O governo da Espanha negou, nesta quinta-feira (16), a permissão de escala a um navio carregado de explosivos vindo da Índia com destino a Israel. O navio Marianne Danica, de bandeira dinamarquesa, partiu de Madras com Destino a Haifa.
O navio transporta uma carga de 26,8 toneladas de material explosivo, enviado pela empresa indiana Siddharta Logistics Co, tendo como destinatária a empresa Israel Cargo Logistics (ICL).
O gesto do primeiro-ministro socialista Pedro Sánchez, no entanto, acontece no momento em que o governo espanhol é criticado por associações palestinas por permitir a parada em Cartagena do cargueiro Borkum que, segundo essas organizações, transporta material militar para o exército israelense.
O grupo parlamentar de Sumar, apoiador minoritário do governo, apresentou esta quinta (16) à Procuradoria-Geral do Estado denúncia pedindo o bloqueio do cargueiro Borkum, e especificamente do "material militar destinado a Israel que se encontra depositado em seus armazéns ou cobertura", segundo o jornal espanhol El País.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o ativista espanhol Toni Gómez Comas, estudante de Filosofia na Universidade de Barcelona e porta-voz do acampamento pró-Palestina na universidade, aponta que a negativa do governo à escala do navio Marianne Danica só foi possível devido à pressão da opinião pública espanhola em relação à Palestina.
“Apesar de ter negado essa permissão de escala, o governo tem a intenção de deixar atracar o Borkum na manhã desta sexta no porto de Cartagena. Outro navio que, segundo a Rede Solidária Contra a Ocupação da Palestina, também leva armamento a Israel. É por isso que considero que as decisões deste governo não são tomadas por convicção, mas por um cálculo da possível perda de opinião pública.”
No início de março, quando esteve no Brasil para se encontrar com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Sánchez defendeu a criação de um Estado palestino, como solução para o atual conflito na Faixa de Gaza. Em novembro de 2023 com mais de um mês de ataques israelenses na região, o primeiro-ministro da Espanha condenou a morte de civis palestinos por parte do exército de Israel, posição endossada pelo primeiro-ministro da Bélgica, Alexander de Croo . Em resposta, o governo israelense do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu convocou os embaixadores de ambos os países.
Apesar do discurso público em defesa da Palestina por parte do governo, os protestos de estudantes que têm crescido em diversas cidades na Espanha cobram posições concretas contra o governo israelense. Os acampamentos pró-Palestina exigem o rompimento de relações diplomáticas com Israel, o reconhecimento do apartheid israelense como causa estrutural do conflito na Palestina e a aplicação de sanções ao Estado de Israel, “enquanto manter o seu regime opressivo de apartheid e genocídio”, explica Comas.
“As nossas ações a partir de agora serão marcadas por estes objetivos e, para alcançá-los, estamos trabalhando em cooperação cada vez maior com outros acampamentos dentro e fora de Espanha, bem como com outros setores da sociedade civil. Acreditamos que nosso movimento não pode ser apenas estudantil e que devemos conseguir o apoio da classe trabalhadora. Por isso temos conversado com sindicatos, na esperança de estabelecer uma frente de ação comum que possa pressionar o governo e as empresas a tomar medidas.”
Confira a entrevista completa:
Brasil de Fato: Como você avalia a decisão do governo espanhol de recusar a escala de um navio carregado de explosivos com destino a Israel? Acredita que seja consequência dos protestos?
Toni Gómez Comas: É evidente que a recusa em permitir que o Marianne Danica faça escala na Espanha foi possível graças à mobilização da opinião pública espanhola sobre a Palestina. Por outro lado, acho importante ressaltar que, embora esse porto de escala tenha sido recusado, o governo espanhol pretende deixar o Borkum atracar sexta de manhã no porto de Cartagena, outro navio que, de acordo com a Rede de Solidariedade Contra a Ocupação da Palestina, também está transportando armas para Israel. É por isso que não acho que as decisões do governo estejam sendo tomadas por convicção, mas por um cálculo da possível perda da opinião pública.
Quais são as principais demandas dos protestos na Espanha e quais são os próximos passos da mobilização?
