A pressão do mercado financeiro para que o governo atinja o equilíbrio e persiga a qualquer custo a meta de zerar o déficit fiscal ano após ano tem como vítima a sociedade brasileira, em especial, as classes menos favorecidas. A redução das despesas significa cortar investimentos em saneamento básico, moradias populares, saúde, educação, infraestrutura e muito mais. Tudo isso para atender aos interesses da entidade mercado. Mas existem outras formas de equacionar o problema.
A urgência e a forma de enfrentar o déficit público devem ser revistas. É preciso traçar objetivos de médio e longo prazo para equacionar essa questão, pois é possível olhar para além do déficit zero, o que trará benefícios para o conjunto da sociedade.
Nesse sentido, propomos que o governo busque fazer com que o crescimento do PIB seja proporcionalmente maior que o crescimento da dívida pública. Desta forma, no médio e longo prazo, a dívida irá diminuir proporcionalmente ao produto, o que abre cada vez mais espaço para novos investimentos do interesse da sociedade.
O crescimento sustentável do PIB depende, em grande parte, do aumento do investimento do Estado nas mais variadas áreas como a construção de estradas, a ampliação dos serviços de saneamento, transporte público e habitação popular, em educação, saúde, energia renovável, descarbonização, entre outros. Esse conjunto de investimentos, lançará o país num círculo virtuoso de crescimento e, assim, haverá aumento do emprego, da renda, do consumo e da arrecadação, o que possibilitará ao Estado investir cada vez mais.
Esse movimento criará confiança no setor privado que será estimulado a investir mais, reforçando o ciclo de crescimento. E isso é positivo para o próprio mercado: empresas mais capitalizadas e em crescimento se valorizam, buscam mais recursos para a continuidade dos investimentos e a roda gira.
Existem condições para o Estado realizar esse conjunto de investimentos? A resposta é sim. Para isso, é necessário entender que a dívida pública está sob controle e seu crescimento no curto prazo, será compensado, pois os investimentos do Estado, levarão ao crescimento do PIB e da arrecadação. Hoje a dívida representa cerca de 75% do PIB. Aqui é importante lembrar para efeito de comparação que a dívida pública americana está na casa dos 120% do PIB, do Japão 217%, da Itália 144%, do Egito 92,7%. Dados de 2024 do Monitor Fiscal do FMI indicam que as economias dos países desenvolvidos sustentarão déficits fiscais de pelos menos 3% do PIB, o que indica que aqueles países devem se endividar ainda mais.
A diminuição da taxa de juros é outro fator importante para alcançar recursos para serem investidos. No ano de 2023, o custo do pagamento de juros foi de R$ 718 bilhões. Hoje a taxa de juros real está na casa dos 6% ao ano, patamar de ganho extremamente elevado para quem aplicada em títulos públicos. O atual nível é justificado como medida de combate à inflação, mas hoje, ela está sob controle, dentro da meta. A estimativa do IPCA para a inflação este ano é de 3,71%. O Banco Central estima que o corte de um ponto percentual na Selic durante um ano, diminui em R$ 41,4 bilhões a dívida bruta. Com menos gastos com juros, obtemos uma importante fonte de recursos a serem investidos.
Uma iniciativa importante é aplicar melhor os recursos públicos, o que exige o controle das emendas parlamentares que hoje somam R$ 44 bilhões. Esses recursos precisam ser utilizados em projetos que resultem em geração de empregos e riqueza para o país, ao invés de servir a currais eleitorais, atendendo a apenas demandas locais.
Outra área a ser atacada é a estrutura tributária. É preciso avançar em mudanças visando o aumento de recursos para a realização dos investimentos. Para isso, é preciso aumentar os tributos de forma seletiva e progressiva para que não prejudiquem a população de menor renda e a classe média.
Para entender melhor a proposta, cito dois exemplos contundentes. O primeiro é o Imposto Territorial Rural – ITR. Esse tributo arrecadado em todo o ano de 2022 e em todo o Brasil foi de R$ 2,7 bilhões. O valor é menor do que a arrecadação da subprefeitura de Pinheiros, uma das 32 da cidade de São Paulo, que foi de R$ 2,8 bilhões no mesmo período, algo inacreditável. O aumento desse imposto, tendo como referência os EUA, elevaria sua arrecadação para cerca de R$ 60 bilhões. O outro exemplo é a respeito da cobrança de Imposto de Renda sobre a distribuição de lucros e dividendos, hoje inexistente no país. Se aplicarmos o percentual de 15%, como ocorre para quem aplica em títulos do tesouro, haveria um aumento de arrecadação de cerca de R$ 70 bilhões.
Esse conjunto de políticas, que são viáveis, democráticas e socialmente justas, desatariam o nó do déficit e da dívida pública e avançariam na solução dos problemas do país. Para executá-las é necessário além de capacidade técnica, coragem política.
*Odilon Guedes é economista, mestre em Economia pela PUC/SP, professor universitário e vice-presidente do Conselho Regional de Economia SP. Foi vereador e subprefeito na cidade de São Paulo. É autor do livro Orçamento Público e Cidadania (Editora L. Física).
** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Thalita Pires