O Ministério da Defesa do Reino Unido acusou na última quarta-feira, dia 22, a China de ter começado, ou planejar começar, a fornecer armas letais à Rússia para a guerra da Ucrânia. A pasta cita a inteligência militar dos EUA e da Grã-Bretanha, mas não apresentou provas concretas.
"Hoje posso anunciar que temos provas de cooperação entre a Rússia e a China na área das armas utilizadas na Ucrânia", disse o ministro Grant Shapps durante uma conferência de defesa em Londres.
A China repetidamente negou estar fornecendo armas à Rússia. O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Wang Wen Bin, classificou as palavras do ministro da Defesa britânico sobre a disposição da China em fornecer assistência militar à Rússia na guerra contra a Ucrânia como "infundadas e irresponsáveis".
"Condenamos a calúnia infundada e irresponsável contra a China por parte do político britânico. […] Difamar a China não ajudará o Reino Unido a sair da sua situação difícil em relação à Ucrânia, muito menos a resolver os complexos problemas internos do Reino Unido", disse o porta-voz.
O representante chinês acrescentou que era Grã-Bretanha, e não a China, é quem vem "colocando lenha na fogueira em torno da Ucrânia".
A controvérsia acontece uma semana após a visita oficial do presidente russo, Vladimir Putin, à China, nos dias 16 e 17 de maio. Foi a primeira viagem internacional de Putin após assumir novo mandato presidencial e aconteceu apenas uma semana após sua cerimônia de posse.
Durante a visita de Putin à Pequim, o porta-voz do Departamento de Estado americano, Vedant Patel, declarou a China não pode estreitar os laços com o Ocidente e, ao mesmo tempo, apoiar a Rússia. Já o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, em visita a Pequim no mês passado, manifestou a preocupação de que a China apoie a indústria de defesa da Rússia.
:: Em Pequim, Putin elogia 'posição imparcial' da China sobre guerra da Ucrânia ::
O presidente russo foi recebido em Pequim com honras militares e se reuniu com o líder Xi Jinping, reafirmando a “parceria sem limites” entre os dois países. Em gesto simbólico, a viagem de Putin aconteceu no dia seguinte à oficialização do novo gabinete do presidente russo. Participaram da delegação russa o novo ministro da Defesa, Andrei Belousov, o ministro das Relações Exteriores, Serguei Lavrov, e o secretário do Conselho de Segurança e ex-ministro da Defesa, Sergei Shoigu.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o especialista em estudos de Rússia e China da Universidade de Leipzig, Alexei Chigadaev, destaca que a visita de Putin à China – a segunda em sete meses – não resultou em importantes acordos, mas foi permeada por um grande caráter simbólico.
Ele lembra que o documento oficial do Departamento de Estado que formula a estratégia da política externa dos EUA, está explícito que a Rússia e a China são rivais estratégicos dos EUA.
"Diante disso, os EUA pedem que a China pressione a Rússia. Os chineses entendem perfeitamente que, nesse caso, eles seriam os próximos. Então, a Rússia se mantém como um importante aliado técnico-militar. A Rússia é uma importante potência nuclear, a Rússia ainda é uma importante potência mundial, é um parceiro no Conselho de Segurança da ONU, então aqui a cooperação militar-tecnológica é realmente importante, e percebemos que Putin busca chegar a acordos em todas as esferas onde não existem divergências políticas, de política externa, importantes", analisa.
Um dos pontos principais da declaração conjunta entre Putin e Xi Jinping foi sobre a guerra da Ucrânia. Em particular, Putin elogiou a "posição imparcial" da China sobre o conflito.
"Certamente informarei o Presidente da República Popular da China sobre a situação em torno da crise na Ucrânia. Estamos gratos aos nossos amigos e colegas chineses pelas iniciativas que estão apresentando para resolver este problema. […] As relações entre a Rússia e a China não são oportunistas e não são dirigidas contra ninguém. A nossa cooperação em assuntos internacionais é um dos fatores estabilizadores na arena internacional", destacou.
Após reunião com Putin, o líder chinês, Xi Jinping, por sua vez, defendeu uma rápida resolução para a crise ucraniana. Segundo ele, "ambos os lados concordam que uma solução política para a crise na Ucrânia é a direção correta".
"O lado chinês aguarda com expectativa a rápida restauração da paz e da estabilidade no continente europeu e continuará a desempenhar um papel construtivo para esse fim", afirmou Xi Jinping.
A China apresentou o seu plano de resolução da guerra em 24 de fevereiro de 2023, um ano após a intervenção russa na Ucrânia. O documento prevê como condições a adoção de um cessar-fogo, a retomada das negociações e o fim das sanções unilaterais.
Para o cientista político Alexei Chigadaev, apesar de todos os acenos favoráveis a Putin, a China ainda preserva status de neutralidade sobre a guerra da Ucrânia. Segundo ele, a parceria e a aproximação entre os dois países não configura um status de aliança plena.
"Nós vemos que, na verdade, a China ‘não cumpre’ com suas obrigações de um verdadeiro aliado. Se a China fosse um aliado de fato da Rússia, a China forneceria tanques, forneceria força militar, embarcações, metralhadoras, aeronaves, etc. Mas a China não faz nada disso, porque assume que é uma questão da Rússia, que ‘não é nossa guerra’", afirma o analista.
Por outra lado, Chigadaev reforça que Pequim assume uma posição particular e pragmática sobre a guerra, o que interessa aos países do Sul Global.
"Existe um entendimento importante de que é preciso assumir uma posição que traga vantagens, em primeiro lugar para a China, e um dos acordos é de que a Rússia deve participar das negociações de paz [sobre a Ucrânia]. E isso é uma posição alternativa e importante, que é interessante para os países do Sul Global, e provavelmente também é interessante para os europeus, mas ninguém ainda fala sobre isso abertamente", afirma.
O plano de paz apresentado pela China não foi aceito como válido pela Ucrânia. O país argumentou que a iniciativa não incluía como condição a retirada das tropas russas do território da Ucrânia.
A Rússia não foi convidada para a cúpula de paz sobre o conflito que vai acontecer na Suíça em junho. A China ainda não confirmou a sua participação, mas a expectativa é que a ausência de Moscou nas negociações seja motivo para que Xi Jinping também não participe.
"A China diz que é preciso acabar com a guerra imediatamente, interromper [a guerra] nas posições atuais. É o primeiro ponto. Pode ser que muitos não gostem disso, mas é uma posição compreensível", diz Alexei Chigadaev.
Segundo o pesquisador da Universidade de Leipzig, a posição da China sobre a demanda de um rápido cessar-fogo e a exigência que a Rússia participe de negociações de paz tem um peso no cenário internacional, mas, ao mesmo tempo, representa o limite do que a China está disposta a intervir na crise ucraniana.
"A segunda posição [da China] é que as negociações sem a Rússia são inúteis. Isso é claro que tem uma lógica, mas exige uma certa firmeza, um peso internacional para declarar isso, e a China declarou isso. E acho que não se deve contar com mais muita coisa da China. A China formulou seu plano de paz, a China insiste na participação da Rússia, e acho que é isso é o máximo que podemos esperar", completa.
Edição: Rodrigo Durão Coelho