Os equatorianos vão às urnas neste domingo (21) para responder 11 perguntas que abordam desde questões sobre segurança pública até mudanças em aspectos trabalhistas. Em meio à escalada na violência do país, cerca de 13 milhões de equatorianos vão opinar sobre o apoio dos militares para policias regionais, contratação por hora e aumento de penas contra o terrorismo e o narcotráfico.
Especialistas equatorianos ouvidos pelo Brasil de Fato afirmam que o referendo serve mais como uma jogada política do presidente do país, Daniel Noboa, como campanha para 2025, e para aprofundar o neoliberalismo no Equador. Para o sociólogo Agustín Burbano de Lara, o movimento é preocupante também por colocar em risco a democracia no Equador em um contexto de maiores conflitos.
“É o aprofundamento do Estado neoliberal e punitivista. Mas não há uma mudança no modelo de acumulação. O que estamos experimentando é uma mudança no regime social do governo, estamos passando para um regime autoritário. Há muita evidência sobre isso, como o assalto na embaixada do México, prisões arbitrárias, abusos, falta de independência de funções”, afirma Burbano de Lara ao Brasil de Fato.
De acordo com as leis equatorianas, perguntas para a população sobre a reforma na Constituição são chamadas de referendo. Já uma mudança em leis ou regulamentos de nível inferior são classificados como consulta popular. No caso da votação deste domingo, cinco perguntas são um referendo e seis tratam de uma consulta popular.
Das perguntas, três tratam diretamente sobre mudanças nas forças de seguranças, como a permissão para que a polícia use armas apreendidas, participação das Forças Armadas na segurança interna e no controle de armas. Outras seis tratam sobre mudanças na Constituição também para aspectos sobre segurança, como penas por terrorismo, tipificação para o porte de armas e extradição de equatorianos. A outra é uma pergunta sobre a possibilidade de fazer contratos por hora de trabalho.
Mas o resultado do referendo tem efeito mais simbólico do que prático para a política equatoriana. Para ser aprovada, uma mudança na Constituição precisa ser aprovada pela Assembleia Nacional do país. Ou seja, a posição da população em relação a temas como mudança nas formas de contratação por empresas precisam de emendas constitucionais. Já mudanças como a participação das Forças Armadas na segurança interna precisam de uma reforma constitucional.
Segundo o sociólogo e professor do Instituto de Altos Estudos Nacionais do Equador, Daniel Pontón, a votação é questionada porque o país está passando por um momento de escalada de violência e apagões constantes.
“Em relação à segurança não vai haver uma mudança relevante. Porque ainda precisa de uma reforma constitucional, sozinha a votação não tem efeito. Isso foi questionado: por que gastar dinheiro grande com isso em um momento de crise? Em um curto prazo não vai ter resultado na segurança, já que todas essas medidas levam tempo para estarem em vigor”, afirmou Pontón.
Em meio à perguntas sobre segurança e mudanças na Constituição, os eleitores terão que responder uma questão sobre direitos trabalhistas: “Você concorda com a alteração da Constituição da República e a reforma do Código do Trabalho para o contrato de trabalho a termo e à hora, quando este for celebrado pela primeira vez entre o mesmo empregador e trabalhador, sem prejuízo dos direitos adquiridos aos trabalhadores?”.
Segundo Burbano de Lara, se a medida for aprovada pela Assembleia Nacional, o Equador será o primeiro país da América Latina a aprovar esse tipo de relação de trabalho. Para ele, seria uma “precarização” da situação dos trabalhadores no país.
“Há razões para pensar que essa medida não aumentará os empregos, mas vai migrar a população em situação formal de trabalho para uma situação mais precária”, disse.
Além de propor políticas econômicas que desregulamentam questões trabalhistas e de segurança que aumentam o uso da força militar, os especialistas avaliam que a votação deste domingo é uma forma de testar a própria popularidade do governo. Daniel Noboa foi eleito em 2023, depois que o ex-presidente Guillermo Lasso dissolveu o Parlamento e convocou novas eleições presidenciais.
Ele enfrentava um processo de impeachment acusado de ter cometido crimes de peculato e corrupção passiva ao favorecer a empresa estadunidense Amazonas Tanker Pool, em contratos com a estatal Frotas Petroleiras Equatorianas (Flopec). Noboa foi eleito para terminar o mandato de Lasso e, segundo os especialistas, põe seu governo à prova já de olho nas eleições gerais de 2025.
“Se perde, claro que ele fica muito debilitado, afeta sua credibilidade. Porque claramente há uma queda da sua imagem em um nível político e se soma tudo que está acontecendo agora, como apagões, casos de violência. É provável que haja perguntas que ganhe e outras que não ganhem, o que pode levar a mais de uma leitura sobre o resultado” disse Pontón.
Logo após assumir o comando do país, Noboa decretou estado de exceção com a atuação das Forças Armadas nas ruas para enfrentar a crescente onda de violência no país.
