Enchentes

Com 70% dos territórios indígenas atingidos no RS, coordenadora de Saúde teme crise humanitária

Kerexu Yxapyry, responsável pelo distrito sanitário Interior Sul, relata preocupação com retorno às aldeias

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Jagtyg, uma das lideranças da aldeia Aldeia Fág Nhin Kaingang, apresenta situação da comunidade após temporais - Carlos Messalla

Levantamento feito pela Fundação Nacional do Povos Indígenas (Funai) e pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI) revela que 70% dos territórios destinados à essa população do Rio Grande do Sul foram afetados pelos temporais. São cerca de 30 mil indígenas atingidos pelas cheias extremas.

A coordenadora do Distrito Sanitário Especial Indígena Interior Sul (DSEI/ISUL), Kerexu Yxapyry, informa que as comunidades tiveram que se retirar por completo de suas localidades. “Muitas aldeias foram atingidas. Na verdade, todas as aldeias foram atingidas. Até as que não tiveram os rios chegando, molharam, perderam roças. Muitos perderam suas casas e não vão ter para onde retornar. A gente está muito preocupado”, relata.

O líder indígena Jonas Jagtyg da Silva mora na aldeia Fág Nhin Kaingang, localizada na Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre. “A chuva atingiu a aldeia. Não fomos alagados, mas ainda tem água (da chuva) aqui. Chegou a faltar energia por pouco tempo, mas faltou principalmente água potável, então fomos atingidos”, comenta o morador. Segundo Jagtyg, no local moram cerca de 80 famílias, pouco mais de 400 pessoas, entre adultos e crianças. Além dos animais criados, como cachorros e gatos.

Jagtyg reforça que os moradores de Fág Nhin Kaingang têm sobrevivido por meio de doações recebidas, e que a ajuda ainda é necessária. “As doações são mistas. Vem um pouco de roupa quente [para o calor], camisetas, calças. A aldeia toda agradece pelos mantimentos que o pessoal tem trazido. Eles [mantimentos] são muito importantes para nós. A aldeia inteira agradece a ajuda. Mas ainda precisamos de calçados, cobertores, roupas de inverno. Está muito frio, né? Esses são essenciais: cobertor, água, alimento, calçados, roupa de inverno”, complementa.
 


Jagtyg, uma das lideranças da aldeia Aldeia Fág Nhin Kaingang, reforça necessidade de itens a serem doados à comunidade / Carlos Messalla

Assistência

No último dia 13, o MPI definiu um plano de ações de apoio para essas famílias. Entre as medidas, estão a distribuição quinzenal de cestas básicas e a doação de água potável, agasalhos e kits de higiene feminina.

O ministério também informou que vai elaborar um plano de trabalho de apoio emergencial para ações de reconstrução de casas, estradas, saneamento básico, recuperação de áreas de plantio, entre outras. As primeiras 500 cestas básicas começaram a ser entregues no dia 14 de maio. O Ministério da Saúde também vai destinar R$ 21,4 milhões para ajudar nesta etapa emergencial.

A coordenadora da DSEI/ISUL relata que, além da entrega de doações, são feitos atendimentos médicos pela Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, como parte das ações emergenciais. “Nós temos uma preocupação com a saúde dessa população, principalmente no retorno para esses territórios, quando as águas baixarem. A gente teme uma crise humanitária”, apontou Kerexu. Para fortalecer essas medidas de assistência e recuperação das comunidades, o secretário de Saúde Indígena, Weibe Tapeba, deverá visitar aldeias da Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre.

Demandas

Em relação às comunidades visitadas, Kerexu diz que as demandas são muitas. Na Aldeia Fág Nhin Kaingang, há necessidade de contratação de mais uma equipe médica e mais agentes de saúde. Já na aldeia Anhetengua Guarani, foi solicitado pela comunidade a presença de profissionais de limpeza, que devem ser contemplados no aditivo de contratações, conforme informou a coordenadora.

Kerexu disse também que o secretário Weibe Tapeba solicitou ao Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) que faça o pedido de aditivo no contrato de profissionais da Saúde, usando o valor do orçamento extraordinário que já está disponível para ser executado, mas que aguarda ajustes nos trâmites com a empresa conveniada. 


Coordenadora do Distrito Sanitário Especial Indígena Interior Sul, Kerexu Yxapyry visita aldeias após temporais / Carlos Messalla

Esse aditivo servirá para a contratação de pessoal para diferentes regiões do Rio Grande do Sul. “Nessa primeira etapa emergencial, o orçamento extraordinário de R$ 21,4 milhões irá atender essas demandas de aquisição de veículos e recrutamento nas áreas da saúde, de manutenção, de limpeza e para questões de estrutura geral”, completa.

Kerexu conta ainda que está previsto pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, um novo orçamento extraordinário. “Prevemos reformas e construções das Unidades Básicas de Saúde Indígena (UBSI), reformas no abastecimento de água e melhorias na parte do saneamento básico das aldeias do RS", projeta a coordenadora da região Sul.

Impactos na renda

O artesanato é uma das principais fontes de renda dessas comunidades. Outra realidade vivenciada por elas em decorrência das chuvas é a perda dos espaços de trabalho. Com os pontos do centro de Porto Alegre ainda inundados pelas águas das chuvas, muitas dessas pessoas estão impedidas de vender as artes produzidas nas aldeias. 

“Já era difícil antes, mas agora, com toda a situação que está acontecendo na cidade, estamos há cerca de 20 dias sem poder vender nosso artesanato. Não temos onde vender. Perdemos nossos espaços. Estamos só na aldeia, praticamente isolados”, relata Jagtyg, da Aldeia de Fág Nhin Kaingang. Ele conta que costumava trabalhar no Parque da Redenção e na Praça da Alfândega, em frente à Rua da Praia. “Esses locais ainda estão interditados. As pessoas não circulam por lá. Estão fazendo muita falta para nós, esses lugares que a gente vendia”, acrescenta. 

Diante dos sinais evidentes da crise climática, o líder indígena cobra medidas coletivas para mitigar os efeitos dessas mudanças. “A gente precisa cuidar do meio ambiente para que ele também nos cuide. Vamos tentar preservar tudo o que tem aqui, na natureza, para que depois a gente não sofra com isso. Vamos cuidar da água, das matas. É fundamental. Vamos cuidar dessa parte para não sermos mais pegos de surpresa.”

Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Katia Marko