Repercussão

'Caráter público das praias': parlamentares criticam PEC que transfere poder da União sobre faixas litorâneas

Em nota, Marinha evita críticas ao texto, mas destaca valor ambiental da faixa de areia e 'soberania nacional'

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Erosão costeira se tornou problema tentacular no Brasil, com presença em diversos estados, incluindo RJ, SC, CE, RS e outros - Prefeitura Macaé/Divulgação

Parlamentares do campo progressista reagiram à ascensão legislativa da proposta que modifica o domínio da União sobre faixas do litoral, os chamados "terrenos de marinha". O texto estava com a tramitação parada no Senado desde agosto do ano passado, mas voltou à tona nos últimos dias, tendo sido alvo também de uma campanha virtual de ambientalistas e internautas que pedem a sua rejeição.

Chamada formalmente de Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 3/2022, a medida é relatada pelo senador de extrema direita Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que apresentou voto favorável à sua aprovação e alega busca por "segurança jurídica" para o tema.

A PEC prevê o repasse do domínio da União sobre os terrenos de marinha para estados, municípios e entes privados. Tecnicamente, tais áreas compreendem as faixas litorâneas que se inserem dentro do limite de 33 metros, considerando os maiores níveis atingidos pela maré no ano de 1831, marco utilizado pelo decreto-lei 9760/1946. Críticos da proposta avaliam que o texto tende a ampliar o avanço desmedido do poder econômico sobre a orla, comprometendo a preservação ambiental e o uso democrático do espaço.

"Hoje em dia, nossa zona costeira é considerada patrimônio nacional pela Constituição e nossas praias 'bens públicos de de uso comum do povo', de acordo com a lei 7.661/1988. Mas Flávio Bolsonaro quer mudar isso, retirando da União a propriedade das praias e dando-as gratuitamente para os estados e municípios, que poderão privatizá-las. Os defensores dessa ideia, ignorando o caráter público da praia, os problemas ambientais e os danos às comunidades tradicionais que isso pode causar, dizem que vender praias para hotéis e resorts vai gerar benefícios econômicos. Nossas praias já são atrativas por si só, mas em cada praia privatizada isso privilegiará determinado empreendimento em detrimento de todos os outros e da própria população local, que também consome e faz a economia girar", disse via X (antigo Twitter) a deputada Erika Hilton (Psol-SP).

Outros psolistas também criticaram a medida. A deputada Fernanda Melchionna (RS) lembrou a associação entre o avanço predatório do poder econômico sobre litoral do país e o estado de calamidade hoje vivenciado no Rio Grande do Sul. "Inacreditável que a CCJ do Senado esteja discutindo uma PEC, relatada por Flávio Bolsonaro, que abre margem para a privatização das praias! Mesmo com a tragédia climática que o Rio Grande do Sul vive, o Congresso continua empurrando para frente pautas antimeio ambiente. Inaceitável."

O presidente da Frente Parlamentar Ambientalista, deputado Nilto Tatto (PT-SP), compartilhou em seu perfil no Instagram um vídeo produzido pela organização "Eu Oceano" em que se destacam os riscos da PEC, como é o caso da redução do controle ambiental das áreas costeiras. "Projeto em tramitação no Senado Federal pode entregar as áreas de marinha, que compreendem toda a costa brasileira, para estados, municípios e entidades privadas. O que isso significa? Que as praias não serão mais públicas, gratuitas e acessíveis a todos.
O que você acha disso?", disse, ao provocar os internautas a se manifestarem sobre o assunto.

Marinha

Diferentemente do que a nomenclatura pode sugerir, os chamados "terrenos de Marinha" não estão sob o poder formal e jurídico da Marinha do Brasil. Sua gestão está submetida à autoridade da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), órgão que se insere no guarda-chuva administrativo do Ministério de Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI). Após o tema ganhar popularidade na internet, a Marinha comentou o assunto em nota divulgada à imprensa nesta terça (28). Sem fazer críticas diretas à PEC, a instituição ressaltou que tais terrenos "constituem não apenas uma questão administrativa, mas patrimônio essencial para a salvaguarda dos interesses nacionais e do desenvolvimento sustentável do Brasil".

"O debate em torno da PEC nº 03/2022, que prevê a transferência de domínio da faixa costeira, é essencial para compreender o valor dos terrenos de marinha. Essas áreas são pilares essenciais para a defesa da soberania nacional, o desenvolvimento econômico e a proteção do meio ambiente, tendo em vista a diversidade de ecossistemas, a importância das atividades econômicas relacionadas aos ambientes marinho e fluviolacustre, além da necessária proteção de 8.500 km de litoral, a partir do adequado preparo e emprego da Marinha em nossa Amazônia Azul", emenda o texto.

O documento defende ainda que, considerando as dimensões territoriais do Brasil e a "complexidade" do assunto, o país faça um "amplo debate em torno do tema, a partir da participação de toda sociedade, a fim de garantir a análise pormenorizada de aspectos regionais que permitam o tratamento diferenciado e inclusivo, além do enfoque estratégico da soberania nacional".

Edição: Thalita Pires