Os atingidos pelas enchentes no Rio Grande do Sul têm que conviver não apenas com a realidade material da destruição de suas casas, mas com o medo generalizado da violência. Não há números oficiais, mas moradores e voluntários relatam que existem pessoas que se recusam a ir para abrigos para não sofrerem saques.
De acordo com o voluntário Ravier Moreira, ainda há moradores que recusam socorro pelo receio de que suas residências sejam arrombadas. Relatos dão conta de que, à noite, criminosos intimidam as pessoas, impedindo que elas saiam de casa. "Então as vítimas ficam com medo de deixar o bem material e ficam vivendo isoladamente", conta.
Jader Lewis, que trabalha nas buscas desde o início das enchentes, disse que "o mais revoltante eram os saques e os roubos que estavam acontecendo em residenciais e estabelecimentos".
Existiram, de fato, registros de saques nos primeiros dias da maior tragédia socioambiental já ocorrida no estado. Até esta quinta-feira (9), a Brigada Militar do estado (equivalente à Polícia Militar) prendeu 41 pessoas acusadas de roubar casas ou estabelecimentos comerciais.
Para Rodrigo Azevedo, professor da PUC-RS e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a sensação de pânico entre os atingidos é multifatorial. "Em primeiro lugar, quem está em casas alagadas, com seus bens praticamente perdidos, está em uma situação de fragilidade", afirma. Isso contribuiria para a decisão de, mesmo em risco, ficar em casa.
Além disso, fatos e fake news se misturam para criar um pacote de desinformação. "Há casos de barcos de resgate que foram roubados para serem usados em saques de residências. Esse tipo de notícia é muito impactante. Causa uma sensação de insegurança baseada em fatos", diz Azevedo.
Junto a isso, no entanto, há um enorme volume de notícias falsas. "É uma epidemia. O conteúdo visa mostrar o Estado sempre como incompetente e incapaz de lidar com os problemas, inclusive visando benefício eleitoral", explica o especialista.
Para ele, que está em Porto Alegre, essa percepção não é verdadeira. "Há uma sinergia entre vários atores – Estado, movimentos, empresários e voluntários – que vem funcionando. Há locais adequados para receber as pessoas", relata.
O medo presente entre os atingidos leva a uma maior dificuldade nos salvamentos, que estão sendo realizados em sua maioria pelas próprias forças de segurança. Sem confiança no funcionamento da operação de salvamento e na capacidade de o Estado manter os imóveis a salvo, as pessoas se expõem ao risco de isolamento em um imóvel alagado.
Para Azevedo, o Estado precisa mostrar que as ações necessárias de segurança estão sendo tomadas. "O governador, o comandante da Brigada e outras autoridades precisam garantir e informar que a segurança será garantida. É preciso dar destaque a iniciativas concretas", diz.
Algumas ações neste sentido já estão sendo realizadas. Nesta quinta-feira, a Brigada Militar informou que reforçou o policiamento ostensivo e repressivo em todas as áreas afetadas pelas enchentes. Na quarta-feira (8), o governador Eduardo Leite (PSDB) anunciou o programa emergencial "Mais Efetivo", para convocar mil policiais militares da reserva para reforçar a segurança no estado nos próximos 90 dias.
Em nota publicada ontem nas redes sociais da Secretaria de Segurança Pública, o chefe da pasta, Sandro Caron, afirmou que diante das ameaças de furtos, assaltos e arrombamentos neste momento de crise, "as autoridades prenderão todos que praticarem atos de criminalidade".
Policiais militares também estão atuando nos botes para proteger voluntários, além de ações da Polícia de Choque que montou um batalhão de urgência que no momento está atendendo a cidade de Eldorado.
Atendendo a um pedido do Palácio do Planalto, na terça-feira (7) o Ministério da Justiça e Segurança Pública enviou mais 100 agentes da Força Nacional para o RS, totalizando 220 agentes no estado.
Edição: Nicolau Soares