Dois dias de sol, muita mão na massa, limpeza, lixo jogado nas ruas, descarte geral de móveis, eletrodomésticos, papéis, comidas estragadas e também memórias afetivas, como fotos e recordações históricas da família.
As pessoas de todos os bairros afetados pela primeira enchente estavam realizando aquilo que a Prefeitura de Porto Alegre pediu, sugeriu ou mandou, seja lá o que fosse, de jogar fora tudo que não prestasse em razão de infecções e outros males que poderiam afetar a vida humana.
Infeliz ideia ou péssima sugestão. Não olharam para as previsões da meteorologia. No dia posterior, chuvas de mais de 130 milímetros caíram na Capital e em todo o estado, praticamente. Aquele lixo, com a força das águas, foi para as ruas, se espalhou, entupiu bocas de lobo, bueiros, ruas, transformou a cidade no mais fantástico caos.
Trânsito virou um pandemônio. Ruas alagadas, bueiros transbordando e formando cascatas, com o retorno das águas à superfície. Entupida de resíduo, até o Conduto Álvaro Chaves chegou a transbordar. O Conduto é uma obra gigantesca, mas cheia de lixo, impedindo o trânsito da água para o seu destino final, o Guaíba.
O Departamento Municipal de Limpeza Urbana não sabe bem mais o que fazer. Afinal, diz a sua assessoria, são 45 milhões de toneladas de lixo de todas as espécies – descartáveis e orgânicos – que estão atazanando a vida das pessoas, possivelmente causando doenças.
O número parece exagerado, segundo técnicos da área. Seriam, se isso fosse confirmado, 45 bilhões de quilos. "Só no Menino Deus, um dos bairros mais afetados, passamos oito vezes com nossos caminhões, mas não adiantou nada. A chuva forte de quinta-feira (23) trouxe à tona mais lixo, lama, lodo, garrafas de plástico, em quantidades absurdas, inimagináveis, uma verdadeira catástrofe", disse um diretor do órgão municipal para a Rádio Gaúcha.
Dezenas de bairros das zonas Norte e Sul também estão entupidos de toda a sorte de lixo. Como viver assim? Como suportar o fedor? Impossível, indigno, horrível. Em bairros mais altos, o lixo também se acumula ao lado de contêineres e em pátios vazios. O recolhimento está irregular. Os caminhões passam quando há uma folga nas zonas afetadas pelas cheias, o que é muito raro.
Cálculos preliminares do DMLU estão prevendo que cerca de 500 mil pessoas estão afetadas pelos problemas do lixo. Previsão é de que só em 30 dias a cidade voltará a ficar razoavelmente limpa – ou só com os problemas de lixo habituais.
A ausência quase total dos catadores de material reciclável nas ruas – plásticos, papéis, caixas, jornais velhos – também contribui com o problema. Sem o dinheiro do seu trabalho e da venda dos produtos recicláveis, estão na mais profunda miséria. Eles estão fazendo o pior, recolhendo até alimentos descartados em alguns locais, como no Centro Histórico, por falta de outra saída para saciar a fome.
Um vídeo que circula na Internet mostra um grupo de pessoas vasculhando um contêiner para ver se encontrava algo de valor por ali. Podia ser o que fosse, mas todos, invariavelmente, achavam alguma coisa que poderia ser útil, inclusive alimentos e refrigerantes ainda lacrados. Algumas pessoas usavam luvas para vasculhar o lixo em meio ao entulho da rua. Outras, nem isso. Havia até crianças e idosos por ali, que tratavam os produtos de camelôs levados pela enxurrada da capital gaúcha como tesouros em meio a tantas perdas.
Conforme a prefeitura, o recolhimento dos resíduos, a partir de agora e emergencialmente, é destinado para locais destacados dentro de cada bairro. Depois, são transportados para unidades provisórias de recebimentos, localizadas na zona Norte, na Lomba do Pinheiro e na Serraria.
Além disso, está sendo estudada a implantação de uma unidade provisória na Ilha Grande dos Marinheiros ou na Ilha do Pavão. Também está sendo locado um grande terreno em município da região Metropolitana como depósito de todos os tipos de entulhos. Há também uma central de entulhos de resíduos volumosos em Estação de Transbordo do DMLU.
Fora os meios disponíveis rotineiramente, a operação conta com 550 equipamentos contratados às pressas, incluindo caminhões, carretas, retroescavadeiras, pás carregadeiras e escavadeiras hidráulicas, conforme o decreto de calamidade do município, informa a Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (Smsurb). Nesta questão do lixo existe também o apoio de outros estados com materiais e a solidariedade de moradores das zonas afetadas.
* Jornalista
* Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Katia Marko