Por mais de três anos, o governo mineiro permitiu a atividade da mineradora Fleurs Global Mineração no entorno da Serra do Curral, cartão-postal de Belo Horizonte, por meio de autorizações “precárias”, mesmo após graves infrações ambientais sucessivas. A operação da empresa, ré por mineração irregular desde 2023, foi suspensa em março deste ano pela Justiça a pedido do Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG), após ter provocado danos ambientais e coletivos avaliados pela promotoria em R$ 30 milhões.
Sem nunca ter obtido licenciamento ambiental, a atividade da Fleurs se manteve ao longo de tantos anos porque a alta cúpula da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) – sob o comando de Marília Carvalho de Melo desde 2020 – agiu contra os alertas de irregularidades feitos pela equipe técnica da pasta e até mesmo da Controladoria-Geral do Estado (CGE), conforme revelam documentos aos quais a Agência Pública teve acesso.
Além disso, relatos de funcionários da Semad, tanto os colhidos pela reportagem quanto os anexados em ação civil pública do MPMG contra a Fleurs, indicam a possibilidade de pressões da mineradora terem influenciado decisões do órgão ambiental que acabaram favorecendo a empresa.
De 2019 a 2022, a Superintendência Regional de Meio Ambiente – Central Metropolitana (Supram-CM), subordinada à Semad, firmou sucessivos Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) com a Fleurs, possibilitando a manutenção da operação da mineradora. Nesse período, a empresa acumulou 17 autuações, por desmatamento, intervenção em áreas de preservação permanente, captação irregular de recursos hídricos, “dentre outras atividades ilícitas”, aponta a ação civil pública.
“A prática de irregularidades é frequente na Supram-CM, sendo que as equipes técnica e jurídica têm se desgastado na defesa do que é correto, técnico e legal, mas, diante do cenário, os servidores têm reiteradamente pedido transferência [para fora do órgão]”, depôs um servidor ao MPMG, em 30 de maio de 2022. A Supram-CM é responsável pela fiscalização e regularização ambiental na capital e cidades do entorno.
À época do depoimento do servidor ao MPMG, a superintendência estava sob o comando do funcionário de carreira Fernando Baliani. Segundo relatos colhidos pela promotoria, ele era assessorado pelo soldado da Polícia Militar de Minas Gerais Charles Soares de Souza, que assumiu a Supram-CM em junho de 2022. À frente do cargo, o militar assinou atos que beneficiaram o grupo empresarial da Fleurs, conforme revelou a revista Piauí.
Antes de assumir o cargo, Charles trabalhou como consultor da Fleurs. Há registros ainda de que o soldado teria atuado no órgão ambiental com aval da secretária Marília Carvalho, antes de ser oficialmente nomeado, a pedido dela, conforme apuração da Pública.
Carvalho é servidora pública de carreira desde 2006 e assumiu a liderança da Semad, indicada por Romeu Zema (Novo-MG), há quatro anos. Ela é filha de Ciomara Rabelo de Carvalho e enteada de Jorge Saffar, sócios da Crono Engenharia, que presta consultoria para grandes mineradoras como Vale, Anglo American e CSN, conforme indicado no site oficial da empresa.
Procurada, a Semad informou que não foi localizado nenhum processo de regularização ambiental conduzido pela Crono Engenharia. “Não sendo identificada, portanto, situação de conflito de interesse nas funções exercidas pela secretária”, ressaltou.
“A secretária sempre se caracterizou pelo perfil técnico em todos os cargos que ocupou dentro do Sisema, perfil que é reconhecido, inclusive, no meio acadêmico”, acrescentou. A secretária reforçou ainda por meio da assessoria de imprensa, “que repudia qualquer tipo de especulação ou ilação quanto a sua trajetória no serviço público e acerca das funções que desempenha ou desempenhou, bem como da história profissional respeitada dos familiares.”.
Em nota, a Semad informou também que o soldado Charles Soares de Souza foi contratado “em função de seus conhecimentos técnicos na área”. “No currículo apresentado quando da nomeação não constava nenhuma relação com a empresa citada [Fleurs]”, acrescentou.
