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'Poeta dos mares': documentário com imagens inéditas retrata ritmo da vida de Dorival Caymi

Diretora Daniela Broitman fala em entrevista sobre filme, que estreia nos cinemas do país nesta quinta-feira (25)

Ouça o áudio:

Filme chega nesta semana no cinema do país, mas já rodou por festivais internacionais - Divulgação/Dorival Caymmi - um homem de afetos

Com estreia marcada para esta quinta-feira (25) em cidades de todas regiões do país, o documentário Dorival Caymmi - um homem de afetos celebra os 110 anos de vida que o compositor baiano completaria nesta semana.

A produção de Daniela Broitman já rodou o mundo em festivais de cinema e, agora, chega às telonas do país.

Com uma entrevista inédita de Caymmi gravada em 1998 — que estava perdida por conta de um incêndio na produtora responsável pelo documento — o longa conta também com Caetano Veloso, Gilberto Gil e os filhos do compositor, Danilo, Nana e Dori.

Filho do meio, Dori Caymmi conta orgulhoso que a obra do seu pai é única, principalmente ao relatar a vivência do ser humano com o mar, seja pelo lazer ou pelo trabalho, como é o caso dos pescadores.

“Ninguém retratou, nem antes nem depois, e dificilmente terá a importância que teve a obra do meu pai”, disse ao Brasil de Fato.

“Ele simplesmente tinha um outro ritmo, um outro tempo. Quando ele, entre aspas, fazia nada, ele não estava fazendo nada, ele estava criando, ele estava tendo as inspirações para fazer as canções que ele fazia, e é preciso um tempo realmente de inspiração para você poder criar, para fazer arte”, defende Broitman, em entrevista ao programa Bem Viver desta quarta-feira (24).

Confira a entrevista com a diretora na íntegra

Brasil de Fato: O que te motivou a iniciar o documentário? 

Daniela Broitman: Me perguntam muito como que eu escolhi fazer esse filme, esse tema, e a verdade é que o filme que me escolheu. Desde pequena eu ouvia Dorival Caymmi, ouvia minha avó cantando Dorival Caymmi, tem uma memória afetiva, muito forte, das canções de Dorival.

E quando estava dando um curso de direção e produção de documentário, eu conheci, na minha turma, uma baiana advogada de direitos autorais que tinha esse sonho de fazer também, um filme sobre Caymmi.

Então foi um encontro de duas almas que tinham como uma memória afetiva muito forte do Caymmi. Ela me propôs de ser a produtora do filme mas, por fim, eu acabei dirigindo, roteirizando e tudo mais.

Ela morava no Rio, mas acabou voltando para Salvador e me deixou lá tocando o filme. Ela também engravidou, teve neném e a gente brinca que ela ficou com a filhinha dela e eu fiquei com esse filho, que é esse filme e que é bem isso. É muito tempo de gestação, muito mais que nove meses, são anos até colocar o filho no mundo, e finalmente agora a gente vai poder mostrar para o país todo.

Sim, porque o filme rodou já o mundo em alguns festivais, inclusive aqui no Brasil, e só agora que ele está chegando no cinema. Eu queria te ouvir um pouquinho sobre como é ver o filme participando dos festivais, prestigiado por grandes figuras, grandes cineastas, e qual a diferença quando ele chega para o grande público. Qual público é mais exigente?

Ah, é uma emoção grande nos dois momentos. Ele estreou oficialmente no festival É Tudo Verdade. Na primeira seção é um frio na barriga.

Tem uma história muito linda sobre essa primeira sessão. Era um 9 de abril. Eu estava tão nervosa, muita coisa pra fazer no dia, que eu nem me dei conta, mas na hora que eu saí da sessão tinha uma senhora que veio muito emocionada falar comigo e falou: "Nossa, que incrível que vocês conseguiram escolher essa data pra estrear o filme". Eu falei: “Como assim?”

É que tem uma cena no filme que tem a letra da música O Vento e ele [Caymmi] anotou, na agenda dele, a data. Era 9 de abril. 

