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'Mulheres negras se reconhecem, mesmo não se conhecendo': diretora de 'Diaspóricas' conta inspiração para série

Disponível na internet, segunda temporada retrata trabalho artístico de quatro musicistas do Goiás e combate ao racismo

Ouça o áudio:

MC Rapper Inà Avessa, cantora Flávia Carolina, clarinetista Kesyde Sheilla e a cavaquinista Maximira Luciano protagonizam a série - Foto: Mayara Varalho

Neste ano, a série Diaspóricas ganhou segunda temporada, com previsão de lançamento em formato de longa metragem. Idealizadora e diretora do projeto, Ana Clara Gomes, jornalista e pesquisadora goiana, tem também ideias para uma terceira edição.

"A gente olha o lado contrário à violência, que é o lado da transgressão, que é o lado de superação. E é isso que as mulheres negras do hoje, que vivem no Brasil em diáspora, fazem, superam o racismo", relata a diretora ao programa Bem Viver desta quinta-feira (23).

Disponível de graça na internet, em formato de episódios de curta-metragem, a segunda temporada é constituída por cinco capítulos. Nos primeiros quatro, são relatadas as histórias da MC Rapper Inà Avessa, a cantora e compositora Flávia Carolina, a clarinetista Kesyde Sheilla e a cavaquinista e percussionista Maximira Luciano.

"No quinto episódio a gente faz um desafio que é juntar essas mulheres num encontro musical inusitado, não combinado, para que elas possam interagir, trocar, compor juntas e fazer um som juntas. Tem um lado meio experimental na série nesse quinto episódio", conta.

O cenário é outro personagem da série. Todas as artistas vivem e desenvolvem sua arte em Goiânia e tem uma relação com o bioma local, o Cerrado. 

"A gente tem um mito, entrando no mundo da arte, da música, de que todo o Centro-Oeste, a região de Goiás é culturalmente só habitada pelo sertanejo, pensando em termos de indústria cultural. Mas não, né? A gente tem uma efervescência cultural, desde as manifestações da cultura popular", afirma

Os próximos passos da série é uma adaptação para o formato de longa, assim como aconteceu na primeira temporada que circulou em festivais internacionais. Há pretensões de que seja produzida uma terceira temporada.

"Quem sabe mais para frente. A gente está procurando incentivos, porque a cultura no Brasil se faz com política pública, principalmente para pessoas negras, periféricas, mulheres. Já estamos pensando, mil ideias na cabeça para colocar no papel e para realizar a terceira temporada de Diaspóricas."

Confira a entrevista na íntegra:

Brasil de Fato: Como você explica o conceito de diáspora dentro do contexto brasileiro?

Ana Clara Gomes: O nome da série vem realmente da diáspora africana. A gente retoma esse processo histórico de formação da sociedade brasileira, pensando nas mulheres do hoje, nas mulheres negras que estão vivendo na diáspora hoje aqui no Brasil. 

O nome de Diaspóricas remete a essas mulheres que no hoje empenham mudanças, empenham ações de transgressão para superar ou para sobreviver ao racismo, ao sexismo. 

A gente pensa a diáspora numa perspectiva para além da violência, que é esse lugar onde a sociedade costuma colocar a pessoa negra, sempre em lugar relacionado ao que é violento. 

Então a gente olha o lado contrário à violência, que é o lado da transgressão, que é o lado de superação. E é isso que as mulheres negras do hoje, que vivem no Brasil em diáspora fazem, superam o racismo.

Porque a gente vive um racismo estrutural, um sexismo estrutural também, e qualquer mulher negra por mais status, por mais condição financeira que tenha, ela ainda está imersa nesse sistema estrutural.

É evidente como a série tem objetivo de enaltecer a cultura negra brasileira e fugir dos estereótipos sempre associados à violência em muitas produções audiovisuais nacionais. Foi uma decisão que veio desde o início? 

Quando a gente fala de negritude no Brasil, sobretudo quando a gente remete às narrativas midiáticas convencionais, no geral, a gente tem sempre os lugares relegados à população negra.

Então, o homem negro, por exemplo, é sempre relacionado a lugares de banditismo na mídia convencional, seja no jornalismo mesmo, onde a reportagem sempre fala do suspeito, do bandido, na linguagem policial, meliante.

E as mulheres nesse lugar de subalternização da empregada doméstica, da babá. Não que esses não sejam lugares muito importantes para a nossa sociedade, porque a gente se construiu a partir dessas mulheres cuidadoras, mas existe muito além disso.