Ainda de acordo com a secretaria, “os processos de licenciamento no órgão estadual, assim como as demais atividades a ele inerentes, são conduzidos com responsabilidade e impessoalidade, pautado em critérios técnicos e sempre com observância às normas vigentes e aplicáveis”.
A Pública entrou em contato com a Fleurs para buscar explicações sobre possível pressão no órgão ambiental, sobre a atuação de seu ex-consultor Charles Soares de Souza e sobre as denúncias do MPMG, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
Exploração sem limites e sem provas
O “gigantesco empreendimento minerário” da Fleurs está localizado em Raposos, na região metropolitana de Belo Horizonte, e fica às margens do rio das Velhas, que a abastece de água. A mina possui duas unidades de tratamento de minérios, com capacidade total de 3,8 milhões de toneladas por ano, e uma pilha de rejeitos. Vistoria técnica realizada no local em janeiro de 2023 detectou falta de estabilidade da pilha de rejeitos, processos erosivos e ausência de instrumentos de controle e monitoramento.
Segundo a ambientalista Jeanine Oliveira, do projeto Manuelzão, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que participa do movimento contra a mineração na Serra do Curral, a pilha de rejeitos fica a cerca de 60 metros do rio das Velhas e há fortes indícios de que ela teria contaminado o corpo d’água após um período de chuvas intensas.
Oliveira destacou que, como a Fleurs invadiu a área sem autorização do órgão ambiental, não existe amostra de comparação para confirmar a contaminação. “Se houvesse o licenciamento, eles iam ter feito o Estudo de Impacto Ambiental, e teríamos a amostra de antes. Como eles atropelaram tudo, não há provas”.
Segundo o MPMG, o projeto minerário da Fleurs, considerado de grande impacto pelo tamanho e pela proximidade com uma área ambientalmente sensível, deveria passar por “licenciamento ambiental trifásico”, ou seja, obter licença ambiental prévia, de operação e de instalação. A mineradora solicitou novo licenciamento, ainda em andamento – os dois anteriores tiveram parecer técnico pelo indeferimento.
“Pois, como sabido, qualquer atividade potencialmente poluidora que pretenda se desenvolver depende de prévia licença ambiental concedida pelo órgão público competente, com a anterior apresentação de avaliação de impactos ambientais e fixação de todas as medidas técnicas para evitá-los, mitigá-los ou compensá-los”, destacaram os promotores que assinam a ação civil pública.
Eles denunciaram ainda que a mineradora, desde sua instalação, tem “um histórico de omissões, dissimulações e subterfúgios, repleto de severas irregularidades ambientais”, para “obter autorizações rápidas, superficiais e ilegais”. Apesar de ter como alvo a Fleurs Global Mineração, o documento de 1.215 páginas produzido pela promotoria de Minas Gerais também detalha atos da Semad que teriam favorecido a mineradora.
O MPMG informou à Pública por meio de nota que está apurando “eventuais condutas funcionais de servidores específicos” e que “não há fatos a serem divulgados no momento, a fim de não prejudicar o andamento das investigações”. O órgão destacou ainda que a ação contra a Fleurs “tem por objeto a reparação integral dos danos e a nulidade do licenciamento ambiental, de modo a resguardar o meio ambiente e as normas ambientais vigentes”.
Histórico de omissões e possíveis influências externas
A Fleurs Global Mineração iniciou suas atividades no entorno da Serra do Curral em 2018, a princípio, sem autorização da Secretaria de Meio Ambiente. O MPMG descreve na ação civil pública que a empresa teria agido com “ousadia e total desprezo pelo ordenamento jurídico vigente” e que “o empreendimento passou a suprimir a vegetação local e, na sequência, instalar e iniciar suas atividades na área de forma ilícita”.
Apenas em julho de 2019, a mineradora assinou o primeiro Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a Supram-CM. “Contudo, mesmo após firmar o precário instrumento, a ré inacreditavelmente seguiu resistindo em cumprir a legislação de regência, sendo autuada em outubro daquele ano”, destacou o MPMG.
