TRAGÉDIA

Incêndio em pousada no centro de Porto Alegre deixa 10 mortos e 11 pessoas feridas 

Local tem contrato com a prefeitura para abrigar pessoas em situação de vulnerabilidade e funcionava sem alvará e PPCI

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Pousada recebe verba do município para pagamento de aluguel social de famílias em vulnerabilidade - Reprodução/X da deputada Daiana Santos

"Acho que minha irmã não conseguiu sair. Ela morava lá em cima. Foi muito rápido, gritaram 'fogo!' e o fogo estava dois quartos do lado do meu. [Tinha] muita fumaça. Estava em cima e embaixo e do lado. Saí correndo." O relato dado à equipe de RBS TV é do morador Marcelo Wagner, de 56 anos, que residia com a irmã na pousada que foi atingida por um incêndio que matou 10 pessoas e deixou outras 11 feridas na madrugada desta sexta-feira (26) no centro de Porto Alegre (RS).

Localizado na Avenida Farrapos, entre as ruas Garibaldi e Barros Cassal, no sentido centro-bairro, a Pousada Garoa fica próximo às ocupações 20 de Novembro e Sépe Tiaraju. O local abrigava pessoas em situação de vulnerabilidade social, entre elas 16 mantidas por aluguel social pago pela Prefeitura de Porto alegre, e não possui alvará e nem Plano de Proteção Contra Incêndio (PPCI).

Os bombeiros foram ao local para combater o incêndio por volta das 2h. O fogo foi controlado por volta das 5h. No primeiro andar do prédio, foram encontradas duas vítimas. No segundo, cinco. Já no terceiro, outras três.

Onze pessoas foram resgatadas. Oito delas precisaram de atendimento médico e foram levadas pelos bombeiros e Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) para hospitais. Outras foram receberam atendimento no Hospital Cristo Redentor.

De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), o estado de saúde de duas delas é grave e estão entubadas. Outra, também grave, teve 20% do corpo queimada. Há também uma pessoa com uma perna fraturada.

:: Movimento da população de rua cobra políticas públicas na Câmara Municipal de Porto Alegre ::

De acordo com reportagem do site Sul21, o contrato entre a Prefeitura de Porto Alegre e a Pousada Garoa foi prorrogado por mais 12 meses em dezembro de 2023, ao custo de R$ 225.448,33 mensais aos cofres públicos, totalizando R$ 2,7 milhões por ano.

Por volta das 8h30, o prefeito Sebastião Melo (MDB) esteve no local da tragédia e disse que o contrato com a pousada poderá ser cancelado. Não soube responder sobre o fato do estabelecimento não ter alvará para funcionar como pousada e nem o PPCI. Disse que na ocasião da licitação a pousada apresentou todos os documentos exigidos, mas que entre "o papel e a realidade" há diferenças. "Provavelmente caminhe na decisão de romper com eles", afirmou.

"Com profunda tristeza acompanho a apuração do incêndio com vítimas na pousada Garoa, na Farrapos. A prioridade agora é o atendimento aos cidadãos resgatados e encaminhados ao HPS. A prefeitura trabalha para acolher os moradores e apoiar a investigação dessa tragédia", escreveu o prefeito em sua rede social.

A causa do incêndio ainda é desconhecida. O Corpo de Bombeiros avalia que o fogo se alastrou rapidamente porque os quartos da pousada eram muito próximos. Isso teria feito com que, inclusive, pessoas que estavam no local fossem impedidas de sair. A Defesa Civil em Porto Alegre cogita a possibilidade de incêndio crimonoso. O caso deve ser investigado pela Polícia Civil.

"Tragédia anunciada"

"O prédio da pousada fica quase em frente ao nosso. As minhas crianças acordaram com a fumaça e barulho de bombeiros, ficaram muito assustadas. Estamos acompanhando desde o início do incêndio. Isso é reflexo dessa política do município da compra de vagas nas pousadas para o pessoal em situação de rua e que não tem nenhuma fiscalização. É uma tragédia anunciada de uma situação já bastante complicada", afirma a coordenadora do Movimento Nacional de Luta pela Moradia no RS (MNLM-RS) e também coordenadora da Cooperativa 20 de Novembro, Ceniriani Vargas da Silva.

