DISPUTA GEOPOLÍTICA

Para enfraquecer governo de Cuba, EUA vão fortalecer setor privado do país

Setor privado terá acesso a serviços financeiros e de internet; Washington tem motivações políticas, responde Havana

Brasil de Fato | Havana (Cuba) |
Dolar ou não? A disputa entre EUA e Cuba passa pelo acesso à moeda estadunidense - Lee Jae-Won/Reuters

Os Estados Unidos vão permitir que o setor privado cubano acesse o sistema bancário estadunidense, como forma de incentivar a economia privada do país. O anúncio foi feito pelo Departamento do Tesouro dos EUA nesta terça-feira (28), dois anos após o presidente estadunidense, Joe Biden, anunciar que adotaria tais medidas.

Um comunicado oficial afirma que essas medidas buscam “flexibilizar o acesso do setor não estatal da economia cubana aos serviços financeiros e de internet”, para aumentar “o apoio ao povo cubano e aos empresários independentes do setor privado”. Trata-se de uma série de medidas técnicas que permitiriam que as MPMEs (micro, pequenas e médias empresas) privadas de Cuba tenham acesso a contas bancárias nos Estados Unidos desde a ilha, algo não permitido pelo bloqueio imposto pelos EUA

De acordo com a própria explicação de Washington, isso tornará mais fácil para o setor privado da ilha “abrir, manter e usar remotamente contas bancárias dos EUA por meio de uma plataforma de pagamento on-line para realizar transações autorizadas”.

Analistas acreditam que as medidas fazem parte dos esforços dos EUA para enfraquecer economicamente o país, que já sofre com o bloqueio imposto unilateralmente por Washington há mais de seis décadas. Um integrante do governo dos EUA, falando em condição de anonimato à agência de notícias AFP, disse que o país entende que um setor privado mais forte "afeta profundamente a cultura cubana", destacando "o surgimento de uma classe de líderes empresariais independentes".

A flexibilização anunciada nesta terça-feira exclui funcionários cubanos, militares e pessoas ligadas ao governo. O governo Biden também permitiria maior acesso à internet na ilha, permitindo inclusive o acesso a diferentes plataformas que estão bloqueadas por Washington (videoconferência, redes sociais, sites, jogos e até mapas).

'Fins políticos', diz Havana

Em nota, o Ministério das Relações Exteriores de Cuba denunciou que a decisão tem motivação política e que as disposições “não tocam no corpo do bloqueio, nem modificam as medidas e regulamentos extremos que foram aplicados pelas administrações Trump e Biden nos últimos anos”.

"O governo dos Estados Unidos tem sido explícito na sua intenção de utilizar este setor [privado] para fins políticos contra a Revolução, com base nos seus objetivos de mudança de regime. [...] Mais uma vez, a decisão do governo dos EUA baseia-se na sua própria visão distorcida da realidade cubana, ao tentar separar artificialmente o setor privado do setor público, quando ambos fazem parte do sistema empresarial cubano e da sociedade como um todo", disse a Chanceleria.

De acordo com o governo cubano, os Estados Unidos têm um “interesse muito claro em afetar serviços essenciais que são caros, como educação, saúde, cultura, esportes e outros serviços que são para toda a população”.

No entanto, o governo cubano disse que estudará as medidas e que, se elas não violarem as leis cubanas, não se oporá à sua aplicação se essas aberturas “beneficiarem a população cubana, mesmo que seja apenas um segmento dela”.

Terrorista ou não?

A administração Biden anunciou essas medidas em 16 de maio de 2022. No entanto, elas levaram dois anos para serem implementadas. Acredita-se que o processo contra o senador democrata Bob Menendez, um dos principais lobistas da política de bloqueio contra Cuba, que defende a continuidade das políticas de “pressão máxima” implementadas no governo Trump que continuam até hoje, pode ter influenciado a decisão. Menendez é senador por New Jersey Robert e atualmente está sendo julgado por acusações de corrupção. 

Esses anúncios foram feitos depois que os Estados Unidos retiraram Cuba de uma lista de países que não “cooperam plenamente contra o terrorismo”, mas mantiveram a ilha na lista de “Estados Patrocinadores do Terrorismo”. 

No entanto, o governo cubano alega que ambas as medidas não modificam o bloqueio que os EUA mantêm contra Cuba e que são medidas “menores” e “limitadas”. 

De acordo com as últimas estimativas da ONU, somente no ano passado o bloqueio gerou perdas de 13 milhões de dólares (cerca de 67 milhões) por dia para o Estado cubano.  Uma realidade que está longe de ser revertida por meio destas medidas. 

Edição: Rodrigo Durão Coelho