Protestos

Manifestantes nos EUA querem responsabilização de universidades por 'genocídio em Gaza'

Ativistas que participaram das mobilizações em Chicago e Pittsburgh falam ao Brasil de Fato sobre o movimento

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Estudantes pró-Palestina interromperam discurso de secretário da Marinha dos EUA durante cerimônia de formatura da Universidade de Michigan - Twitter / @KATNews

Na semana em que os protestos nas universidades dos Estados Unidos contra o massacre de Israel na Faixa de Gaza completam um mês, manifestantes seguem em campanha pelo boicote, desinvestimento e sanções (BDS) contra o governo israelense. Eles ainda apontam que as instituições de ensino consideradas “cúmplices do genocídio em Gaza” devem ser responsabilizadas.

 “Temos investimentos na Boeing, na Lockheed Martin e em vários outros fabricantes de produtos bélicos e outras corporações. Precisamos analisar esses investimentos e, depois, reparar o dano que esta universidade cometeu. Como vimos todas as universidades destruídas em Gaza, todas com o apoio desta universidade, ela deve ser responsabilizada pelos danos que causou”, disse ao Brasil de Fato Andrew Basta, da organização Democratas Socialistas da América (DSA) que participa do acampamento na Universidade de Chicago (UChicago), onde se formou. 

Na última semana, o acampamento do campus mantido durante 9 dias foi desmobilizado em uma ação violenta da polícia universitária. A coalizão estudantil UChicago United por Palestine, responsável pela mobilização junto à organização Students for Justice in Palestine (Estudantes pela Justiça na Palestina, em tradução livre, ou SJP) pede, além do fim dos vínculos com instituições israelenses, um cessar-fogo imediato em Gaza.

“Vimos uma intensa ação policial na semana passada, mas os alunos ainda estão comprometidos e renovaram seu compromisso com a libertação da Palestina. Todos estão prontos e reconhecem sua responsabilidade de continuar lutando pela libertação”, afirma Basta, que integra o Comitê Diretor do Comitê Internacional da DSA. 

Com atuação pela causa palestina há mais de dez anos, ativismo que permeou sua graduação na UChicago, Basta considera que as mobilizações em curso nos Estados Unidos representam um marco geracional, marcada pela união entre estudantes, professores e trabalhadores em torno das mobilizações pró-Palestina.

“Mais do que em minha época na universidade, vimos uma estratégia compartilhada e pessoas trabalhando juntas em meio a essas diferentes divisões que a universidade impõe. Estive envolvido com essa causa por quase uma década, a maior parte de minha vida adulta, e acho que esse movimento realmente mostrou que a Palestina vencerá. Tenho conversado com muitas pessoas que consideram este o momento mais importante de suas vidas. Acho que será realmente um momento de definição de gerações.”

O ativista do DSA avalia que o movimento a favor da Palestina em outras universidades pelo mundo, como na Itália e na Espanha, está enraizado no responsabilidade que as instituições de ensino têm na manutenção do apartheid israelense e da limpeza étnica. 

“Vimos na maioria das universidades, pelo menos nos Estados Unidos, investimentos profundos e armas, fabricantes e várias empresas que financiam o genocídio em andamento e, como resultado, os estudantes se levantaram para protestar contra isso porque se consideram cúmplices do genocídio.”

Brasileiro

O estudante brasileiro Samuel Ferreira participou da mobilização pró-Palestina na Universidade de Pittsburgh, onde cursa o doutorado em História, e avalia que o movimento de ocupação das universidades teve o papel de canalizar, em um primeiro momento, a sensação de impotência diante do massacre em Gaza, mas ganhou corpo com ações concretas a partir da adesão ao movimento BDS.

“A partir daí o protesto passou a ter um sentido de ação que pudesse interferir de uma maneira efetiva no genocídio contra o povo palestino, a partir da quebra de laços entre as universidades e instituições israelenses que são, de alguma forma, parte desse genocídio. É uma transformação da impotência num protesto que pretende impactar no curso dos eventos de Gaza”, disse ao Brasil de Fato

Na condição de estudante estrangeiro, Ferreira participou da mobilização com cautela devido às consequências que uma prisão poderia representar para a sua trajetória acadêmica, com uma provável deportação, mas avalia que a participação nos protestos trouxe um aprendizado de ação política mesmo diante dos riscos colocados.

“Foi um processo de aprendizagem muito grande para entender as motivações de todo mundo que estava participando e entender os riscos que estavam postos, sobretudo dos estudantes internacionais, que estavam arriscando muito ao participar do protesto.”

Ele aponta que o risco envolvido na participação dos estudantes estrangeiros foi preocupação central do movimento pró-Palestina e algumas medidas foram adotadas, como não ultrapassar limites impostos pela universidade no campus, usando prioritariamente os espaços considerados território municipal para participar da mobilização.

“Havia um certo nível de hostilidade policial que poderia fazer com que estudantes estrangeiros, mesmo que estivessem fora do território da universidade, também pudessem ser presos. Foi uma questão bastante tensa por aqui, mas que não demoveu os estudantes de apoiar o movimento.”

Ferreira avalia que o foco dos estudantes em Pittsburgh foi aumentar a pressão sobre as instituições acadêmicas e políticas dos Estados Unidos. Apesar de considerar que a decisão do presidente dos EUA, Joe Biden, de suspender o envio de armamentos a Israel, diante da iminente invasão de Rafah, pode ser resultado das mobilizações, ele não acredita em uma resposta mais contundente de seu governo.

“A pauta imediata das ocupações não está vinculada ao governo Biden, ela está vinculada às universidades. Evidentemente se há uma vitória expressiva, um número considerável de universidades que aceitam as demandas estudantis, isso cria uma situação diferente para o governo Biden. Mas, por enquanto, eu sou cético em relação a uma mudança expressiva da administração Biden.”

A avaliação de Andrew Basta em relação aos efeitos das mobilizações também é de dúvidas em relação a um posicionamento mais contundente da gestão Biden em seu apoio a Israel. 

“Não tenho certeza se esse movimento pode obter uma posição concreta do governo Biden. Ele tem se mostrado claramente obstinado diante de qualquer tipo de pressão popular. Acho que o tempo dele está se esgotando e, portanto, é de seu interesse oferecer uma posição para cumprir seus compromissos recentes em relação à invasão de Rafah.”

Edição: Rodrigo Durão Coelho