Estamos entrando na quarta semana de um estado em colapso e com a infraestrutura básica quase completamente destruída. Sistemas viário, aéreo, sanitário e educacional estão paralisados e não tem prazo para voltar à normalidade. A produção está em crise, com vastas áreas agropecuárias debaixo d’água. A produção industrial e a atividade comercial também estão paralisadas. Há cidades que não existem mais, outras em que pouco sobrou.
A capital do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, está com seu centro comercial e administrativo em colapso e milhares de pessoas sem moradia, sem luz e sem água. Dezenas de milhares se mantêm com doações, cozinhas solidárias e auxílio dos governos. E nada disso tem hora para terminar. O Rio Grande do Sul, hoje, sobrevive basicamente da ajuda externa.
O impacto social e político deste cenário é incalculável. Mas é certo que alguém será responsabilizado por tudo isso. De nossa parte, sabemos que os principais responsáveis são as grandes corporações e os governos serviçais que colocaram em prática as políticas de cunho neoliberal e destruição ambiental.
Mas o fascismo, mais uma vez, entendeu a oportunidade aberta pela crise e dissemina sua própria versão dos fatos. O bolsonarismo botou sua máquina política para funcionar, amplificando as fake news com o slogan "o povo pelo povo" que busca jogar a culpa nas costas do governo federal e, por tabela, na esquerda. Há uma estratégia e uma organização nisso tudo.
No meio do caos, sem dúvida, é urgente mitigar as perdas. Mas não será possível sair da crise sem construir uma possibilidade de futuro. Agora é o momento de apontar uma saída, discutindo um plano real de enfrentamento da crise e reconstrução do Rio Grande do Sul que passe pela ação do Estado e das organizações populares. Esta é a tarefa política central. É preciso centralizar as ações, alinhar as propostas e fazer a disputa política.
Caso contrário, a catastrófica crise climática deixará como legado uma enorme e prolongada crise social e política cujos efeitos ainda não podem ser dimensionados.
Esboçamos aqui apenas algumas medidas que consideramos prioritárias e urgentes para iniciar este processo e que podem e devem ser incorporadas num plano popular de reconstrução mais amplo.
Propostas para o Rio Grande do Sul:
1 – Anistiar as dívidas de famílias com renda inferior a 3 salários mínimos atingidas, para que tenham condições de reconstruir suas vidas.
2 – Anistiar as dívidas dos pequenos agricultores e assentados da reforma agrária atingidos, dando condições para a retomada da produção de alimentos e o combate à fome.
3 – Criar um cartão alimentação para compra nos mercados locais e subsídio do governo para os pequenos e médios comerciantes adquirirem produtos da pequena agricultura e da reforma agrária.
4 – Retomada imediata dos estoques públicos de alimentos, para regular a oferta, evitando movimentos especulativos e elevação dos preços. Consolidação dos estoques públicos de alimentos como política permanente de Estado.
5 – Criar um programa emergencial de garantia de emprego por seis meses para todos os atingidos que têm vínculo empregatício.
6 – Criar um dispositivo que garanta o uso prioritário de força de trabalho local nas obras de reconstrução da infraestrutura do Rio Grande do Sul, garantindo assim a recuperação do emprego e da renda.
7 – Construção imediata de moradias para os atingidos e mapeamento e desapropriação de imóveis que não cumpram sua função social para uso como moradia.
8 – Criar um programa de reconstrução mobiliária subsidiado pelos três entes federados para recuperação do local de moradia das famílias atingidas no estado do Rio Grande do Sul.
9 – Instituir a gratuidade (passe livre) no transporte público municipal, a fim de reduzir o custo de vida da população mais pobre.
10 – Suspensão da Lei Complementar 87/1996 (Lei Kandir) com vistas à recuperação financeira do estado do Rio Grande do Sul.
11 – Reconstrução de áreas atingidas com novas tecnologias de contenção de enchentes e medidas adaptativas às mudanças climáticas.
12 – Mapeamento das áreas de risco de enchentes e deslizamentos de terra no estado do Rio Grande do Sul e elaboração de uma política de realocação das populações para áreas seguras.
13 – Investir em obras de drenagem e realizar manutenção das obras de engenharia, como diques e reservatórios, para a contenção de cheias.
14 – Implementação imediata de medidas de reflorestamento de encostas, áreas ribeirinhas, recuperação de nascentes, mananciais e rios como forma de minimizar os efeitos das enchentes.
Propostas nacionais:
1 – Institucionalizar um protocolo de atuação do Poder Público em situações de catástrofe ambiental, que contemple medidas preventivas, emergenciais e pós-crise, garantindo assim redução de danos e maior eficiência e rapidez nas ações tomadas.
2 – Criar um fundo federal de enfrentamento às catástrofes climáticas, com a sobretaxação de grandes empresas envolvidas em atividades predatórias (desmatamento, poluição, envenenamento e degradação do meio ambiente), para financiar medidas emergenciais de enfrentamento a eventos climáticos extremos no território nacional.
3 – Lançar um Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) Clima em nível federal, voltado para obras de prevenção contra catástrofes climáticas e que não esteja dentro dos limites do arcabouço fiscal.
4 – Criar um programa nacional de frentes de trabalho em territórios impactados por emergências climáticas, aliado a cursos intensivos de qualificação profissionalizante, para reconstrução da infraestrutura urbana.
5 – Fortalecer a rede de apoio solidária a longo prazo, especialmente das cozinhas comunitárias como forma organização emergencial de combate à fome em contextos de catástrofe ambiental no território nacional.
6 – Criar um seguro nacional contra catástrofes climáticas, para que os futuros atingidos por eventos extremos possam acionar em caso de perdas de bens móveis.
7 – Suspensão dos processos de privatização das empresas de saneamento e água. Retomar investimento público nas empresas públicas de água e saneamento básico pelo governo federal com cláusula de proibição de privatização por 20 anos.
* Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Katia Marko