As mulheres negras estão ocupando espaços de poder e a gente, às vezes, deixa isso de lado e acredita que essas pessoas não podem fazer o futuro.

A série vem muito nesse sentido de transgredir essas narrativas de violência, para falar de um futuro, para falar que é possível, para falar que a gente pode estar onde a gente quiser e que cada vez mais a gente vai estar no espaço de poder.

Conta um pouquinho como que foi a decisão de escolher Goiânia como cidade base do filme.

A minha pesquisa toda, enquanto jornalista, enquanto documentarista, é feita em Goiânia porque eu moro em Goiânia.

Para além disso, a gente tem um mito, entrando no mundo da arte, da música, de que todo o Centro-Oeste, o estado de Goiás, a cidade de Goiânia, é culturalmente só habitada pelo sertanejo, pensando em termos de indústria cultural. 

Mas não, né? A gente tem uma efervescência cultural, desde as manifestações da cultura popular.

A gente tem trabalhadoras da cultura, da arte, envolvidas com coco, com maracatu, com samba, folia, congada, até jongo. Enfim, a gente tem muitas manifestações, e isso fica um pouco invisibilizado quando se fala de narrativa midiática novamente.

Diaspóricas surge nesse sentido de enaltecer a música preta brasileira feita em Goiás, que tem essa imagem, principalmente, na região Sudeste, nesse eixo Rio São Paulo, que às vezes nem conhece o que existe nos outros estados. 

Às vezes, a gente fica fechado na caixinha da negritude dentro do Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador.

E como surgiu a ideia?

Diaspóricas surge muito da ideia que mulheres negras se reconhecem, mesmo não se conhecendo. E elas se reconhecem na arte. Então essas mulheres que fazem música, mesmo às vezes não tendo tido contato uma com a outra, nunca tendo feito um som juntas, elas conseguem se entender, conseguem entrar na mesma vibe, enfim, conseguem transgredir as violências por meio da música. 

A ideia é sempre trazer as histórias dessas mulheres, as histórias de transgressão de cada uma, contar dificuldades, tudo que elas passam como mulheres, mulheres negras e como musicistas.

A gente tem cinco episódios em cada temporada. Os quatro primeiros episódios são protagonizados cada um por um dessas mulheres, e no quinto episódio a gente faz um desafio que é juntar essas mulheres num encontro musical inusitado, não combinado, para que elas possam interagir, trocar, compor juntas e fazer um som juntas. 

Tem um lado meio experimental na série nesse quinto episódio.

Além das meninas protagonistas da série, a equipe de produção que faz Diaspóricas é majoritariamente composta por mulheres negras. A gente tem uma equipe de mais ou menos 20 pessoas em que 18 pessoas são mulheres negras, trabalhadores do cinema. 

É uma tentativa mesmo de comprovar essa tese nossa, de que a gente se entende pelo que a gente divide, de experiência comum do dia a dia. E isso é aprovado por meio da música, nesse caso. 

E quais são as possibilidades por uma nova temporada da série de Diaspóricas?

A gente tem uma estratégia que vem desde a primeira temporada: a gente faz a série, divulga na internet, deixa aberta para o público periférico, para as pessoas negras que às vezes não têm acesso aos festivais de cinema, por exemplo, poder assistir. 

Depois que a gente lança a série, a gente começa a circular pela TV e também lança um longa metragem. Essa é uma tradição que vem desde a primeira temporada. 

Então a gente lançou a primeira temporada em 2022, circulou aqui pelo estado, depois a gente lançou longa, que circulou para os festivais nacionais e internacionais, foi premiado nos Estado Unidos.

E agora, terminando a segunda temporada, a gente está no processo de produção do longa metragem, da segunda temporada.

Esse filme já vai tem data de estreia, marcada para junho, em um festival de cinema e vídeo ambiental daqui de Goiás, um festival internacional super conhecido, que chama FICA, Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental. 

Nós vamos estrear lá, depois, novamente, vamos para as TVs nacionais e locais. E depois, o objetivo é circular nos festivais internacionais e nacionais também. 

E aí, quem sabe, mais para frente, a gente está procurando incentivos, porque a cultura no Brasil se faz com política pública, principalmente para pessoas negras, periféricas, mulheres

Já estamos pensando, mil e dez na cabeça para colocar no papel e para realizar a terceira temporada de Diaspóricas.


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Edição: Matheus Alves de Almeida