres são maioria entre os mortos.
Além da perda de popularidade de Netanyahu por conta da guerra, ele vem enfrentando desafios internos. Investigações sobre corrupção – que teria acontecido entre 2007 e 2016 – que estavam suspensas foram reabertas em janeiro deste ano. O primeiro-ministro é acusado de receber presentes avaliados em cerca de US$ 200 mil e não declará-los.
Ainda assim, a base de extrema direita no país demonstra-se sólida. "Embora a gente observe uma série de manifestações contra o governo Netanyahu – e elas vêm existindo há um período muito longo –, ele tem conseguido se conectar com as bases mais ultraconservadoras, mais ortodoxas [...] e forças progressistas israelenses mais ligadas ao centro são, em termos quantitativos da população, cada vez mais minoritárias. Elas [as leis] têm focado em beneficiar os grupos mais ortodoxos que se encaminham para a extrema direita, onde a população israelense mais cresce demograficamente", aponta a especialista em relações internacionais.
Atrito com o Irã e o risco de uma escalada
Desde 1979, quando foram firmados e acordados os Tratados de Paz em Oslo, o Irã sofre sanções de países do Ocidente, sobretudo após a guerra na década seguinte contra o Iraque – à época comandado pelo ex-presidente do Iraque Saddam Hussein e apoiado pelo governo norte-americano. Daí em diante, as relações exteriores do Irã ficaram estremecidas tanto com nações vizinhas como com outros países.
Por esse motivo, o Irã sofre com vetos que vão desde entraves em operações bancárias e comerciais, até fiscalização e bloqueio de programas de enriquecimento de urânio. De acordo com Cristina Pecequilo, "o Iraque de Saddam Hussein, naquele momento aliado dos Estados Unidos [...] vai ser utilizado como uma forma de conter a revolução popular iraniana. Desde então o Irã vem sofrendo sanções do Ocidente e vem buscando válvulas de escape, como a China, a Rússia, na época a União Soviética", completa.
Para Genoino, além de ter maior uma extensão territorial maior do que o Israel, o Irã também se estabeleceu como uma potência regional, principalmente por apoiar grupos políticos de nações vizinhas.
Quando o assunto é poder de fogo, Genoino reforça, "a única diferença de Israel para o Irã é que Israel tem arma nuclear". "Se você considerar a força aérea e o tamanho das forças armadas, Israel é menor e é um porta-aviões do imperialismo americano [...] Enquanto o Irã faz uma diplomacia pragmática para ter aliança com a China e a Rússia".
Ameaças demonstrações de força e estopim para guerra
Por mais que a retaliação promovida pelo Irã tenha sido previamente informada, como é indicado pela ONU, e com impactos mínimos em relação a danos e vítimas – 99% dos ataques foram interceptados pelas armas de defesa israelenses, reforçadas pelos EUA, Reino Unido, França e Jordânia –, a ofensiva criou um ambiente de tensão em diversas nações, que temem as escalada do conflito.
Depois do ataque o Irã se posicionou orientando os Estados Unidos a não interferirem no embate. Entretanto, para Genoino, o conflito dos dois países não deve escalar. "Israel está falando grosso, e o Irã está falando grosso. São duas forças armadas poderosas, e qualquer curto-circuito ali coloca em risco a paz mundial".
A ONU, por sua vez, teme o risco de uma nova investida israelense, especialmente a instalações nucleares do Irã. A Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea) anunciou que reiniciaria e reforçaria as observações sobre as instalações do Irã.
Neste contexto, Cristina Pecequilo aponta a ONU não pode ser utilizada de maneira "à la carte", mas sim de forma regular, constante e com a colaboração de todos os envolvidos. Ela evidencia que mesmo com atuação ainda ineficaz da organização multilateral na resolução de conflitos, "ruim com a ONU, mil vezes pior sem ela".
Genoino acredita que, para que haja paz entre as nações, a situação da Palestina deve ser solucionada.
"O único caminho para a estabilidade é resolver o problema dos palestinos. Em primeiro, paz, e sem segundo, resolver a questão dos reféns e dos prisioneiros políticos dentro de Israel, e em terceiro, o reconhecimento do direito do palestino ter seu Estado independente, autônomo e viável. A partir daí, abre-se um cenário de construção de paz concretamente", sugere Genoino.
Já para Pecequilo, "a vida é feita pela política, não há como você medir sofrimento, não há como você medir interesse. Olhando o passado eu sou otimista, olhando o presente eu sou cuidadosa, e projetando o futuro é preciso ver como essas forças irão se acomodar. Estamos por enquanto em uma fase de caos e fragmentação, e vai depender de cada um de nós tentar superar essa fase observando os projetos políticos em voga para tentar avançar, e compreender porque o mundo segue tão polarizado e violento, e como fazer para recuperar esses nossos valores", finaliza a professora.
Novos episódios do Três por Quatro são lançados toda sexta-feira pela manhã, discutindo os principais acontecimentos e a conjuntura política do país e mundo.
Edição: Thalita Pires