O acordo foi cancelado em 4 de março de 2020, mas, apenas seis dias depois, e apesar do histórico de infrações, o órgão ambiental celebrou outro TAC com a empresa.
A Pública apurou com servidores da Semad que a continuidade da operação só foi possível após Marília Carvalho de Melo cancelar a permissão de uso de água da mineradora concorrente da Fleurs, a Taquaril – embora um memorando produzido internamente concluir que “não caberia o cancelamento”.
As outorgas concedidas à Taquaril, no entanto, impossibilitavam a continuidade das atividades da Fleurs, uma vez que as duas empresas disputavam o mesmo córrego para beneficiamento do minério.
A disponibilidade hídrica concedida à Fleurs posteriormente no TAC firmado em março de 2020 é praticamente a mesma que constava na portaria de outorga da Taquaril, no mesmo curso d’água e com o ponto de captação de coordenadas geográficas com apenas alguns segundos de diferença.
Em novembro de 2021, “após tantos danos ambientais e reviravoltas procedimentais”, descreve o MPMG, a equipe técnica da Supram concluiu pelo indeferimento da licença do empreendimento da Fleurs e pelo imediato cancelamento do TAC vigente. O processo estava pronto para ser votado no Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), mas na última hora foi retirado da pauta.
Em depoimento ao MPMG, funcionários públicos da Semad “manifestaram perplexidade” com o fato, “narrando inclusive situação de possível pressão sofrida pelo órgão ambiental” para que o processo não fosse analisado pelo Copam.
Segundo um servidor ouvido pelos promotores em 30 de maio de 2022, “o procedimento não foi pautado sem qualquer justificativa à equipe técnica e jurídica, sendo retirado daqueles a serem pautados por ordem da Subsecretária de Regularização”. O cargo era ocupado à época por Anna Carolina da Motta Dal Pozzolo.
Ele contou ainda “que a servidora que era a gestora jurídica do processo perguntou em grupo de WhatsApp o motivo do processo não ter sido pautado e a resposta foi no sentido de que a Subsecretária fora pressionada”. Dal Pozzolo já advogou para dezenas de mineradoras no estado, conforme mostrou reportagem da revista Piauí.
Diante do parecer pelo indeferimento, a Fleurs solicitou o arquivamento do processo de licenciamento ambiental, formalizou outro e, no mesmo ato, pediu a celebração de um novo TAC, concedido novamente pela Supram, em fevereiro de 2022, “causando estranheza o fato de que o parecer pelo indeferimento foi simplesmente desconsiderado”, conforme observou outro funcionário da Semad em depoimento aos promotores em 8 de junho de 2022.
No dia seguinte à assinatura do acordo, “a servidora que era gestora jurídica formalizou a sua discordância com o caso por meio de mensagem no aplicativo Trello, datada de 23 de fevereiro de 2022”, contou o funcionário. Ele diz ainda que, posteriormente, os TACs administrativos passaram a ser redigidos “sem a participação da equipe jurídica, ficando somente a cargo da diretora jurídica Angélica Sezini, em razão de embates”.
A Supram, ao firmar novo acordo com a empresa, passou por cima de um parecer da Controladoria-Geral do Estado (CGE). Em novembro de 2020, após realizar auditoria em processos de celebração de acordos como o da Fleurs, o órgão emitiu uma nota, sugerindo que a Semad vetasse “a celebração do TAC em casos de reiteradas infrações ambientais pelo solicitante empreendedor”.
“Não se vislumbra razoável pactuar instrumento de ajuste de conduta com empreendedor que persiste em manter suas atividades em desconformidade com a legislação ambiental, sob risco de se agravar os danos causados ao meio ambiente”, acrescentam os auditores no documento encaminhado à Semad.
Servidor foi penalizado por cancelar acordo de mineradora
O último TAC firmado entre a Fleurs e o governo de Minas Gerais, em 23 de fevereiro de 2022, chegou a ser cancelado em dezembro daquele ano, mas o gestor que assinou o ato, o então superintendente da Supram, Daniel dos Santos Gonçalves, foi penalizado pelo juiz Wauner Batista de Oliveira com uma multa de R$ 10 mil.
