Coluna

A Fiergs vermelha

Imagem de perfil do Colunistaesd
Enchente deixou lama e entulho nas ruas de Porto Alegre - Foto: Rafa Dotti
A Fiergs entregou-se ao Estado. Deu adeus ao neoliberalismo. Foi um triplo mortal carpado

Entre tantas novidades trazidas pelas águas que lavaram o Rio Grande, uma passou desapercebida: a conversão da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs) ao marxismo. "Marxismo cultural?", perguntaria um olavista. Não, marxismo raiz, hardcore.

A Fiergs entregou-se ao Estado. Deu adeus ao neoliberalismo. Foi um triplo mortal carpado. Não se tem certeza quando mas, pelo que se sabe, coincidiu com a chuva, época também propícia às revoadas de cupins.

É certo que não foi em 2022. Lá, na véspera das eleições, a entidade, junto com suas iguais, as federações dos comerciantes, lojistas e agropecuaristas, lançou carta advertindo sobre a necessidade de votar no Senhor das Mortes para "seguir a política econômica que está dando certo". Faltou dizer: "dando certo para nós".

Alguns empresários foram além. Apenas no 2º. turno, o Ministério Público do Trabalho/RS recebeu 240 denúncias de assédio eleitoral contra 184 empresas gaúchas de diversos ramos.

Os donos da Stara, fabricante de máquinas agrícolas, que doaram R$ 350 mil para aquele candidato, avisaram aos fornecedores que, se o 2º.turno reprisasse o resultado do 1º – vitória de Lula –, reduziriam em, pelo menos, 30% as suas compras. A empreitada rendeu-lhe uma ação movida pelo MPT/RS que resultou em indenização de R$ 1,5 milhão por danos morais coletivos.

Mas tudo isso são águas passadas. Agora, a Fiergs é outra. Queimou os livros de Friedman, Hayek e Bob Fields, pisoteou o porta-retrato de Margaret Thatcher. Chutou a santa.

Fonte confiável me garante que foi na última reunião. Após cálculos complexos que escapam ao comum dos mortais, decidiu-se cobrar R$ 100 bilhões ao Governo Lula. Ulalá! R$ 100 bi? Exatamente. Nem um centavo a menos, nem um centavo a mais (ao menos, por enquanto).

Esperem um pouco: não foi o governador Eduardo Leite (PSDB) que disse que o custo da reconstrução do estado será de R$ 19 bilhões? Quer dizer, a quinta parte do que exige a indústria? E o orçamento do governo estadual para 2024 não é de R$ 80 bilhões? Ou R$ 20 bilhões a menos do que pretende a galera da Fiergs?

Fonte nada confiável me deu outros detalhes. Contou que o anúncio da cifra foi seguido por gritos de "Morte ao Estado mínimo!", "Dane-se o ajuste fiscal!", "Viva o Estado máximo!"

Em coro, todos abraçados cantaram "Olá, olá/ Vâmo pegá um dindim/Com o Lulalá".

Ao final, punhos cerrados no ar, perfilaram-se e entoaram "A Internacional", agitando lenços vermelhos. A fonte falaciosa ainda soprou que, a partir de então, a música ambiente no edifício da Fiergs só toca Ratos do Porão, Victor Jara, Manu Chao, Geraldo Vandré e Rage Against The Machine.

– Inventa outra, respondi ao Garganta Profunda.

Mas logo balancei ao saber que a proposta andou e os neomarxistas da Fiergs recrutaram os bolsonaristas da Frente Parlamentar de Comércio e Serviços (FCS), do Congresso, com os quais foram falar.

"Não é só liberar empréstimo. Tem que usar dinheiro do orçamento da União", bradou o presidente da FCS, deputado Domingos Sávio (PL/MG), já devidamente aliciado pela ideologia solerte.

Ví ali o poder fulminante da sedução bolchevique. Sávio era o mesmo que, dias antes, postara uma fake news no X (ex-Twitter) dizendo que o "desgoverno" rejeitara "ajuda do Uruguai" nas cheias. E que, antes, sem temer o ridículo, pedira o impeachment de Lula pela rixa com Netanyahu.

Há três gaúchos na FCS. Um tal Sanderson (PL) andava tuitando que o RS "foi salvo pelos voluntários" e que o governo federal não deveria gastar dinheiro para investigar fake news. Alceu Moreira (MDB) chamou Lula de "larápio" na sua rede, ao passo que o senador Luis Carlos Heinze (PP) preferiu "ex-presidiário".

Agora também querem os R$ 100 bi. Enturmaram-se com o marxismo pluvial da Fiergs. Vão para Cuba.

Com os R$ 100 bilhões, enfia-se a mão no bolso do contribuinte e o Estado vira sócio na produção, por exemplo, de cigarros. Vai meter os peitos na produção de sutiãs, botar os pés na produção de calçados e as mãos na produção de móveis.

Cardeal do liberalismo, Ludwig Von Mises deve estar se retorcendo na tumba. Ou não é ele que dizia que quem pede mais governo quer mais coerção e menos liberdade?

É o plano dos neocomunas.

Nas contas patronais, 90% das indústrias gaúchas foram atingidas. Será mesmo? E meio milhão de empregados do setor estão submersos. "Hoje são mais de 500 mil pessoas com carteira assinada que estão com as suas casas cobertas de água", declarou o presidente da federação, Arildo de Oliveira.

Se é verdade, obviamente o dinheiro tem que ir para os trabalhadores e não para o patronato. O problema é que não parece ser verdade. Ocorre que a soma da mão-de-obra do setor industrial gaúcho fica em 380 mil. São dados de 2022, do Sebrae.

Como o Rio Grande tem 581 mil desalojados, se confiarmos na matemática da Fiergs, a água preferiu invadir as casas das pessoas que trabalham na indústria e evitou aquelas de segmentos mais numerosos, os do comércio e os de serviços que, pela lógica, ficaram secas.

Apesar de tudo, continuo acreditando na boa fé do socialismo empresarial. Não consigo imaginar que uma situação de catástrofe ambiental, social e humanitária sirva para a aplicação da velha Lei de Gérson. Que seja vista não como a terrível crise que é mas como uma oportunidade de levar vantagem.

* Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Nicolau Soares