Animais não são coisas, mas seres vivos que demandam respeito e dignidade. Em uma situação de emergência, precisam ser protegidos e salvos. No limite, mantidos em local seguro até serem resgatados. Computadores não são seres vivos, por mais avançada que seja a inteligência artificial que neles roda ou as respostas espertas que trazem. Mesmo assim, há quem prefira salvar máquinas, não bichos em meio a uma catástrofe. Ironicamente, um petshop preferiu.
E a mercadoria venceu a corrida com a vida em uma unidade da Cobasi em Porto Alegre.
A delegada Samieh Saleh, em entrevista ao Uol, afirmou que os computadores da loja foram retirados do subsolo e guardados no mezanino para evitar que a água os atingisse após as chuvas, enquanto aves, roedores e peixes acabaram ficando na parte de baixo. Como resultado, uma morte em massa de pequenos animais.
O caso gerou ainda mais revolta nas redes sociais pelo fato de centenas de servidores públicos e voluntários estarem com água até o pescoço, contraindo leptospirose, para salvar animais domésticos ou de criação que ficaram ilhados por conta das cheias no Rio Grande do Sul. Tanto que a imagem do cavalo Caramelo, esperando resgate, por dias, em um telhado, acabou se transformando em ícone do impacto das mudanças climáticas no Brasil.
Se você tem tempo para salvar uma única coisa, é a vida que deve ser prioridade, sempre. Quem é tutor de um animal, como eu, sabe exatamente que, em caso de incêndio, por exemplo, a prioridade não é o notebook, mas os membros da família. Imaginava-se que uma petshop teria o mesmo cuidado.
A missão da empresa, diga-se de passagem, não é o bem-estar animal e sim a mercantilização de nossa relação com animais. Diz o texto retirado do site da Cobasi: "Proporcionar aos apaixonados por animais uma experiência única de compras através da oferta de uma ampla linha de produtos de qualidade, atendimento solícito e especializado, ambiente confortável e descontraído, e preços extremamente competitivos".
Em comparação ao tamanho da tragédia que vive o Rio Grande do Sul, essa pequena crônica da desgraça brasileira deve ser rapidamente esquecida. Mas a reconstrução do estado precisa também lembrar que o capitalismo selvagem submete a vida ao seu valor de troca ou sua capacidade de dar lucro, e isso precisa mudar. As mortes dos animais não aconteceram por maldade de funcionários, mas porque obedeceram a uma lógica corporativa violenta que não deveria ter mais espaço na terceira década do século 21.
* Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.