Além da punição, o magistrado permitiu que a mineradora mantivesse suas operações por força de uma liminar. O juiz foi afastado do cargo dias depois pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por ter autorizado a realização de protestos antidemocráticos em frente ao quartel do Exército em Belo Horizonte, mesmo após decisão contrária do Supremo Tribunal Federal (STF).
“Multa de 10.000 reais pela Justiça por atuar corretamente corrigindo ilegalidades na Serra do Curral. É isso mesmo?!?!”, escreveu Daniel nas redes sociais à época. “Contra o emparelhamento [sic] do Estado, ainda restam muitos! Consciência de que fiz o que deveria ter sido feito”, acrescentou. Diante da pressão, e sem apoio da Semad, o servidor pediu exoneração do cargo.
Ao longo do relatório que determinou o cancelamento do TAC com a Fleurs, Daniel também questionou os sucessivos acordos assinados por colegas com a mineradora: “o empreendimento em referência teve dois processos de licenciamento ambiental com resultado negativo, mas, mesmo assim, insistiu-se na via do TAC. Nesse caso específico, evidencia-se que as diretrizes institucionais não foram seguidas. Afinal, todas as negativas do licenciamento ambiental em nada repercutiram quanto ao impedimento, mesmo que parcial, à realização das atividades, ainda que tenham sido observadas descontinuidades em razão do descumprimento de cláusulas específicas do ajuste provisório”.
Por fim, o então superintendente questiona: “Se essa linha for seguida, qual a efetividade de se negar um licenciamento ambiental se, em seguida, o empreendimento puder fazer uso da teórica e abstrata excepcionalidade do TAC?”.
A Fleurs contratou duas consultorias para fazer auditoria interna dos TACs e questionar a suspensão do acordo. Entre as empresas, está a GH Sustentabilidade Ambiental, que tem como sócio o empresário Gilberto Henrique Horta de Carvalho, amigo pessoal da secretária Marília Carvalho de Melo, de acordo com o relato de quatro servidores à reportagem. A Pública teve acesso a fotos tiradas na casa da secretária que confirmam que ela e o empresário mantêm uma relação próxima.
Em nota, a Semad destacou que “a auditoria citada não compõe o processo de licenciamento em curso, não havendo, dessa forma, qualquer possibilidade de interferência”.
Ligações perigosas, coação e alianças desfeitas
A Fleurs Global pertence ao mesmo grupo empresarial da mineradora Gute Sicht, que também é alvo de inquéritos da Federal e do Ministério Público Federal e teve sua atividade na Serra do Curral suspensa em 2023, após decisão do STF. De acordo com investigação da PF, as duas empresas seriam, na prática, o mesmo negócio.
A Gute Sicht também operou sem licença ambiental e fez uso de TACs. As mineradoras têm como sócio em comum o empresário Alan Cavalcante Nascimento, que, por sua vez, é sócio de João Alberto Paixão Lages na Gute Sicht, de acordo com a investigação da PF. Os dois também respondem na Justiça Federal por extração irregular de minério de ferro no cartão-postal de Belo Horizonte. Procurada, a empresa não respondeu aos questionamentos da Pública.
Ex-deputado estadual, João Alberto Lages é presidente da Associação de Mineradoras de Ferro do Brasil (AMF), inaugurada em abril do ano passado, em um pomposo evento que contou com a participação de autoridades do Judiciário mineiro, da Assembleia Legislativa do estado, da Câmara dos Deputados, do governo de Minas Gerais e do governo federal, como o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira – que recebeu R$ 100 mil em doação de Lages na campanha ao Senado em 2022.
Em 23 de fevereiro de 2024, Lages foi indiciado pela Polícia Civil pela prática de injúria e ameaça, depois de ter ameaçado a secretária de Meio Ambiente de Minas Gerais, Marília Carvalho de Melo, por meio de mensagens de texto, para que ela acelerasse o licenciamento ambiental da Fleurs Global.
