Filme mostra Lula dizendo o seguinte: 'presidentes dos EUA, inclusive os democratas odeiam o Brasil'
A estreia mundial do novo documentário do cineasta estadunidense Oliver Stone aconteceu na edição deste ano do Festival de Cannes de cinema e recebeu amplo apoio do público presente que aplaudiu de pé o longa.
Lula retrata a vida do presidente brasileiro desde a infância até a vitória em 2022. Stone veio ao Brasil para fazer entrevistas com Lula e, após a exibição em Cannes, conversou por telefone com o presidente e prometeu voltar ao país para a estreia em território nacional, que ainda não tem data.
O filme também foi aprovado pelo principal biógrafo do presidente, Fernando Morais. O jornalista e escritor esteve em Cannes e presenciou a primeira exibição do documentário, que avaliou como "muito emocionante".
Mais do que isso, Morais defende que o filme de Stone "mostra muito de um Brasil que o estrangeiro não está habituado a ver".
"Acima de tudo esse filme tem o privilégio de fazer com que a classe média norte-americana saiba o que que aconteceu no Brasil, saiba o que que foi a Lava Jato, saiba o que que foi o golpe que derrubou a Dilma Rousseff, saiba que houve uma traição de Michel Temer", defende em entrevista ao programa Bem Viver desta quarta-feira (29).
Fernando Morais é um dos mais prestigiados biógrafos no Brasil, por ter lançado livros como Olga, Chatô, o Rei do Brasil e O Mago, que conta a vida de Paulo Coelho.
Sua obra mais recente, lançada no final de 2021, é justamente a biografia de Lula, que terá uma segunda parte, ainda sem data definida para lançamento.
Morais comenta que conversou algumas vezes com Stone ao longo da produção do livro, sendo um consultor para temas mais complicados. No entanto, o escritor brasileiro explica que sua principal relação eram com os dois codiretores do longa, o venezuelano Maximilien Arvelaize e o argentino Fernando Sulichin.
"Estes dois são, eu diria que, as duas mãos esquerdas do Stone", brinca Morais.
"Esse filme mostra o Lula dizendo o seguinte, 'os presidentes norte-americanos, inclusive os democratas, detestam o Brasil, a Hillary Clinton odeia o Brasil', ele diz com todas essas palavras: 'a Hillary Clinton odeia o Brasil'", conta o escritor.
Outro ponto alto do documentário para Morais foi a capacidade de Stone ter contado sobre a história política do continente usando Lula como "narrador".
"A história do Lula passou a ser uma história referencial de vários presidentes da América Latina dos últimos anos. É muito, muito interessante. Tem trechos de depoimentos do [Hugo] Chaves, do [Fernando] Lugo, do Paraguai, dos Kirchner, o Néstor e a Cristina, do Rafael Correia", conta.
"É uma varrida latinoamericana tendo como fio condutor, como narrador, digamos, dessa aventura latinoamericana, o Lula."
Confira a entrevista na íntegra
Brasil de Fato - O que o senhor achou do documentário?
Fernando Morais - O filme é muito bonito, tá muito bom, é muito emocionante. Eu fiz questão de não assistir o filme inteiro nas cabines. Eles fizeram várias cabines e tal, e me chamaram em algumas delas e eu não quis, eu preferi ver sentado no meio da tigrada.
Então eu fiquei até o dia da estreia, me obrigaram a me fantasiar de pinguim, usar a gravata borboleta e tal e eu fiquei muito emocionado. Teve cenas muito bonitas no final do filme que o público se levantou e começou a aplaudir o Oliver.
Ele, que é um cara tímido, agradeceu e foi saindo do palco. E mesmo assim, o público continuou aplaudindo sem sentar, continuava de pé. O que obriga a abrirem a cortina de novo e ele voltou. Então isso dá uma medida de como o público reagiu.
Mas ainda assim eu tinha certo receio por saber do preconceito que Lula desperta no mundo inteiro e, sobretudo, em países que têm uma visão colonial do Brasil.
Eu fiquei pensando, "bom, esse povo que veio aqui ou é cinéfilo ou é lulista, pode ser que seja uma coisa e outra". Mas a minha preocupação era a imprensa, a imprensa da Europa Ocidental que está cada dia mais reacionária.
