Após a morte do senegalês Serigne Mourtalla Mbaye, que caiu do 6º andar do edifício em que morava no centro de São Paulo durante ação da Política Militar, a comunidade africana se mobiliza para exigir justiça pelo imigrante. Lideranças ouvidas pelo Brasil de Fato denunciam que o racismo e a xenofobia sofrido pelos estrangeiros são práticas recorrentes na maior cidade do país e reiteram que a morte de Talla não é um caso isolado.
O imigrante morreu há 1 mês, na noite de 23 de abril, após a PM entrar sem mandado no Edifício Japurá, na Rua Guaianases, e subir até o apartamento 609, onde estava Talla, para apurar um suposto comércio ilegal de celulares.
Na versão dos policiais, após entrarem no apartamento, Talla teria tentado fugir acessando o andar inferior do prédio, se desequilibrado e caído. Morador do Brasil há quase três anos, ele deixou duas crianças. Uma delas, fez aniversário no dia de sua morte.
Imigrantes africanos contestam a versão da PM e cobram justiça pela morte do senegalês. Convocado pela comunidade africana, um ato realizado um dia após a morte de Talla reuniu centenas de pessoas, exigindo uma apuração rigorosa sobre as circunstâncias da morte.
A investigação, no entanto, está a passos lentos, e o acesso público às câmeras corporais dos policiais envolvidos ainda não foi disponibilizado pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP).
"O grande problema é que não é um caso contra os africanos, ou seja, contra estrangeiros, são casos contra pretos, que são assassinatos minuto por minuto no Brasil. Vejamos bem, a polícia nunca iria invadir casa de um imigrante japonês, de um imigrante dinamarquês, de um imigrante americano, branco. Nunca, nunca, nunca. Então, esse é um caso contra o povo preto principalmente. Aqui, eu vou fazer 16 anos. Já cansei de presenciar assassinato de imigrantes e pretos. E nunca a justiça é feita", comenta o guineense Braima Mane.
Violência contra imigrantes africanos
O brutal assassinato do congolês Moise Kabagambe em janeiro de 2022 em um quiosque de uma praia da zona oeste do Rio de Janeiro expôs o racismo sofrido pelos imigrantes africanos no Brasil. Moise foi espancado até a morte após reivindicar o pagamento atrasado ao gerente do estabelecimento.
Em outubro do mesmo ano, o gambiano Bubbacarr Dukureh foi morto pelas costas por um policial militar no bairro nobre de Jardins, em São Paulo. Na mochila, levava dois currículos e uma faca comprada a pedido da esposa, que é auxiliar de cozinha. Os dois policiais envolvidos na ação relataram que o imigrante teria resistido à abordagem.
"Ele não parou, então não dá nem para entender se ele ouviu o chamado da polícia. Mas é como a gente fala, a policia tem força suficiente para imobilizar, para atirar em um lugar que não vai tirar a vida", opina a atriz e ativista Mariama Bah, que nasceu em Gâmbia e cuja família se encontra na região de Casamance, no sul do Senegal.
"Eu sou ser humano. Eu acho, como mãe, que todo ser humano merece a vida, independente de ser negro ou branco. As mortes de pessoas negras já estão incomodando bastante, porque a abordagem já é muito desumana. A gente é constantemente tratado como cor de ameaça e como bandidos, independente do que fazemos. Somos artistas, eu sou atriz de cinema, mas o nosso lugar é de servidão. A gente, a nossa humanidade é questionada o tempo todo e isso é muito indignante", completa.
No total, segundo os dados oficiais, cerca de 35 mil imigrantes africanos vivem no Brasil. O país também abriga mais de 150 mil imigrantes haitianos que, assim como os africanos, estão submetidos ao racismo e a relações de trabalho desiguais.
"Eu tenho orgulho dessa pele que eu tenho. Nós somos praticamente esquecidos, sendo que os africanos, segundo a história do Brasil, os africanos fazem parte da construção desse lindo país que é o Brasil. Estão querendo apagar a história? Não podem", coloca afirma a atriz congolesa Prudence Kalambay.
"Os meus ancestrais chegaram aqui como escravos para poder construir esse país. E se estamos lutando hoje, é porque teve antes pessoas que lutaram pela independência, que lutaram pelo fim de escravidão. Nós estamos lutando também pela mudança. Nós vivemos hoje uma escravidão modernizada. A gente não pode falar, a gente não pode reclamar. A gente só tem sido mortos como um cachorro, com um bicho", finaliza.
Edição: Matheus Alves de Almeida