Apesar da narrativa ocidental apontar que o aumento da militarização na Ásia é responsabilidade da Coreia do Norte e da China, pesquisadores do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social identificam outro autor para a instabilidade na região: os Estados Unidos.
Intitulado “A nova guerra fria causa tremores no nordeste da Ásia”, o novo dossiê, escrito pelo diretor do International Strategy Center (ISC) Dae-Han Song e publicado nesta terça-feira (21/05), busca mostrar que os Estados Unidos ignoraram as “relações desgastadas” entre Japão e a Coreia do Sul pelo colonialismo de Tóquio e tenta, assim, criar um bloco militar regional.
“Embora a Coreia do Norte tenha sido frequentemente apontada como a razão para o aumento da militarização, isso sempre foi uma desculpa para as estratégias de contenção dos EUA – primeiro contra a União Soviética e hoje contra a China”, afirmam os pesquisadores no documento produzido em colaboração com o ISC em Seul, na Coreia do Sul.
Exemplo dessa aliança foi a realização de uma cúpula em 18 de agosto de 2023 entre os três países em Maryland, nos Estados Unidos, na qual um acordo de cooperação de segurança foi anunciado com o objetivo de conter a ascensão chinesa, segundo justificou a própria Casa Branca.
Dae-Han Song avalia que outros esforços de Washington não haviam sido capazes de ignorar os conflitos históricos entre Tóquio e Seul, mas dessa vez o presidente sul-coreano Yoon Suk Yeol isentou o Japão de pagar reparações por seus crimes coloniais e de guerra para que o acordo pudesse ser firmado.
Como resultado, o Japão acelerou o rearmamento de seu país e firmou o objetivo de dobrar seus gastos militares até 2027, desestabilizando a paz na região e evidenciando que a Guerra Fria e as alianças bilaterais da época nunca acabaram.
O dossiê ainda analisa que enquanto os países no Nordeste asiático lutam pela paz, sobrevivência ecológica e bem-estar de suas populações, os Estados Unidos seguem influenciando o armamento.
Uma Otan na Ásia
Observando a China como seu principal concorrente para a dominância global, os Estados Unidos se esforçam para estar presentes na região, assim o dossiê classifica que “a parceria militar trilateral dos EUA com o Japão e a Coreia do Sul [denominada JAKUS] está se aproximando de um nível de compromisso semelhante ao da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan)”.
Apesar do conselheiro de segurança nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan, afirmar enfaticamente que a JAKUS não é uma “Otan para o Pacífico”, os pesquisadores ressaltam que a integração baseia-se em valores comuns para impedir o avanço chinês.
E ao identificar a China como uma ameaça e se comprometer “com a defesa antimísseis e exercícios trilaterais anuais”, a relação de segurança entre os países possui “elementos importantes de uma aliança militar que poderia arrastar a Coreia do Sul e o Japão para um conflito entre os EUA e a China, especialmente em torno de Taiwan”.
O bicho papão da Coreia do Norte e a defesa de Taiwan
O dossiê do Instituto Tricontinental não deixa de mencionar as duas grandes justificativas ocidentais para incentivar a militarização no Nordeste asiático: conter uma suposta ameaça norte-coreana e defender Taiwan, ilha autodeclarada independente que a China reconhece como território próprio.
No entanto, “a paz com a Coreia do Norte sempre foi secundária em relação às estratégias mais amplas de contenção dos EUA voltadas para a União Soviética e a China”, especificam os pesquisadores.
O mesmo acontece com Taiwan, segundo os acadêmicos: “diante de uma China muito mais capaz, os Estados Unidos pressionaram Taiwan a adotar uma ‘estratégia do porco-espinho’, aumentando as vendas de armas para a ilha a fim de dar a ela a capacidade de infligir danos suficientes contra a China continental para evitar que Pequim consiga obter a reunificação por meios forçados. A estratégia depende da disposição de infligir pesadas baixas e danos contra a China continental e aceitar níveis ainda maiores de destruição para Taiwan”.
Assim, levando em consideração o histórico e constante desrespeito dos Estados Unidos à soberania de cada país, exemplificado pelo apoio ao genocídio praticado por Israel contra os palestinos na Faixa de Gaza, o documento conclui que o país não busca defender os direitos humanos, justiça ou liberdade, mas sim “um mundo dominado pelos EUA e sustentado por uma rede global de mais de 900 bases militares norte-americanas”.
Por fim, a pesquisa ainda sugere que “movimentos pela paz na região devem se unir” para conter uma possível guerra no Nordeste asiático, sendo o fim da JAKUS, os exercícios de guerra e intervenções dos EUA e apoio às lutas pela paz essenciais para tal.