Estudos em andamento, que estão sendo realizados por pesquisadores da Universidade de Brasília no campus de Planaltina, apontam a presença de alto nível de mercúrio no solo e na vegetação em toda a área de borda da Estação Ecológica de Águas Emendadas (Esec-AE) e até 2 quilômetros dentro da unidade de conservação.
Apesar de o nível de contaminação na área de tratamento de água estar ainda em níveis aceitáveis, grande parte do solo da região está severamente comprometido. O estudo revela que houve um aumento de 250% da presença de mercúrio no solo que cerca a Estação.
De acordo com a pesquisa, a causa do problema se deve à queima de combustível fóssil (gasolina e diesel) e intensa atividade de automóveis nas rodovias da região.
O mercúrio, além de ser altamente tóxico, cancerígeno e causador de danos neurológicos, apresenta duas características que agravam a situação. A primeira é o fator de bioacumulação, ou seja, uma vez ingerido, o elemento não sai do corpo humano, só acumula. A segunda é a biomagnificação, o que significa um aumento progressivo do nível de concentração em organismos vivos.
Por sua periculosidade que afeta água, ar, solo, plantas, animais e seres humanos, o elemento foi considerado pela Convenção de Minamata do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente como um "poluente global de controle primário". O elemento pode inclusive estar na forma de vapor, se disseminar pelo ar e afetar a respiração. O relatório da convenção recomenda fortemente a produção de inventários de emissões antrópicas e mobilização para os ecossistemas aquáticos e terrestres e o monitoramento das concentrações de mercúrio em regiões geograficamente representativas.
A área mais afetada pelo mercúrio é a BR-020, exatamente onde está localizada a Estação de Captação de Água da Caesb no córrego do Fumal, que leva água para a Estação de Tratamento de Água (ETA) de Pipiripau. Esse setor é responsável pelo abastecimento de toda a cidade de Planaltina do DF e parte de Sobradinho, fornecendo recurso hídrico para cerca de 200 mil pessoas.
"Precisamos urgentemente chamar a atenção dos dirigentes públicos em todos os níveis, das cidades, municípios, estados e do governo federal. O que está acontecendo no nosso país, e no caso específico da região de Águas Emendadas, é assustador. É urgente que o governador Ibaneis tome uma decisão imediata na proteção e recuperação dessa área. Uma parte já está perdida, talvez não se recupere mais. Mas nós precisamos fazer alguma coisa para salvar Águas Emendadas", alerta Rosângela Corrêa, pós-doutora em Ecologia Humana e diretora geral do Museu do Cerrado.
Corrêa alerta que a Estação Fumal fica perigosamente próxima à rodovia BR-020, área com alto índice de contaminação. "Ou seja, mesmo que o índice de mercúrio na Estação Fumal esteja dentro dos limites de referência (o que ainda precisa ser esclarecido), ainda assim pode ser potencialmente danoso à vida dos seres humanos e à biodiversidade", explica.
Ameaças
De acordo com o pesquisador Lucas Monteiro, doutorando em Geoestatística da UnB, a estação ecológica de Águas Emendadas, tornou-se um tipo de ilha que, apesar de muito bem preservada, é bastante vulnerável por sua proximidade com os riscos externos correntes nas rodovias locais.
"Não não adianta deixar tudo preservado dentro da estação se o entorno está gravemente comprometido por atividades antrópicas. Podemos comparar desde 1985 uma grande mudança no uso e ocupação em torno da Esec-AE. Houve ao redor um crescimento das áreas urbanas e expansão de setores que foram completamente convertidos para monocultura das lavouras de soja", observa.
O período histórico presente é marcado pelo alto índice de emissão de mercúrio, que pode se dar por fontes naturais como erupções vulcânicas, desgastes de rocha e, particularmente desde a Revolução Industrial, pelas emissões industriais de queima de carvão e mineração de ouro.
Na escala local, Lucas ressalta que "por aqui, as principais fontes de emissão são os incêndios florestais, o desmatamento e a queima de combustíveis fósseis como gasolina e diesel. Seja na forma líquida ou na forma de vapor, o mercúrio pode ser facilmente disseminado no ar, na água e no solo. Acaba sendo transferido para invertebrados, como insetos, formigas, aranhas e besouros que servem de alimento para animais como aves, anfíbios, répteis e pequenos mamíferos. Também se dissemina para plantas, peixes e seres humanos".
Devastação ambiental
O processo de devastação ambiental em voga na região é um fator preocupante nessa situação. Lucas afirma que isso "pode influenciar o ciclo biogeoquímico do mercúrio. Temos aqui uma grande perda de habitat, já perdemos cerca de 50% das áreas naturais do cerrado, isso são mais de 99 milhões de hectares. E outro ponto importante são as áreas queimadas. Somente nos anos de 2020 a 2023 foram mais de 2 milhões de hectares no bioma Cerrado".