São essas coisas que aconteciam direto ao longo da produção que eu falo que eu eu não tenho controle. Caymmi, onde quer que ele esteja, certamente, está me guiando, está abençoando o filme, ele e Mãe Menininha do Gantois. O filme tem essa magia.

Mas voltando pra sua pergunta… Bom, agora vai para o público. Como você falou, no festival, são muitos cinéfilos, pessoas que estão acostumadas a verem documentário e tem uma paixão especial por filmes. Agora para o público, eu acho que é muito mais pessoas que gostam de música, gostam de Caymmi especificamente. 

Então, eu estou muito apreensiva pra saber o que que os fãs de Caymmi vão achar do filme. E, claro, o público, em geral, qualquer pessoa pode simplesmente estar passando pelo cinema e entrar. É diferente. Estou bem curiosa pra saber. 

Você estava falando de uma data especial na estreia em festivais, mas também é uma data especial agora. Nesta semana se completam 110 anos do nascimento do Caymmi

É verdade. Foi bom você falar sobre isso, porque teve uma certa demora em lançar o filme nos cinemas. Teve muitos obstáculos que não dependiam de mim, mas que também não acho que foi por acaso. Por isso que num sentido eu acho que Caymmi está lá, orquestrando tudo isso. 

O filme já poderia ter sido lançado no começo do ano. Aí sim eu realmente fiz questão, eu queria muito, até como uma homenagem a ele, para celebrar a vida e a obra dele, todo esse legado que ele deixou para a cultura brasileira e para o mundo.

Eu adoraria que fosse no dia 30 [aniversário de Caymmi], mas o cinema só coloca filme em cartaz nas quintas. Então é na mesma semana, que já é maravilhoso. 

No próprio dia 30, a gente está preparando uma surpresa incrível aqui para quem mora em São Paulo. Nessa semana do dia 30 até o início de maio teremos grandes surpresas. É realmente um evento bem bacana relacionado ao lançamento do filme. Então fiquem ligados que tem muita coisa boa aí. 

Alguma surpresa que a gente possa saber de antemão?

Ainda não. Mas a página do filme Caymmi - um homem de afetos, em breve, vai publicar.

A gente também está publicando nessas páginas material exclusivo inédito. Pra fazer um filme, a gente filma muitas horas. Depois, na montagem, é um grande sofrimento não colocar tudo que a gente gostaria.

A própria entrevista do Dorival, que é uma entrevista também inédita, exclusiva, tem três horas, três horas e meia de material, e no filme entram alguns minutos.

A gente editou, montou algumas pílulas que são muito bonitinhas, principalmente para os fãs e quem curte música, Caymmi, Caetano, Gil, Nana, Danilo, Dori, enfim, tem também o Gabriel Caymmi, que é o neto, a Ana Terra, a Cristiane, que foi cozinheira do Caymmi.

A gente está botando esse material na rede, então também vale a pena dar uma olhadinha lá. 

Você comentou dessa entrevista inédita do filme. Como que foi pra conseguir chegar nesse material?

Eu tinha esse dispositivo em relação ao filme — dispositivo como o Eduardo Coutinho fala — que é tipo uma prisão em que você se coloca para ir eliminando o que você não quer que esteja no filme, ir realmente pensando aquilo que pode estar no filme. São algumas regras, vamos dizer assim.

Eu tinha esse dispositivo de botar muito material inédito, de tentar que a grande maioria de material fosse inédito no filme. 

Eu e a Júlia [Kurc], minha assistente de direção, a gente fez uma pesquisa muito longa.

Eu comecei sozinha, ainda, na pesquisa mergulhada, indo em arquivos de TV... Depois, quando a gente já tinha equipe, ajudou em busca de material inédito.

Eu fiquei sabendo sobre essa entrevista por alguém da família do Caymmi que me contou que tinha essa entrevista perdida, que tinha pego fogo, que era em película. 

Não sei se a minha veia de repórter também, de muitos anos de jornalismo. Eu não me conformei. Eu fui atrás, queria saber aonde, quem, como, e tal. 

