O rompimento das relações entre Colômbia e Israel anunciado pelo presidente Gustavo Petro nesta quarta-feira (1) foi o último episódio da desavença que envolve o chefe do Executivo colombiano Gustavo Petro e o Estado israelense. A política adotada pelo mandatário dá um giro nas relações entre os dois países que, nas últimas décadas, foram marcadas por uma aliança estratégica.
Petro já havia ameaçado romper relações com Israel mais de uma vez desde o início dos ataques na Faixa de Gaza, mas só tomou a medida agora. Primeiro, chamou os ataques de “genocídio”. Depois, suspendeu a compra de armas de Israel. Para Jaime Caycedo, dirigente do Pacto Histórico –coalizão que reúne partido e movimentos de esquerda da Colômbia–, a decisão de Petro é marcante por barrar a presença militar israelense no país.
"Esse rompimento deve romper também a interferência do Mossad (agência de Inteligência de Israel) na Colômbia a título de espionagem e assessoramento ao governo colombiano. O grupo revolucionário M-19, ao qual Petro fez parte, foi um grupo perseguido pelo Estado, militantes foram mortos e eliminados com ajuda dessa equipe de inteligência", disse ao Brasil de Fato.
A presença militar israelense na Colômbia foi destrinchada pelo jornalista colombiano Alberto Donadio em artigo publicado na revista Cambio Colômbia. Ele identificou como dois militares israelenses do Mossad, Rafi Eitan e Yair Klein, assessoraram o governo e treinaram integrantes das Forças Armadas colombianas no combate contra as Farc, que resultou na morte de milhares de integrantes do partido de esquerda União Patriótica.
O Estado colombiano foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por “ação premeditada para exterminar” a União Patriótica, entre os anos 1980 e 2000. As mortes começaram assim que o então presidente da Colômbia, Belisario Betancur, começou a negociar com as Farc em 1985 um acordo de paz para encerrar o conflito armado no país. As reuniões levaram à criação do partido União patriótica, que reuniu ex-guerrilheiros, comunistas, sindicalistas e professores em um mesmo grupo político.
Em maio de 1986, Virgilio Barco, do Partido Liberal, ganhou as eleições presidenciais e aumentou a repressão contra a União Patriótica. De acordo com o jornalista colombiano Donadio, o presidente chamou o Rafi Eitan para se aconselhar na disputa contra as Farc. O levantamento mostra que o israelense passou meses rodando o país com assessores colombianos pagos em sigilo pela empresa petroleira Ecopetrol. Nesse período, as mortes e desaparições dos militantes da União Patriótica dispararam. Em 14 meses foram mais de 400 vítimas do grupo.
Já Yair Klein chegou à Colômbia pela primeira vez em 1987 e em 1988 passou a treinar militares do grupo paramilitar Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC), grupo que ficou conhecido por matar de forma violenta militantes e camponeses em todo o território nacional. A ONU publicou um relatório em 2016 estimando que 80% das mortes por conflitos armados na Colômbia neste período foram de responsabilidade dos paramilitares.
Petro já expôs a questão envolvendo esses dois personagens em um discurso. Dez dias depois do início dos ataques israelenses na Faixa de Gaza, o presidente afirmou que “nem o Yair Klein nem o Rafil Eithan poderão dizer qual é a história da paz na Colômbia”. O chefe do executivo colombiano ainda disse que eles desencadearam “o massacre e o genocídio na Colômbia".
Para Caycedo, a postura de Petro em romper as relações com o Estado de Israel é também reflexo desse histórico.
“Os assessores de Mossad foram artífices do genocídio colombiano até o governo de Gustavo Petro. Há uma mudança nesse sentido. Eles foram assessores contra insurgência, na produção de fuzis e armamento militar nos conflitos armados do país. Os serviços de inteligência de Israel (Mossad) tiveram participação direta nos conflitos armados da Colômbia”, afirmou.
Aliados históricos
Colômbia e Israel sempre tiveram alianças muitos fortes mesmo antes dos conflitos com guerrilhas no país sulamericano. Os colombianos foram um dos países que se abstiveram na votação de 1947 na ONU que tinha como objetivo resolver o conflito entre palestinos e israelenses. Aquele momento foi determinante para a criação do Estado de Israel.
A Colômbia então estabeleceu embaixada em Tel Aviv nos anos 1960, mas criticou, em algumas ocasiões, as ocupações israelenses em territórios palestinos.
Mas os dois países não foram só aliados históricos entre si, como pontos fundamentais para a atuação dos Estados Unidos na América do Sul e Oriente Médio. Em 1999, os EUA iniciam o Plano Colômbia, que tinha como objetivo ampliar o “combate à insurgência”. Os estadunidenses investiram US$ 1 bilhão (R$ 5 bi) em 2000, triplicando seu orçamento e representando 80% da assistência militar para toda a América Latina.
Essa relação se intensificou no governo de Álvaro Uribe, eleito em 2002, quando a Colômbia passou a fazer parte da “guerra global contra o terrorismo” encabeçada pelos EUA. O país sulamericano pisou no acelerador na disputa contra as guerrilhas e passou a classificar esses grupos como “organizações terroristas”.
Neste momento, a participação militar israelense nos conflitos armados colombianos deixa de ser sigilosa para ser comercial. Entre 2002 e 2006 a importação de armamentos israelenses duplicou na Colômbia. Hoje, esse comércio arrefeceu. Segundo a plataforma de dados de comércio da Organização das Nações Unidas (ONU) Comtrade, Israel exportou cerca de US$ 138,8 milhões em produtos para a Colômbia em 2022. Desses, apenas US$ 283 mil foram de armas, munições e acessórios.
O único governo que se diferenciou dessa política foi Juan Manuel Santos, que reconheceu em 2016 o Estado da Palestina.
Para Caycedo, a medida de Petro de romper relações com Israel mostra, por tabela, uma mudança na política externa colombiana em relação às grandes potências.
“Petro está mudando as relações exteriores em geral. Esse rompimento com Israel tem impacto político muito forte, e mostra uma mudança de rota da Colômbia no cenário internacional. Mostra que o país não está mais alinhado com os Estados Unidos depois de anos de uma relação de muita interferência”, afirma.
Edição: Rodrigo Durão Coelho