Saúde

A contaminação do mercúrio que assola a região Pan Amazônica

Estados que apresentaram as maiores prevalências de contaminação são Roraima e Acre, com 40,0% e 35,9% respectivamente

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Populações indígenas estão entre as mais afetadas pela contaminação, sendo as gestantes o grupo mais vulnerável à contaminação por mercúrio, aponta Fiocruz - Fernando Frazão/Agência Brasil

A Organização Mundial de Saúde (OMS) tem apresentado fiscalizações e controles importantes no uso e no consumo de mercúrio por parte de humanos. Nós assimilamos mercúrio diariamente quando usamos tinta para cabelo, usamos esmalte nas unhas, batons e de modo especial os alimentos que contém conservantes e coloração artificial, então o mercúrio está muito presente em nosso cotidiano.

Segundo dados do relatório da WWF Brasil, sobre Análise regional dos níveis de mercúrio em peixes consumidos pela população da Amazônia brasileira, no estado de Roraima, a ingestão de mercúrio pela população local extrapolou de 5,9 a 27,2 vezes a dose de referência. Considerando os estados mais vulneráveis à contaminação, mulheres em idade fértil estariam ingerindo até 8 vezes mais mercúrio do que a dose orientada, e crianças de 2 a 4 anos até 27 vezes mais do que o recomendado.

A ingestão diária de mercúrio provoca problemas graves no organismo das pessoas desde tremores, perda de memória, taquicardia e pode se chegar até infartos, mal súbito e AVCs. Essas são as consequências mais drásticas, o processo de contaminação do organismo passa a não assimilar mais os nutrientes da alimentação comprometendo os rins, fígado e do pâncreas conduzindo em meses às vezes por anos o organismo como um todo chegando ao óbito por desnutrição e por excesso de carga de mercúrio.

A estimativa de consumo de mercúrio por pessoa baseou-se na região Amazônica, com média per capita de 100 gramas de pescado por dia, em ambientes urbanos. Foram, então, assumidos como pressupostos: que 100% do mercúrio detectado nas amostras dos pescados encontra-se na forma química de metilmercúrio (MeHg); e que aproximadamente 80% da quantidade de Hg ingerida na alimentação é absorvida pelo trato gastrointestinal humano (dose de absorção), destaca o os dados da WWF.  É importante destacar que o mercúrio ele não é barrado quando se faz tratamento da água. A composição dele é um mineral muito pesado que continua na água mesmo quando ela passa por processo de tratamento, então a ingestão da água InNatura é um grande risco.

Nas regiões de garimpo ilegal da Amazônia circulam diariamente um mercúrio apelidado de Azougue que é um mercúrio contrabandeado da Guiana Inglesa, a compra desse material é feita por dólar e tem uma taxa bastante elevada, mas as empresas que bancam o garimpo ilegal em toda a Amazônia compram de forma muito indiscriminada no mercado livre, no mercado paralelo. Inclusive no Brasil há diversas empresas vinculadas que vendem de forma direta o azougue com altos índices de contaminação, circulando de forma muito indiscriminada em todos os países da Panamericana multiplicando de forma aritmética a contaminação do ar, das águas e da terra.

De acordo com a avaliação Global do Mercúrio de 2018, o controle que a OMS apresenta em diversos países, no período de 2015 o garimpo ilegal limpo, “apelidado de artesanal” (de pequena escala, mas que na verdade é um garimpo com grande peso em toda região Pan Amazônica), foi responsável por aproximadamente 38% do total global de mercúrio lançado ao ar. Então, somente essa prática foi responsável por 800 toneladas de mercúrio contaminando o ar que nós respiramos e cerca de 1.200 toneladas foram jogados na terra e na água isso somente no ano de 2015 de acordo com a avaliação Global do Mercúrio, ou seja ano após anos essas taxas vêm crescendo de forma exorbitante de modo especial na Amazônia.

Na nota técnica de maio de 2023 da WWF, a análise da absorção de mercúrio de modo especial nos estados de Roraima e Acre são muito elevados e muito preocupantes para a saúde pública, os estados apresentaram as maiores prevalências de contaminação, 40,0% e 35,9%, respectivamente. Enquanto os estados do Amapá e Pará tiveram as menores prevalências, 11,4 e 15,8%, respectivamente. Boa parte desse mercúrio se transforma em processos gasosos e contaminantes também no ar que respiramos, as correntes de ar vão levando essa contaminação para diversas regiões. Percebemos isso a partir das diversas crises respiratórias, a sociedade necessita conhecer mais, entender, estudar e tomar as medidas de precaução, estabelecendo um processo contínuo de enfrentamento aos níveis de contaminação pelo Mercúrio em todo o panorama da Amazônia.

A principal recomendação deve ser focada na garantia da segurança sobre os territórios da Amazônia e na erradicação de garimpos ilegais de ouro, bem como de outras atividades humanas ilegais que aumentam a disponibilidade de mercúrio para o ambiente, tais como desmatamento e queimadas. Apesar de o peixe ser uma fonte de proteína saudável, as razões de risco estimadas nesse estudo indicam que para um consumo seguro de pescado em áreas de risco é necessário a elaboração de orientações dietéticas rigorosas.

Os níveis de contaminação resultantes do uso criminoso do mercúrio têm revelado grandes prejuízos para a saúde das populações afetadas e para todo o ecossistema. Facilmente transportado pelas águas dos grandes rios da Panamazônia, o mercúrio circula por todo o território e espalha doenças incuráveis, especialmente aquelas ligadas ao sistema nervoso central. O custo econômico social para tratar as doenças causadas pelo mercúrio é muito elevado e não há contrapartida econômica que justifique a permissão para sua utilização. Mais grave ainda, é a utilização criminosa do mercúrio contrabandeado para extração ilegal de outro em terras indígenas com utilização de trabalho análogo ao escravo e todo tipo de violação aos direitos humanos. Diante de todas essas questões complexas, o posicionamento firme contra o garimpo ilegal e a utilização criminosa do mercúrio é legítima e moral. Essa bandeira de luta precisa ser empunhada em todo território panamazônico em defesa da vida, dos direitos humanos e dos ecossistemas.  Por uma ecologia integral e por uma Amazônia livre de mercúrio!

*Marcia Oliveira é doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia (UFAM), com pós-doutorado em Sociedade e Fronteiras (UFRR); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia, mestre em gênero, identidade e cidadania; Cientista social, licenciada em Sociologia (UFAM); Pesquisadora do Grupo de Estudos Migratórios da Amazônia (UFAM); Pesquisadora do grupo de Estudo Interdisciplinar sobre Fronteiras: Processos Sociais e Simbólicos (UFRR); Assessora da Rede Eclesial Pan-Amazônia (REPAM-Brasil) e da Cáritas Brasileira.

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a posição do Brasil de Fato.

Edição: Matheus Alves de Almeida