Poderes

'Não tem divergência que não possa ser superada', diz Lula sobre relação com Congresso

Em coletiva nesta terça (23), presidente comenta situação do jogo político e tenta amenizar clima árido com Lira

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

Ouça o áudio:

Lula [à direita] durante café com jornalistas nesta terça (23), no Palácio do Planalto - Ricardo Stuckert/PR

Em coletiva de imprensa na manhã desta terça-feira (23), em Brasília (DF), o presidente Lula (PT) disse que "não tem nenhuma divergência que não possa ser superada". A declaração vem à tona no contexto em que o governo tem enfrentado desafios mais robustos na relação com Legislativo, principalmente com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).

Na última semana, por exemplo, o governo negociou o adiamento de quinta passada (18) para esta quarta (24) da sessão de votação de vetos do Congresso por conta da previsão de derrota em meio às dificuldades com algumas lideranças.

"Não tem nenhuma divergência que não possa ser superada. Se não houvesse divergência, não haveria necessidade de a gente dizer que são três Poderes distintos e autônomos. Cada um é dono do seu nariz. Digo sempre para todo mundo ouvir: não é o presidente do Senado que precisa de mim, não é o presidente da Câmara que precisa de mim. Quem precisa deles é o presidente da República, é o Poder Executivo. Quem aprova o orçamento da União são eles, quem aprova os projetos de lei (PLs) são eles. Então, é o governo que precisa ter o cuidado de manter a relação o mais civilizada possível", disse Lula.  

A declaração do presidente simboliza uma tentativa de apaziguamento da relação com Lira e surge no mesmo cenário em que o petista tem sido pressionado pelo mandatário da Câmara a demitir o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, a quem Lira se referiu no último dia 11 como "desafeto". A queixa tem como pano de fundo a disputa pelo posto da ministra da Saúde, Nísia Trindade. A pasta é almejada pelo centrão, bloco legislativo ao qual pertence o presidente da Câmara e que vem tentando desidratar a ministra para ganhar espaço na pasta, na qual Padilha tem influência direta. Ele indicou os titulares de seis secretarias do ministério.

Na última semana, em meio ao conflito, Lula chegou a dizer que pretende manter Padilha "só de teimosia", o que ajudou a esquentar o clima com Lira. Nesta terça, no entanto, as diferentes declarações do petista foram no sentido de apagar o incêndio. "Eu sei que tem gente que gostaria que a gente vivesse numa eterna briga, mas a gente não vai viver numa eterna briga porque, se você optar pela velha briga, você não governa, você não aprova nada, aí o país é prejudicado. Eu não quero isso, portanto, nós vamos conversar com todo mundo", afirmou Lula.

Nesta quarta, deputados e senadores irão avaliar 32 vetos presidenciais, entre eles os que alteram trechos da Lei Orçamentária Anual (LOA) e o polêmico corte parcial ao PL que acaba com as saídas temporárias de presos. "Tenho no Ministério da Justiça uma das figuras de maior competência jurídica que já nasceram neste país, que é o Lewandowski. E o que nós vetamos? Vetamos a proibição de que o cidadão que não tenha cometido crime hediondo, estupro, crime de pedofilia possa visitar os parentes. É uma coisa de família. Família é uma coisa sagrada, é a base principal de organização de uma sociedade. Como é que você vai proibir um cidadão que está cumprindo pena? Se ele está cumprindo, é porque o Estado pensa que é possível recuperá-lo. Ele não pode deixar de visitar os parentes", argumentou.

O presidente reforçou que o veto parcial ao PL se deu por orientação de Lewandowski. "Vetei, então, vamos ver o que vai acontecer. Se o Congresso Nacional derrubar, é um problema do Congresso. Eu posso lamentar, mas tenho que acatar."

Costuras

O petista também foi questionado sobre se vê problema de articulação política do governo diante do Legislativo pelo fato de algumas propostas aprovadas por deputados e senadores terem sido vetadas nos últimos tempos ao chegarem no Planalto. Lula tergiversou.

"Eu, sinceramente, não acho que a gente tenha problema no Congresso. A gente tem as situações que são das coisas normais da política. Vamos só lembrar o número: nós temos 513 deputados e o meu partido só tem 70, temos 81 senadores e meu partido só tem nove. Se a gente somar os nossos aliados ideológicos, a gente vai pra 12 ou 13 [senadores] e [na Câmara] não chega sequer a 140 deputados. Então, você percebe o milagre que acontece neste país. Como é que se explica a gente aprovar uma PEC da Transição antes de assumir a presidência? Vocês se deram conta da anomalia de que eu comecei a governar antes de tomar posse?"  