As mensagens de áudio foram enviadas entre os dias 23 e 24 de dezembro de 2023, após uma audiência pública vinculada ao processo ter sido adiada. Mesmo depois do ocorrido, a audiência pública da Fleurs foi realizada no dia 7 de fevereiro. Segundo a Semad, “a decisão de publicar a audiência na segunda quinzena de janeiro, e não na última semana de dezembro, durante recesso de final de ano, foi tomada com o objetivo de garantir a transparência e devida visibilidade que o assunto requer”.
“O Ilustre Secretária de merda nenhuma….. é João Alberto que tá falando aqui… cê para de bandidagem, de tentar extorquir a Global, no nosso licenciamento, nós queremos apenas uma coisa limpa, que é uma audiência pública, e você determinar para que isso não aconteça, demonstra o apartamento que cê tem, o carro que você tem, a ladroagem da sua família, da sua mãe, portanto Marília, até agora você não me ofertou nada como eu, mas daqui pra frente vai ser diferente”, dizia mensagem atribuída ao número que seria do empresário às 21h45 do dia 23 de dezembro.
No dia seguinte, a secretária recebeu novas mensagens da linha telefônica que seria de João Alberto Lages pedindo desculpas pelo “mal-entendido”. Horas depois, o recado foi complementado por um áudio, também atribuído ao empresário: “Marília ei, tentei ser cordial com você, você viu a mensagem, depois o Pablito falou com você e não respondeu. Então minha amiga, bora lá uai, pra guerra, continuar sempre… Prepara-te”.
Em depoimento à Polícia Civil, Lages negou ter vínculo com a Fleurs e justificou que estaria “sofrendo pressão dos associados da entidade que preside”. Segundo transcrição do depoimento, ele admitiu a autoria exclusiva das mensagens e destacou que as mensagens não tiveram “interferência dos associados, os quais cobravam a resolução da demanda por meio da associação”.
Lages afirmou que seu “intuito era que o processo ocorresse de forma mais rápida, pois já se delongava, entretanto exagerou”. Questionado se teria provas das acusações feitas contra a secretária, Lages respondeu que “se excedeu no envio da mensagem”. Ele disse ainda que “não tem relação de amizade” com Marília Carvalho, mas que a conhece “pois já se encontraram em alguns eventos”. A reportagem entrou em contato com o deputado, mas ele não se manifestou até o momento.
Antes das ameaças, ao menos publicamente, a secretária mantinha uma relação amistosa com Lages e com Pablo César de Souza, o Pablito. Carvalho de Melo participou, por exemplo, da festa de inauguração da AMF na qual Lages foi empossado como presidente.
A Semad informou por meio de nota que Marília Carvalho compareceu ao evento, “em cumprimento à agenda institucional da pasta, para acompanhar a apresentação de carta compromisso pelo desenvolvimento sustentável, com a presença de diversas autoridades dos poderes executivo, legislativo e judiciário”.
A presença da secretária na inauguração da AMF foi criticada por servidores do Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema), que no dia seguinte publicaram uma nota de repúdio, questionando a relação de Marília com o setor minerário.
“A Secretária de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais, Marília Carvalho de Melo, parece mesmo não se importar com as graves e constantes denúncias que pesam contra ela. Apesar de ser constantemente apontada como incondicional apoiadora da FIEMG [Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais] e do setor minerário, em detrimento de grupos originários da sociedade civil, não faz questão de ‘camuflar’ ou tentar disfarçar suas predileções”, diz a nota.
Os servidores ainda anexaram na carta de repúdio uma foto reproduzida das redes sociais da secretária, em que ela aparece abraçada com a deputada federal Greyce Elias (Avante-MG) – que possui um histórico de atuação na Câmara dos Deputados favorável ao setor minerário. “Evento da AMF com essa amiga e grande Dep @greyceelyas”, escreveu Marília na postagem. Há outras fotos publicadas nas redes sociais da secretária que reforçam a relação de proximidade das duas.
