A assembleia de acionistas da Petrobras aprovou nesta quinta-feira (25) a distribuição de dividendos extraordinários a investidores. O pagamento, que antes tinha sido retido visando fortalecer o caixa da companhia para investimentos futuros, acabou sendo confirmado após uma crise pública na estatal que chegou a colocar em xeque a permanência no cargo de Jean Paul Prates, ex-senador e atual presidente da companhia.
Com a decisão da assembleia, a Petrobras vai distribuir outros R$ 22 bilhões a seus acionistas. O valor corresponde à metade dos R$ 43,9 bilhões em disputa na companhia. Esses R$ 22 bilhões vão ser adicionado aos R$ 72,4 bilhões que a estatal já havia se comprometido a distribuir sobre o lucro de 2023.
O lucro da companhia no ano passado foi de R$ 124,6 bilhões – 33,8% menos do que os R$ 188,3 bilhões ganhos em 2022, mas ainda assim o segundo maior da história da estatal. Considerando esse resultado e uma mudança na política de dividendos da Petrobras, a companhia havia se posicionado pela distribuição de R$ 72,4 bilhões.
A nova política reduziu o percentual do caixa da empresa que é repassado a investidores: de 60% para 45%. A ideia da mudança era justamente permitir que mais recursos ficassem à disposição da estatal para investimentos. Ela, no entanto, não extinguiu a possibilidade de os dividendos serem ampliados em pagamentos extraordinários.
Esse tipo de pagamento extra tornou-se comum durante a gestão bolsonarista da Petrobras. Houve anos em que a Petrobras repassou a seus acionistas mais dinheiro do que ela lucrou. Em 2022, foram R$ 222 bilhões em dividendos contra os R$ 188 de lucro.
Acionistas da Petrobras passaram a reclamar do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quando sua gestão resolveu que a empresa não deveria pagar dividendos extraordinários.
Crise pública
Lula, a princípio, defendeu a decisão da Petrobras e criticou o mercado, o qual ele comparou a um "dinossauro voraz". Em entrevista ao SBT News ainda em março, ele disse que a estatal deveria preocupar-se mais com investimentos e menos com acionistas minoritários.
"Tem que pensar no investimento e em 200 milhões de brasileiros que são donos ou sócios dessa empresa. O que não é correto é a Petrobras, que tinha que distribuir R$ 45 bilhões de dividendos, querer distribuir R$ 80 bilhões. São R$ 40 bilhões a mais que poderiam ter sido colocados para investimento, fazer mais pesquisa, mais navio, mais sonda... Não foi feito."
Economistas que defendem o papel público da Petrobras também apoiaram a decisão. "Os acionistas da Petrobras estão com uma visão de curtíssimo prazo, olhando para a empresa apenas como uma distribuidora da riqueza e da lucratividade gerada a partir da renda do petróleo, sem ter uma visão estratégica tanto sobre o futuro operacional e financeiro da Petrobras quanto sobre o desenvolvimento ou uma aderência a qualquer ideia de desenvolvimento nacional e soberania energética brasileira", disse o diretor técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), Mahatma Ramos dos Santos.
Mesmo assim, a Petrobras passou a ser alvo de críticas e pressão oriundas do mercado. O preço das ações da empresa na Bolsa de Valores de São Paulo chegou a cair mais de 8% num só dia. A gestão de Prates chegou a ser criticada até pelo governo. A questão dos dividendos, então, voltou à pauta.
Assembleia
Ainda em março, a Petrobras já havia anunciado que a decisão final sobre os dividendos caberia a uma assembleia geral, marcada para esta quinta. No entanto, naquela época, o conselho de administração da empresa havia recomendado aos acionistas que não aprovassem pagamentos extraordinários para facilitar investimentos da companhia principalmente nos próximos anos.
Em reunião realizada na sexta-feira (19), o conselho – cuja maioria é composta por membros indicados pelo governo – modificou essa orientação. Defendeu que cerca de R$ 22 bilhões fossem distribuídos e só R$ 22 bilhões ficassem retidos. A proposta acabou aprovada.
A Federação Única dos Petroleiros (FUP) lamentou a decisão. "A Petrobras precisa rever as regras que o mercado financeiro impôs à empresa e que acarretam um desequilíbrio de poder na condução da companhia e nas necessidades de investimentos", declarou a entidade.
O Ineep, após essa decisão, declarou que "a decisão da Petrobras e de seu acionista controlador, a União, não está alinhada com os interesses de longo prazo da companhia e da sociedade brasileira".
Investimento
Em artigo publicado em março, Felipe Coutinho, presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet), demonstrou que, quanto maior o dividendo pago pela Petrobras, menor o investimento. Demonstrou também que, nos últimos anos, a balança pendeu mais para especuladores.
"Em 2021 e 2022 a razão média entre os dividendos pagos e o investimento líquido foi de 804%. Enquanto entre 2005 e 2020 foi de 12,7%, em termos médios", explicou. Em 2023, essa razão ficou em 232,63%, como mostra a tabela. "Ou seja, a relação entre o pagamento de dividendos e o investimento líquido em 2023 foi 18 vezes mais alta se comparada com a média de 2005 a 2020", escreveu ele.
Coutinho destaca ainda que, apesar das críticas de acionistas, a Petrobras pagou mais dividendos que suas concorrentes diretas em 2023.
Edição: Nicolau Soares