A resolução 420/2009 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) define como limite de prevenção a quantidade de 0,5 miligramas de mercúrio por cada quilo de solo.
Apesar da concentração do elementar estar dentro da meta aceitável na área da Esec-AE, nas rodovias próximas encontra-se uma quantidade cerca 40 vezes superior ao limite de prevenção. "Comparando com estudos internacionais que incluem países como China, Nova Zelândia, Canadá, Paquistão, Grécia e Japão, o Brasil fica atrás somente do Paquistão. O Brasil fica numa situação de contaminação maior do que o permitido na legislação nacional e também na média global", declara Monteiro.
O coordenador da entidade Guardiões das Águas Emendadas (GAE) e morador do Núcleo Rural Bonsucesso, Marcelo Benini, acrescenta também que esses fatores de risco são ameaças crescentes devido aos "projetos do GDF como o asfaltamento da rodovia DF-131 e o alargamento de faixas da DF-128, que tendem a aumentar o fluxo de veículos e o nível de contaminação. São ameaças às áreas rurais e ao município de Planaltina, em Goiás. Cerca de 109 mil pessoas têm sua fonte de captação de água a apenas 50m da rodovia DF-128".
Ele também explica que já solicitou informações do GDF e questionou sobre qual a capacidade da rede de tratamento de água no DF em analisar o problema e tomar soluções de acordo com as indicações da pesquisa realizada pela UnB. Segundo Benini, "na resposta, a Caesb não deu nenhuma explicação, nem uma palavras sequer. Se limitou a anexar um relatório de uma empresa privada. Esse relatório apenas aponta que o índice de mercúrio está dentro do limite de 0,0002 mg/l estabelecido pela Resolução Conama 357 para águas de classe 2".
Classe 2 se refere a águas destinadas ao abastecimento doméstico após tratamento convencional, à proteção das comunidades aquáticas, à recreação de contato primário, irrigação de hortaliças e frutíferas e à criação natural e/ou intensiva de espécies destinadas à alimentação humana.
Benini critica o parâmetro utilizado. "Como assim a Caesb usa como parâmetro o índice de classe 2 para uma água que nasce dentro de uma Unidade de Conservação de proteção integral e é captada lá mesmo? A água de Águas Emendadas deveria ser uma água de 'classe especial', de maior nível de pureza. Classificar a água da Esec-AE como classe 2 é flexibilizar o nível de contaminação dessas águas e vai contra a resolução da Conama."
Estação Ecológica
A Estação está localizada no coração do Cerrado brasileiro, Mais precisamente a 50 quilômetros da capital federal e a 5 quilômetros de Planaltina. Sob a tutela do Instituto Brasília Ambiental (Ibram), a área de 10.547 hectares se destaca como um oásis de preservação ambiental, pesquisa científica e educação conservacionista.
Criada em 1968, a Estação ostenta um título de relevância internacional. Em 1992, foi reconhecida pela Unesco como área nuclear da Reserva da Biosfera do Cerrado. Mais do que um mero rótulo, essa distinção reforça o valor inestimável do local para a biodiversidade e o equilíbrio ambiental do planeta.
Com visitação controlada, a Estação abre suas portas para visitantes que desejam mergulhar na riqueza natural do Cerrado, dispõe de trilhas ecológicas com guias para paisagens exuberantes de fauna e flora.
Possíveis soluções
Visando possíveis soluções para o problema, Marcelo Benini acredita que "é preciso interromper imediatamente os projetos de alargamento de faixas/duplicação da DF-128 e o viaduto que vai ligar a BR-020 à DF-128. Essas obras irão agravar ainda mais o risco de contaminação dos mananciais".
Lucas Monteiro aponta que outras medidas seriam a implementação de barreiras vegetais e gesso agrícola, que possui grande aderência ao mercúrio e que poderia contar o elemento, evitando a passagem para a água.
Questionado pelo Brasil de Fato sobre as evidências da pesquisa, o GDF informou que "a qualidade da água produzida a partir desse sistema é monitorada, rigorosamente, pela Caesb e atende a todos os padrões de potabilidade exigidos para o abastecimento da população. O Ibram tem conhecimento do estudo realizado pela UnB e informa que as pesquisas apresentam níveis que não são considerados alarmantes, contudo, demonstram uma contribuição importante de poluentes provenientes de emissões veiculares na ESEC-AE e uma capacidade das bordas da unidade de reter esse poluente de forma a reduzir consideravelmente sua concentração no interior".
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Fonte: BdF Distrito Federal
Edição: Márcia Silva