Ela conta que já havia sido feito questionamentos à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social sobre fechamento de vagas em albergues e abrigos. E que já foi levantado de que "a política de compras de vaga em pousadas para a população de rua é complicada, pois se trata de um público que precisa de muito mais que um lugar pra dormir".

Para Ceniriani, esses contratos precisam ser investigados. "Isso não é política pública. Isso é transformar uma necessidade urgente da cidade em um mercado. É necessário investimento em equipamentos públicos e atendimento qualificado com ampliação de equipes de abordagem e acompanhamento. No entanto, na contramão disso, essa política de compra de vagas é o carro chefe hoje das ações com a população em situação de rua", critica.

A tragédia fez com que a Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul encaminhasse ofícios para o Ministério Público, Tribunal de Contas do Município e à Prefeitura da Capital. Todos questionando sobre o cumprimento dos dispositivos que legalizam a prestação de serviços para o Executivo da cidade (abaixo a nota completa).

Em sua rede social, a presidenta da comissão, deputada Laura Sito (PT), considerou a falta de PPCI uma negligência por parte da prefeitura. Para ela, a Fundação de Assistência Social e Cidadania de Porto Alegre era quem deveria oferecer local seguro e com proteção para a população mais vulnerável. "A Comissão de Direitos Humanos vai buscar cobrar como os direitos mais básicos, que deveriam ser garantidos, resultou nessa tragédia", disse.

A deputada federal Daiana Santos (PCdoB/RS), através da rede social, também cobrou explicações da prefeitura e dos órgãos responsáveis. Segundo ela, a região concentra diversas pousadas que são utilizadas para acolhimento social e apresentam péssimas condições de higiene e segurança.

Comentários de pessoas ligadas direta ou indiretamente ao atendimento de pessoas em vulnerabilidade social nas postagens das parlamentares sobre a tragédia apontam que a população em situação de rua denuncia há anos as condições da pousada.

A vereadora Karen Santos (Psol) destaca as inúmeras denúncias sobre a situação precária em que se encontrava o estabelecimento. "A pousada recebe verba do município através da FASC, contudo não atende com dignidade as pessoas em situação de rua e vulnerabilidade. Lamentamos profundamente que isso tenha acontecido. Exigimos que sejam tomadas as providências, se investigue essa situação e que haja investimento e qualidade na política de assistência", cobrou.

A Defensoria Pública do Rio Grande do Sul esteve no local fazendo as primeiras oitivas. De acordo com o defensor público e assessor do gabinete da DPE Rodolfo Lorea Malhão, o interesse nesse primeiro momento é garantir o direito dos sobreviventes e também das famílias das vítimas fatais e também acompanhar as vítimas que estão hospitalizadas. "As responsabilidades pelo evento vão ser acompanhadas pela defensoria em momento posterior", afirma.

Dirigente do Núcleo de Defesa em Direitos Humanos em exercíco da DPE, Alessandra Quines Cruz disse que a entidade conversou no local com diversos movimentos sociais que há muito tempo denunciam as irregularidades na contratação das pousadas e as más condições dos alojamentos. Uma reunião pública será realizada pela entidade, nesta sexta (26), às 15h.

A Prefeitura de Porto Alegre disse que vai se manifestar sobre a situação na tarde desta sexta-feira.

Nota da comissão da Assembleia Legislativa

Caso Pousada Garoa: Comissão de Direitos Humanos aciona TCE e MPRS

Após um incêndio de grandes proporções atingir a Pousada Garoa na avenida Farrapos, em Porto Alegre, e causar a morte de pelo menos 10 pessoas e deixar mais 11 feridas, a Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul encaminhou ofícios para o Ministério Público, Tribunal de Contas e à Prefeitura da Capital. Ambos questionam o cumprimento dos dispositivos que legalizam a prestação de serviços para o Executivo da cidade.

Segundo a presidente da CCDH e deputada estadual, Laura Sito (PT), é importante lembrarmos que não é a primeira vez que uma tragédia como essa atinge unidades da rede. Em 2022 houve um óbito em decorrência de um incêndio na unidade da rua Jerônimo Coelho em Porto Alegre. “Mesmo que neste momento haja a possibilidade de incêndio criminoso, a Prefeitura não está isenta, já que os danos da tragédia poderiam ser amenizados com a correta fiscalização do local e ter o PPCI em dia”, afirma a parlamentar.

*Com informações do G1 e Sul21


Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Marcelo Ferreira