Membro da Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados e da Frente Parlamentar da Mineração Sustentável no Congresso Nacional, Greyce Elias é casada com Pablo César de Souza, o Pablito, citado na mensagem enviada por José Alberto Lages a Marília Carvalho de Melo na véspera de Natal. Em depoimento à Polícia Civil, a secretária disse que “conhece Pablo Cesar do universo institucional do seu trabalho”.
Ex-vereador de Belo Horizonte, Pablito comandou, no governo de Michel Temer (MDB), a Agência Nacional de Mineração (ANM) em Minas Gerais. Sua nomeação gerou pedidos de demissão em massa no órgão, conforme divulgado pela imprensa à época. Pablito também foi assessor parlamentar do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), de 2019 a 2023. O senador disse desconhecer sua atividade.
O escritório de advocacia fundado por Pacheco defendeu o sócio das mineradoras Alan Cavalcante do Nascimento e também a Gute Sicht, em ações envolvendo exploração minerária na Serra do Curral. O senador informou que está desligado da advocacia desde 2021. Ele não tem mais participação societária no escritório. Guilherme Grimaldi, ex-sócio do senador no empreendimento, doou R$ 150 mil para a campanha de Alexandre Silveira, indicado ao Ministério de Minas e Energia por Pacheco.
Nomeação controversa
Ao longo dos cerca de cinco anos de operação da Fleurs, passaram por cargos estratégicos da Semad servidores ligados ao setor minerário. É o caso do soldado da Polícia Militar de Minas Gerais Charles Soares de Souza.
Após ter atuado como consultor da Fleurs por meio da empresa M. A. Consultoria Ambiental, Charles foi nomeado a pedido de Marília Carvalho de Melo como superintendente da Supram-CM. À frente do cargo, ele cancelou um auto de infração da Gute Sicht e assinou um dos TACs com a empresa.
De acordo com funcionários da Secretaria de Meio Ambiente ouvidos pela reportagem, o policial teria sido indicado “sob a alegação de que ele foi seu aluno [de Marília Carvalho] e que se tratava de uma pessoa diferenciada quanto ao conhecimento da matéria ambiental”. Ela teria anunciado o militar como futuro superintendente durante reunião com os funcionários nos dias 8 e 10 de março de 2022. Na ocasião, Charles teria sido apresentado por Marília Carvalho como sendo “servidor de sua máxima confiança e que ele seria os seus olhos dentro da Supram Central Metropolitana”, conforme contaram pessoas que participaram dos encontros.
Três meses depois, em 1o de junho de 2022, Charles foi nomeado para o cargo. No entanto, há registros de que ele já atuava no órgão ambiental ao menos desde 2021, sem ter qualquer vínculo oficial com o poder público.
Em 24 de setembro daquele ano, por exemplo, Charles participou, por indicação de Marília Carvalho, como representante da Semad em uma reunião junto ao MPMG sobre “licenciamento de mineração”; no mesmo mês, ele acompanhou uma operação de fiscalização ambiental, denominada “Mata Atlântica em pé”, nos municípios do Vale do Jequitinhonha e norte de Minas. O soldado viajou, inclusive, no avião da Polícia Civil junto ao então subsecretário de Fiscalização Ambiental Fernando Antônio Gomes de Araújo, conforme registro do diário de bordo da Polícia Civil.
Também antes de ser nomeado gestor na Semad, em fevereiro de 2022 Charles acompanhou a equipe técnica da Supram em uma vistoria na mina da Fleurs, para avaliar o cumprimento das cláusulas do TAC. Na ocasião, a empresa enviou como seu representante o sócio da M. A. Consultoria Ambiental Jaime Eduardo Fonseca, ex-chefe de Charles na empresa de consultoria e que também já passou pela Semad, no cargo de diretor de apoio operacional da Supram – Zona da Mata.
O policial foi exonerado do cargo em setembro de 2022. Um ano depois, em 30 de outubro de 2023, a Corregedoria do Estado publicou no Diário Oficial a abertura de um processo disciplinar para investigar os responsáveis pela atuação informal de Charles Soares na Semad no período anterior à sua nomeação oficial.