Eu não diria que está acompanhando o movimento de extrema direita que varre a Europa, mas está muito conservadora. Eles criticaram muito as atitudes do presidente Lula, das quais a gente só tem que aplaudir, como é o caso da política externa. Por exemplo, a decisão do presidente no conflito entre Israel e o Hamas - o massacre, porque não é um conflito, aquilo é um massacre, o massacre de Israel contra o Hamas.
E depois, também, na questão da Ucrânia, na discussão da ONU. E houve um pequeno episódio que passou despercebido pela maioria da opinião pública, que foi quando a Alemanha decidiu doar para Ucrânia uma divisão de tanques, de blindados, não sei quantos eram.
Parte desses tanques é feita no Brasil, com peças brasileiras, o que é muito comum na fabricação de tudo hoje. Você desmonta um computador norte-americano, vai olhar o chip e vê que ele foi efeito na Guatemala, na Coreia, é natural que isso seja assim.
Quando o Brasil descobre que tanques com partes produzidas no Brasil iam ser doados pela Alemanha, para Ucrânia, decide que não vai doar. Um gesto de coragem, um gesto altaneiro, um gesto de autosuficiência.
Por isso eu temia que essa imprensa europeia fosse tratar o filme com patadas. E, para minha surpresa, só aplausos. Eu não vi uma crítica, nenhuma, uma só crítica que disse que o filme era um horror. Eu diria que 100% das críticas foram positivas.
Então acho que não podia ter sido melhor para o cinema brasileiro, apesar de ser um filme norte-americano, mostra muito de um Brasil que o estrangeiro não está habituado a ver.
Mas acima de tudo esse filme tem o privilégio de fazer com que a classe média norte-americana saiba o que que aconteceu no Brasil, saiba o que que foi a Lava Jato, saiba o que que foi o golpe que derrubou a Dilma Rousseff, saiba que houve uma traição de Michel Temer.
E não é por acaso que tudo isso acontece na época em que o Brasil descobre o pré-sal. Os telefonemas que foram hackeados pelos norte-americanos eram linhas da Dilma, tanto como ministra de Minas e Energia e também como presidenta da República.
Então esse filme mostra o Lula dizendo o seguinte, "os presidentes norte-americanos, inclusive os democratas, detestam o Brasil, a Hillary Clinton odeia o Brasil", ele diz com todas essas palavras: "a Hillary Clinton odeia o Brasil".
E isso tudo traduzido para a classe média americana não tem preço, não poderia ser melhor.
E você deu muitos pitacos? Foi um consultor de primeira hora do Oliver Stone?
Olha, na verdade eu não tratava diretamente com ele, salvo nas oportunidades em que ele veio gravar com Lula no Brasil. Teve um dia que ele dormiu aqui na minha casa, mas eu não tinha relações. Eu tratava, fundamentalmente, com dois coprodutores do filme, que são meus amigos hoje, depois de todo esse trabalho conjunto.
São o venezuelano Max [Maximilien] Arvelaiz, meio venezuelano, meio francês, e o argentino Fernando Sulichin. Estes dois são, eu diria que, as duas mãos esquerdas do Stone.
E era fundamentalmente com eles, mas sobretudo com o Max, que eu lidava com frequência. Ele me mandava um corte e dizia "dá uma espiada porque tem gente dizendo que tem um erro aí, que nós estamos misturando a eleição do Lula contra o [Franco] Montoro com uma das eleições do Lula contra o [Fernando] Collor".
Dei um pequeno pitaco sobre trilha sonora, que no começo me pareceu hispânica demais, mas no fundo o que o diretor de som estava querendo era isso mesmo, era dizer o seguinte, "olha isso aqui não é só um filme sobre Lula, isso é um filme sobre a América Latina, contada a partir da história do Lula".
A história do Lula passou a ser uma história referencial de vários presidentes da América Latina dos últimos anos. É muito, muito interessante. Tem trechos de depoimentos do [Hugo] Chaves, do [Fernando] Lugo, do Paraguai, dos Kirchner, o Néstor e a Cristina, do Rafael Correia…
É uma varrida latinoamericana tendo como fio condutor, como narrador, digamos, dessa aventura latinoamericana, o Lula.
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Edição: Nicolau Soares