Negócio da China?

Venezuela se inspira em modelo chinês para desenvolver Zona Econômica Especial no litoral

Estado de La Guaira usa modelo da cidade chinesa de Shenzhen para tentar potencializar outros setores da economia

Caracas (Venezuela) |
O turismo é uma das apostas do governo para desenvolver a ZEE em La Guaira - YURI CORTEZ / AFP

La Guaira é um estado na costa da Venezuela. Virada de frente para o mar do Caribe, a região se tornou uma área estratégica do governo do país para deixar de lado a dependência do petróleo e desenvolver outros setores da economia regional, em especial o turismo, a agricultura e indústrias de tecnologia.

O país colocou como uma das prioridades para os próximos anos, a instalação e o fortalecimento de Zonas Econômicas Especiais (ZEE) no país. Inspirada no modelo chinês que direcionou investimentos públicos e privados para determinadas áreas na China, o governo venezuelano pretende usar a ferramenta para impulsionar as particularidades de cada região para atrair investidores e, principalmente, diversificar suas fontes de receitas. 

As Zonas Econômicas Especiais foram aprovadas pelo parlamento venezuelano em 2022. A lei cria espaços com incentivos fiscais para que investidores públicos e privados, nacionais e estrangeiros, desenvolvam projetos em distintas áreas da economia do país. A primeira etapa começa com quatro zonas que têm diferentes áreas de foco atuação: Paraguaná, Áragua, ilha La Tortuga e La Guaira.

Segundo Nicolás Maduro, a ideia é conseguir formar um “novo modelo econômico” no país que permita “integrar as potencialidades produtivas e tecnológicas das diferentes regiões com investimento nacional, internacional, público e privado”.  

Localizada na costa do país, La Guaira se inspirou no modelo da chinesa Shenzhen. Antes de se tornar uma Zona Econômica Especial, a cidade tinha apenas 30 mil habitantes e sua principal renda era a pesca. A cidade se tornou um projeto piloto para a atuação das ZEEs no país e recebeu investimentos para a indústria de tecnologia, finanças e o setor portuário. 

Em 40 anos, o país conseguiu ampliar sua participação no comércio internacional: de US$ 18 milhões (equivalentes a cerca de R$ 92 bi na cotação atual) em 1980 para US$ 431,5 bilhões (R$ 2,2 tri) em 2019. Só em 2023, o PIB da cidade cresceu 6%. Esses resultados foram colocados em pauta para desenvolver La Guaira e começar um processo de tornar as duas cidades irmãs, com desenvolvimento de projetos e parcerias estratégicas.

No entanto, as cidades tem algumas semelhanças e várias diferenças. De acordo com chefe da Zona Econômica Especial e secretário de Desenvolvimento Econômico de La Guaira, Marcos Melendez, o fato de ser uma zona portuária traz essa ligação direta, mas a ocupação territorial é totalmente diferente. 

“Ambas cidades têm acesso ao porto. Outra coisa em comum é que as cidades têm tamanho de território mais ou menos igual. A diferença está na origem da formação da ZEE. Quando Shenzhen decidiu ser uma ZEE era uma área vazia e pouco povoada. Hoje, a cidade tem 12 milhões e meio de habitantes. No caso de La Guaira, vamos começar uma ZEE com 400 mil habitantes. Então vamos ter que rediscutir a população do território”, disse ao Brasil de Fato.

Na semana passada, a diretora da Zona Econômica Especial chinesa de Shenzhen, Tao Yitao, visitou La Guaira, para acompanhar o processo de desenvolvimento como uma ZEE. Além de discutir o processo de aproximação das duas cidades, ela teve contato com os 3 eixos em execução na região.

La Guaira tem projetos em três áreas: agroindustrial, industrial e no âmbito turístico. A primeira delas é o eixo Carayaca para projetos agrícolas. A região tem 10 mil hectares dentro de uma área de proteção ambiental e será destinada para plantio de café, cacau e outras frutas como morango e pêssego.

O segundo eixo é Catia la Mar, que será voltada para a indústria e logística. De acordo com Melendez, a estrutura portuária e aeroportuária será fundamental para a atração de investimentos. Neste eixo, a ideia do governo é negociar com empresários para desenvolvimento de indústrias na região usando o porto e o aeroporto como grande argumento. O governo já está instalando uma planta para uma empresa turca para refinar e engarrafar óleo vegetal na região. 

O terceiro eixo é na região leste de La Guaira e terá foco turístico. Para isso, são dois projetos de hoteis que já estão sendo construídos. Um deles se chama Bahia Sunset, feito com estrutura de containers. O outro é Cambury Mar e tem “estilo caribenho”, segundo Melendez.

O governo afirma que está gastando US$ 7 milhões (R$ 36 milhões na cotação atual) para construir os hotéis e a planta industrial. Esse valor deve ultrapassar US$ 1 bilhão (R$ 5,16 bilhões) com a construção de outras estruturas e, principalmente, da indústria de tecnologia. O objetivo é criar 4.500 empregos na região.

As empresas que quiserem abrir um negócio em la Guaira terão um abono no imposto de renda por 5 anos. Caso a companhia atinja 51% de exportações da sua produção nesse período, essa isenção renova por mais 5 anos. As empresas também terão isenção de impostos municipais e estaduais. 

Críticas e cobranças

Depois da aprovação do projeto, o diretor do Observatório de Ecologia Política da Venezuela, Emiliano Mantovani, fez um estudo indicando os problemas das experiências das ZEEs no mundo. O primeiro problema indicado é um processo de “neoliberalização dessas áreas”. 

A partir da pesquisa Zonas Econômicas Especiais e neoliberalização: um alerta na encruzilhada histórica venezuelana, ele apresentou um problema de neoliberalização das economias locais. Ou seja, os processos de implementação das ZEEs envolvem a transferência da gestão dos recursos para a iniciativa privada. Com isso, as empresas estrangeiras pagam salários mais baixos para os trabalhadores do que seria pago nos países de origem. 

Outro problema indicado é o foco na venda para o mercado externo. Com incentivos fiscais para a exportação, a maior parte da produção das ZEEs acabam não ficando no país para auxiliar no abastecimento interno.

O terceiro ponto indiciado como problemático é a exploração em áreas de proteção ambiental. Mantovani apresenta outras experiências, como a Tailândia, que abriu reservas ambientais para atividades industriais, o que atingiu diretamente mananciais e nascentes de água no país.

Edição: Rodrigo Durão Coelho