Os acampamentos espanhóis exigem o rompimento das relações com Israel e o apoio à Palestina em vários níveis. Por um lado, exigimos de nossas universidades a suspensão de todos os acordos com empresas e instituições acadêmicas israelenses cúmplices do genocídio cometido por Israel na Palestina, e também o reconhecimento da natureza genocida do relacionamento de Israel com a população palestina, não desde 7 de outubro, mas desde 1948.
Por outro lado, nossas exigências ao governo central - e aos governos autônomos - consistem no rompimento das relações diplomáticas com Israel, no reconhecimento do apartheid israelense como a causa estrutural do conflito na Palestina e na aplicação de sanções contra o Estado de Israel enquanto ele mantiver seu regime opressivo de apartheid e genocídio.
Nossas ações de agora em diante serão marcadas por esses objetivos e, para alcançá-los, estamos trabalhando em cooperação crescente com outros acampamentos na Espanha e no exterior, bem como com outros setores da sociedade civil. Acreditamos que nosso movimento não pode ser apenas um movimento estudantil e que precisamos conquistar o apoio da maioria social, que é a classe trabalhadora. É por isso que iniciamos conversas com sindicatos, na esperança de estabelecer uma frente comum de ação que possa pressionar o governo e as empresas a agirem
Como você avalia o crescimento do movimento pró-palestino nas universidades em todo o mundo?
O crescimento do movimento pela Palestina em todo o mundo é extremamente empolgante. Em um contexto de extrema urgência, milhares de estudantes em todo o mundo estão se organizando para lutar contra o imperialismo e o genocídio do povo palestino pelo Estado colonial de Israel em uma multiplicidade de contextos diferentes, com demandas e estratégias semelhantes.
Acredito que é essa profundidade internacional e de massa do movimento que nos dá a maior parte de nossa força e é um dos principais motivos para acreditar que as mudanças que exigimos podem ser realizadas, porque temos a determinação de pressionar por elas juntos. Por outro lado, nem eu nem meus companheiros nos esquecemos da magnitude da tarefa que temos pela frente, mas sabemos que cabe a nós realizá-la e forçar nossas instituições a se desligarem de Israel e apoiarem a causa legítima da autodeterminação palestina.
Nossos colegas nos EUA estão exercendo imensa pressão para que o governo Biden mude radicalmente sua posição. Não sei se haverá uma mudança na política externa de Biden, mas o que sei é que, se não houver, os jovens americanos não vão se esquecer disso nas eleições deste ano.
Como foi a sua experiência pessoal nos protestos da Espanha?
No meu caso, sempre me senti bem-vindo no acampamento e no movimento em geral. Eu não fazia parte do grupo que organizou o acampamento, mas fiquei sabendo por meio de redes que ele seria realizado e fui no primeiro dia para ver como poderia ajudar. Desde aquele primeiro dia, houve uma aceleração drástica do movimento pela Palestina no movimento estudantil espanhol.
O nosso foi um dos primeiros acampamentos, e agora eles estão nos maiores campi do país e em cerca de 20% das universidades públicas espanholas. Além disso, ontem [quarta-feira (15)] organizamos uma manifestação em Barcelona que contou com a presença de milhares de pessoas. O contexto geral me parece muito animador.
Qual tem sido a resposta das autoridades aos protestos na Espanha?
Felizmente, aqui na Espanha ainda não houve nenhum caso de suspensão ou prisão, embora muitos tenham sido identificados pela polícia e estejam aguardando uma possível multa. Por outro lado, embora nosso movimento seja não violento, isso não impediu que a polícia usasse força excessiva e tentasse provocar em nós ações de autodefesa que pudessem ser penalizadas.
Embora ainda não tenham conseguido, a repressão policial a atos pacíficos, como o que ocorreu ontem na sede da Acció, é uma evidência inegável dessa ação por parte da polícia autônoma e nacional.
Como tem sido a relação entre alunos, professores e funcionários da universidade em relação à mobilização pró-palestina?
Nosso relacionamento com os funcionários da universidade em geral é e tem sido muito bom. Muitos professores e funcionários não docentes vieram ao acampamento para mostrar seu apoio, e foi em grande parte graças a seus votos que a moção que apresentamos no Senado da Universidade de Barcelona para cortar relações com empresas cúmplices do genocídio foi aprovada.
Edição: Rodrigo Durão Coelho