“Vim aqui para ajudar meu povo. Tem pessoa má que fica queimando a mata, os animais e fica te machucando. Tem muitas frutas que ficam queimadas, os animais vão ficando com fome, por isso que a gente tem que jogar água nessa queimadas, cuidar da nossa terra. Eu gosto de limpar a cidade”. Quem traz essa reflexão é Erick, de 8 anos, que, pela primeira vez, esteve em um espaço preparado especialmente para as crianças presentes na maior mobilização de movimento popular indígena do Brasil, o Acampamento Terra Livre (ATL).
De vinte edições do ATL, o deste ano teve um diferencial: o Cafi Parentinho. O espaço recebe o nome em referência a forma como indígenas de diferentes povos se tratam - Parentes - e ao Centro Amazônico de Formação Indígena (Cafi), gerência dentro da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab). O Cafi é uma iniciativa voltada para a formação de futuras lideranças indígenas. Em 2024, teve uma tenda reservada, no ATL, para que mães e pais, de diferentes povos, pudessem deixar suas crianças para participarem das atividades do movimento.
Erick, por exemplo, é filho de Taila Wajuru, do povo Wajuru de Rondônia e comunicadora da Coiab. Taila conta da felicidade ao saber do espaço criado especificamente para as crianças. “Não só eu, mas como outras mães guerreiras, saem no seu território, trazem seus filhos para estar acompanhando essa luta, para que eles possam, desde cedo entender o porquê da gente está aqui. Muitas têm que deixar suas crianças porque não tem um suporte”, diz.
A iniciativa foi instalada no ATL desde terça-feira, 23, para que as crianças de 8 a 12 anos possam realizar atividades lúdicas e aprender sobre o movimento indígena da Amazônia e do Brasil. Segundo a presidente do Conselho Deliberativo da Coiab, Auricélia Arapium, nas outras edições, a única possibilidade eram as crianças acompanharem os adultos durante as atividades diárias do movimento, incluindo a marcha para o Congresso Nacional.
“Buscamos alguns parceiros que acreditaram no nosso projeto. Infelizmente, não conseguimos trazer todas as crianças do acampamento, porque são muitas. Contudo, a gente tá nesse trabalho, que é o início”, explica a presidente. “Mais do que dar apoio para as mães, o Cafi também é um espaço de luta ancestral das crianças, porque sem as crianças não vai ter futuro.”
Dentre as atividades realizadas no Cafi Parentinho, Auricélia destaca o intercâmbio entre as crianças indígenas do ATL 2024 com as da Escola da Árvore, formada por um grupo de profissionais de diversas áreas que desenvolve ações educativas para a conservação e preservação da biodiversidade. Na quarta-feira, 24, a instituição recebeu os parentinhos para conhecer o local e, na quinta-feira, 25, as crianças não-indígenas estiveram no acampamento.
Além das visitações, a tenda também desenvolveu ações diárias, como cântico de histórias e de músicas culturais, customização de camisetas e pinturas do que cada criança achasse importante. A proposta final também foi apresentar essas produções durante a marcha que ocorreu na tarde de quinta.
“É um espaço criado, especificamente, para crianças onde elas são bem cuidadas. Tem vários colaboradores, tanto indígenas como não indígenas, que abraçam a causa e estão aqui ajudando. É um espaço onde a gente pode ficar livre para poder participar das plenárias porque a gente sabe que, aqui, eles estão bem acolhidos. É feito um formulário, e ele só entrega a criança a hora que você chega e se identifica”, contou Taila.
A presidente do Conselho Deliberativo conta que o plano, agora, é tentar o Cafi Parentinho para todas as atividades da Coiab, com objetivo de potencializar a participação, principalmente, de mulheres que muitas vezes são impedidas de estarem presentes simplesmente por serem mães. “Muitas vezes elas não podem pagar a passagem da criança, a passagem de uma acompanhante para ajudar ou então é impedida porque não tem como deixar os filhos. A gente quer começar aqui, mas queremos ampliar esse espaço de apoio e de formação das crianças para outras atividades da Coiab.”
A infância indígena
A criança indígena carrega a ancestralidade. Em um vídeo publicado nas redes sociais, o ator e escritor Daniel Munduruku, conta que, ao questionar uma criança indígena qual seria seu maior sonho quando crescesse, ouviu um: “ué, ser avô”. “A criança, a gente costuma dizer, é aquela que tudo pode. O velho é aquele que tudo sabe. No velho, está a criança. Mas, na criança, ainda não está o velho. É preciso passar por cada estação para chegar lá.”
Com o lema “Nosso marco ancestral, sempre estivemos aqui”, o ATL reforça a ideia do Brasil como território indígena e, consequentemente, a sobrevivência da infância dos diversos povos. Contudo, tanto para Auricélia, como para Taila, nessa fase da vida também mora a preocupação. Para elas, a invasão, garimpo ilegal, presença do mercúrio e o agronegócio nas comunidades trazem prejuízos para as vivências das crianças em seus territórios.
“Minha preocupação é pelo meu território e por outros territórios. Os danos que a invasão, o minério, o garimpo ilegal, a madeira, ela traz um prejuízo para a vivência das crianças em seus territórios. Há 20 anos, viver em uma comunidade indígena é muito diferente do que está hoje, porque já tem muita interferência da cultura do não-indígena”, compartilha Taila, que além de Erick, é mãe de uma menina de 4 anos e de um bebê de nove meses.
Contudo, para a presidente do Conselho, mesmo com a luta e questões ambientais, a vivência na aldeia garante melhores condições para a infância. “É muito melhor viver na aldeia do que viver na cidade, porque, apesar de todas as ameaças, é uma infância livre. Hoje, nosso trabalho também é de proteção das nossas crianças indígenas, que são violentadas quando o nosso direito é violado”, afirmou. “A gente sofre de todas as formas e tudo que a gente sofre as crianças também sofrem”.
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Fonte: BdF Distrito Federal
Edição: Flávia Quirino