Foram muitos meses para achar. Na verdade eu não achei realmente a película, provavelmente pegou fogo. A história que me contaram foi que estava numa produtora que pegou fogo.

Mas eu consegui resgatar as fitas analógicas, e aí a equipe de finalização fez um trabalho lindíssimo de restaurar o material, de mexer na cor, a mixagem de áudio. Todos eles fizeram um trabalho lindíssimo de recuperação desse material, de masterização. Ficou realmente muito bonito.

Tanto que eu gosto muito quando as pessoas vão assistir o filme na telona. É muito diferente de assistir o filme em casa. Não só porque realmente a fotografia tá muito bonita, umas imagens muito legais da Bahia e tal, como também o som, que foi trabalhado, pensando também na sala de cinema, de você estar naquele escurinho só com aquela telona e aquele som, aquelas músicas incríveis de Caymmi.

Ainda nas primeiras sessões nos festivais, Jorge Bodansky, que também é um grande cineasta brasileiro, fez Iracema, uma transamazônica, falou uma coisa muito bonita: “É preciso voltar a acreditar no Brasil que está sendo mostrado em Caymmi - Um homem de afetos”. Que Brasil é esse você acha? O que ele quis dizer com isso?

Pois é, seria melhor perguntar para ele. Mas eu interpreto que é um Brasil que valoriza a cultura brasileira. É um Brasil que realmente consegue dar valor e fazer registros.

Porque hoje o que acontece é que os próprios cinemas, as TVs, as plataformas, priorizam muito mais o conteúdo que vem de fora. Tanto que foi uma luta grande para a gente reconquistar a cota de tela para o sistema brasileiro. 

Ele foi de novo aprovado em lei, agora em janeiro, mas ainda é preciso fazer valer a lei. É claro, tem cinemas incríveis que respeitavam a mesmo quando ela não estava em vigor, mas ainda assim, a real é que é muito difícil manter um filme em cartaz.

A gente entra em cartaz e se o cinema, no primeiro final de semana, não enche, eles tiram o nosso filme de cartaz. A nossa produção foi cinco anos, e aí na primeira semana, primeiro fim de semana, se a sala não enche, corre o risco de tirarem do cinema e fica só uma semana em cartaz.

Imagina: você trabalha cinco anos da sua vida, várias pessoas, toda uma equipe trabalhando anos e anos, para daí a sua obra ser mostrada no cinema uma semana. É muito frustrante.

Esse Brasil da cultura, da música popular brasileira, esse país também de Caymm, tem tanta sabedoria, tanta calma, tanta tranquilidade, tanta paz de espírito, para poder contemplar, contemplar o mundo, contemplar a arte, contemplar a cultura.

Porque o Caymmi era o homem da contemplação. Ele até ganhou essa fama de preguiçoso.

A minha opinião é que ele não era preguiçoso. Ele simplesmente tinha um outro ritmo, um outro tempo. Quando ele, entre aspas, fazia nada, ele não estava fazendo nada, ele estava criando, ele estava tendo as inspirações para fazer as canções que ele fazia. É preciso um tempo realmente de inspiração para você poder criar, para fazer arte.

Então, é todo esse Brasil que respeita o tempo, a arte, a cultura. Essa geração, que não só respeita, mas valoriza e celebra o legado dessa geração incrível, de Caymmi, de Tom Jobim, de Vinícius de Moraes, de João Gilberto.

Eu acho que se trata desse Brasil. 

O jeito que Caymmi retrata a relação do ser humano com o mar é um dos destaques da sua obra. Ele foi único nessa sensibilidade?

Sim, essa sensibilidade do Caymmi e essa relação dele com a natureza, acho que foram duas das coisas que me encantaram muito na obra dele.
 
As canções praieiras, pra mim, não tem nada igual. Claro, não é o caso de comparar, mas me tocam profundamente as canções, essa relação dele com o mar, com realmente o pescador, essa sabedoria de conseguir entender e retratar em música o cotidiano dessas pessoas, de sua gente.

Realmente isso eu acho que Caymmi fez como ninguém. Ele era o poeta dos mares. Esse é o resumo.


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Edição: Matheus Alves de Almeida