Mas, se por um lado o governo usa o pretexto do aumento da violência para questionar a população sobre a necessidade de uma nova política de segurança, por outro episódios como a invasão da embaixada do México colocam a política de Noboa em xeque no cenário internacional.
No último dia 5, policiais equatorianos invadiram a embaixada do México em Quito para prender o ex-vice-presidente Jorge Glass. Ele estava refugiado no local desde dezembro. O México havia concedido asilo político a Glass e pediu à Corte Internacional de Justiça que o Equador seja expulso da ONU.
Segundo Burbano de Lara, tanto o referendo quanto a medida de invadir a embaixada refletem o caráter do governo de Noboa.
“É um governo que privilegia a Comunicação Política em detrimento das políticas públicas efetivas. A entrada na embaixada foi uma forma de ganhar apoio dos setores anti-correistas [que se opõem ao ex-presidente de esquerda Rafael Correa]. Mostra também a cara autoritária desse governo. É uma pessoa que não tem medo de violar direitos e liberdades para conseguir o que quer”, afirmou Burbano de Lara.
Segundo ele, o questionamento à população de uma situação tão grave como o problema com a segurança no país mostra a falta de um plano estratégico a longo prazo e de projetos concretos para resolver os problemas da área.
Herança de segurança
O plebiscito desse domingo traz questões majoritariamente sobre segurança, mas a política para o tema é uma herança dos governos de direita do país. O próprio ex-presidente Guillermo Lasso chegou a reconhecer que suas medidas para combater o crime organizado gerou uma “reação violenta”, assim como a sua política para a situação carcerária levou a uma “reação para amedrontar o governo”.
Segundo Pontón, a política equatoriana ficou dividida nos últimos anos entre apoiadores e opositores do ex-presidente de esquerda Rafael Correa. Isso levou a uma radicalização da extrema-direita e dos governos opositores à Correa para aumentar a militarização e ficou como herança a incapacidade de lidar com problemas de segurança.
“A herança direta é a completa incapacidade de lidar com certos problemas e isso o governo Noboa recebeu. Houve uma radicalização da extrema-direita ao colocar os militares no centro das operações, no centro das ações. Essa é uma leitura simples e perigosa da situação. Isso a gente nem tinha visto com Lasso, então foi um endurecimento. É um governo de direita mais violento, porque não há um plano de ações para frear a violência. É uma visão mais autoritária", afirma.
Perguntas
Os eleitores terão que responder as seguintes perguntas:
1 - Concorda em permitir o apoio complementar das Forças Armadas nas funções da Polícia Nacional de combate ao crime organizado, reformando parcialmente a Constituição?
2 - Você concorda em permitir a extradição de equatorianos, com as condições, requisitos, restrições e impedimentos estabelecidos na Constituição, nos instrumentos internacionais e na lei, alterando a Constituição e reformando as leis?
3 - Você concorda com a criação de magistrados especializados em matéria constitucional, tanto em primeira como em segunda instância, para o conhecimento das garantias jurisdicionais que lhes correspondem, alterando a Constituição e reformando a Lei Orgânica das Garantias Jurisdicionais e do Controlo Constitucional?
4 - Você concorda que o Estado equatoriano reconhece a arbitragem internacional como um método para resolver disputas de investimento, contratuais ou comerciais?
5 - Concorda com a alteração da Constituição da República e a reforma do Código do Trabalho para o contrato de trabalho a termo e à hora, quando este for celebrado pela primeira vez entre o mesmo empregador e trabalhador, sem prejuízo dos direitos adquiridos aos trabalhadores?
6 - Você concorda que as Forças Armadas realizem o controlo de armas, munições, explosivos e acessórios, de forma permanente, nas vias, caminhos, estradas e corredores autorizados para entrada nos centros de reabilitação social?
7 - Você concorda com o aumento das penas para crimes de terrorismo e seu financiamento, produção e tráfico ilícito de substâncias inventariadas sujeitas a controlo, crime organizado, homicídio, assassinato por encomenda, tráfico de seres humanos, rapto para resgate, tráfico de drogas, dinheiro? branqueamento e atividade ilícita de recursos mineiros, reformando o Código Penal Orgânico Integral?
8 - Você concorda que as pessoas privadas de liberdade cumpram a pena integralmente no centro de reabilitação social pelos crimes detalhados no Anexo da questão, reformando o Código Penal Orgânico Integral?
9 - Concorda com a criminalização da posse ou porte de armas, munições ou componentes que sejam de uso exclusivo das Forças Armadas ou da Polícia Nacional, sem afetar as armas de fogo permitidas para uso civil, reformando o Código Penal Orgânico Integral?
10 - Concorda que as armas, suas partes, explosivos, munições ou acessórios que tenham sido instrumentos ou objetos materiais de um crime podem ser utilizados para uso imediato da Polícia Nacional ou das Forças Armadas, reformando o Código Orgânico Penal Integral?
11 - Concorda que o Estado deve passar a ser titular (proprietário) de bens de origem ilícita ou injustificada, simplificando o procedimento da Lei Orgânica do Perdimento de Bens?
Edição: Rodrigo Gomes