Ainda ao falar das tratativas com o Legislativo, Lula evitou comentar detalhes sobre o tema do encontro que teve com Arthur Lira na noite do último domingo (20). "Se eu fizesse uma reunião com o Lira e quisesse que a imprensa soubesse, eu falaria com a imprensa. Não seria simples assim? Quando eu fizer a reunião com o Lira, converso com vocês o assunto", disse, ao ressaltar que não teve "reunião" com o presidente da Câmara, e sim "uma conversa". "Se tivesse tido uma reunião, teria trazido meu líder na Câmara, meu líder no Congresso pra poder fazer uma reunião sobre as coisas da Câmara. Como é uma conversa entre dois seres humanos, eu confesso a vocês que prefiro não dizer a conversa que tive."

O chefe do Executivo destacou ainda que tem conseguido aprovar diferentes matérias no Legislativo. Ele citou como exemplo a reforma tributária, tema que vinha sendo debatido por deputados e senadores há cerca de 30 anos e nunca prosperava por conta de divergências geradas por setores econômicos e políticos. Após muitas negociações multilaterais, o texto foi aprovado e promulgado pelo Congresso.

"Então, qual é a briga com o Congresso? Ou seja, a 'briga' é o normal da divergência política em um Congresso Nacional que tem vários partidos políticos, que tem programas diferentes. A coisa mais normal é que, quando você tem uma medida provisória (MP), tenha gente que queira tirar alguma coisa ou botar alguma coisa, mas isso é normal. Se você não gostar de fazer isso, então, não faça política. Eu estou convencido de que nós estamos numa relação de muita tranquilidade com o Congresso Nacional."

Reforma ministerial

Outro tema em destaque na conversa com a imprensa foi sobre a possibilidade de haver adiante, antes ou após das eleições municipais, uma reforma ministerial. "Eu não conheço um técnico que, com o time em campo, anuncie quem ele vai tirar. O time está jogando, e está jogando da forma como eu acho que tem que jogar, portanto, não existe nenhuma previsão de reforma ministerial neste instante. A única coisa que existe neste instante é que este país tem que dar certo porque o povo brasileiro precisa disso."

Banco Central

Também foi assunto a relação com o mercado e a taxa de juros imposta pelo Banco Central (BC), presidido por Roberto Campos Neto, com quem o governo tem tido embates por conta do alto índice de juros no país. Lula novamente criticou a postura da autarquia, mas disse ter "paciência" para trocar Campos Neto, cujo mandato se encerra este ano.  

"Tenho que indicar mais diretores e o presidente do BC até o final do ano. Só tenho que decidir se vou antecipar ou se deixo pra indicá-los o mais próximo possível do vencimento do mandato do presidente Roberto Campos. Quem já conviveu com o Roberto Campos por um ano e quatro meses pode conviver por mais seis meses. É bom que eu espero que ele leve em conta que o Brasil não corre nenhum risco", destacou, ao reclamar da taxa de juros.

Otimismo

O presidente disse ainda que tem otimismo em relação ao futuro do país para os próximos anos. "Eu convido vocês a ficarem atentos pra verem o que vai acontecer nas coisas que temos que votar daqui pra frente. Todas as coisas serão votadas e serão aprovadas, na medida do possível, na presença do líder do governo na Câmara, no Senado, no Congresso Nacional, com os ministros que são responsáveis pela matéria e com a participação, obviamente, da Casa Civil e do ministro responsável pela articulação política."

Lula afirmou ainda que o Brasil conta hoje com uma "credibilidade externa" que não tinha nem nos seus primeiros mandatos, citou e enalteceu os números atuais da indústria automobilística e também destacou os concursos que o governo vem fazendo para selecionar novos quadros para o Executivo federal. "Estamos tentando fazer concurso em algumas áreas para repor a quantidade que a gente tinha em 2010. Nós semeamos a terra, aramos, plantamos, estamos aguando e agora é pra colher. Vocês ficarão surpresos com o que vai acontecer no Brasil neste tempo."

Edição: Thalita Pires