Localizado na Rua Fernando Machado, no Centro de Porto Alegre, o antigo Hotel Arvoredo, abandonado há anos, virou palco de uma nova ocupação por moradia popular. A primeira formada por desabrigados da enchente que assola a capital gaúcha desde o início do mês. Segundo a organização da ocupação, que afirma se tratar de um movimento autônomo, sem ligação com entidades que atuam na luta por moradia popular, a maioria dos atuais ocupantes são pessoas que moravam nos bairros Humaitá e Sarandi e perderam tudo ou quase tudo por causa das chuvas.
A ocupação foi iniciada, oficialmente, na última sexta-feira (24), com mulheres, crianças e idosos chegando especialmente a partir do domingo (26). Alexsandro Fernandes, conhecido como Alex da Banca, é uma das principais lideranças. Morador da Ilha Grande dos Marinheiros, ele próprio teve a casa invadida pela água e ainda não sabe qual o impacto. Ele diz que, na tarde desta segunda-feira (27), entre 40 e 45 famílias estavam abrigadas na ocupação, acrescentando ainda que “a todo momento” mais pessoas batiam no portão, buscando acolhimento.
“A gente sofreu com as enchentes. Todas as famílias que estão aqui perderam suas casas, seus pertences. A maioria é da zona norte, Humaitá, Sarandi, aquela região. Eu, por exemplo, sou da Ilha Grande dos Marinheiros e também sofri. Todos são trabalhadores, alguns não se adaptaram aos abrigos, todo mundo sabe os problemas que ocorrem nos abrigos. Ninguém queria estar passando por essa situação. E a gente não acha justo um prédio, com essa imponência, podendo abrigar pessoas, desocupado no Centro de Porto Alegre”, diz.
Ele avalia que a maior dificuldade que as pessoas encontraram nos abrigos foi a falta de privacidade. “E tem um prédio que está abandonado há 12 anos, nós tendo milhares de famílias desabrigadas”, justifica.
Alex diz que a ideia é que a ocupação seja um espaço de passagem, onde as pessoas possam permanecer até conseguirem retornar às suas casas, mas também avalia que o imóvel poderia abrigar uma solução definitiva para famílias atingidas. Neste sentido, explica que está sendo criada uma associação para organizar uma eventual possibilidade de compra do imóvel, possivelmente por meio de algum programa de habitação para pessoas atingidas pelas chuvas.
Segundo Alex, a informação que a ocupação tem é de que o prédio pertence ao Itaú atualmente. Durante o processo de ocupação, encontraram uma conta de luz endereçada ao Hotel Arvoredo, mas datada de junho de 2021. “A gente quer sair quando as coisas voltarem ao normal ou talvez o próprio proprietário negociar um financiamento ou alguma coisa do gênero e a gente sair da área de risco”, diz.
Ligado ao deputado Dr. Thiago Duarte (União), ele explica que a entrada no imóvel foi precedida por um processo iniciado há duas semanas, com conversas com moradores do bairro e com a limpeza dos saguões, corredores e quartos. Segundo ele, a ocupação está sendo bem recebida por vizinhos, devido ao fato de que o imóvel abandonado gerava preocupações com a segurança.
Por outro lado, reconhece que outros moradores do entorno acionaram a Brigada Militar no domingo e de novo nesta segunda. No entanto, diz que a conversa com os policiais foi amigável. “Eles estão vendo que a coisa está ordeira e não veem a necessidade de intervenção. São famílias de bem, com crianças, mulheres e idosos, então entendem que vai ser uma coisa discutida no Judiciário.” Até esta tarde, não tinha conhecimento de ação de reintegração de posse movida por proprietário.
Segundo a organização, a maioria das famílias se conhecem e têm algum nível de afinidade, sendo o acolhimento a novas famílias, no momento, restrito a algum tipo de ligação com pessoas que já estão na ocupação. “Mas a gente não está deixando de acolher, porque tem espaço ainda, de forma ordeira”, diz Alex.
Nesta segunda, foi realizada uma primeira assembleia da ocupação, onde foram escolhidos uma diretoria e conselheiros.
Carlos Eduardo, conhecido como Dunga, mora em outra ocupação no Centro, na rua Jerônimo Coelho, e desde antes dela ser iniciada tem ajudado Alex na organização. Ele conta que conhece a maior parte das famílias, tendo ajudado a trazer desabrigados dos bairros Humaitá e Sarandi. Além dos desabrigados, ele diz que há pessoas que moravam de aluguel e estão chegando por indicação de outros. “A gente não pode abrir o portão para qualquer um”, pontua.
Nesta tarde, Dunga estava tentando fazer uma listagem de nomes dos ocupantes para encaminhar para o advogado que está acompanhando a ocupação. Ele diz que o principal desafio inicial foi fazer a limpeza dos quartos e identificar o que está habitável e o que não está, bem como quais mobílias que estão acumuladas na garagem podem ser aproveitados. No momento, não há energia elétrica e apenas alguns espaços têm água. Muitos quartos não têm esquadrias, apenas os buracos para as janelas, o que é uma dificuldade nesta semana de frio. “Mas a necessidade urgente é a luz”, diz Dunga.
Desde ontem, a ocupação tem recebido diversas doações. Quando a reportagem visitou o local, um casal se comprometia a trazer marmitas nos próximos dias. Mais cedo, a ocupação recebeu doações de cestas básicas. Segundo Dunga, as principais necessidades momentâneas são colchões, cobertores e alimentos. “Tem as pessoas que estão trabalhando, então ainda estamos avaliando, mas tem famílias sem colchões”, diz.
José Félix morava de aluguel em Canoas. Quando a casa ficou embaixo d’água, ele correu para deixar as coisas na casa de um vizinho, o que ajudou a minimizar suas perdas. Desempregado e sozinho, tendo apenas benefícios sociais como renda, ele diz que não teria como buscar outro aluguel no momento. Nesta tarde, ele dividia o quarto com Lilian, moradora do Humaitá, que perdeu tudo com as inundações. Ela chegou no domingo e espera conseguir trazer o filho de 27 anos, que ficou com um familiar em Pantano Grande, mas que precisa receber atendimento de saúde porque contraiu leptospirose.
Nesta tarde, eles compartilhavam um quarto, daqueles sem janela, mas amplo, dividido em três espaços, enquanto esperavam pela reorganização para saber onde vão ficar. Os quartos que já estão com os ocupantes definidos têm as portas marcadas pelos nomes.
Amauri Eugênio estava morando na Avenida Júlio de Castilhos, ao lado do templo da Igreja Universal, há cerca de dois meses. Antes morava na Lomba do Pinheiro, com a mãe. “Quando começou o terceiro mês, veio a água e perdi tudo”, diz. “Eu trabalho com vendas, refrigerantes, lanches, café. Perdi meus carrinhos, toda minha mercadoria. Meu irmão perdeu um carro. Ele achou que não ia subir”, diz. Amauri chegou a voltar para a Lomba do Pinheiro, mas como trabalhava na região central, viu na ocupação uma oportunidade de recomeçar. Junto com ele, estão seu irmão e tio.
Bolívar Rodrigues Pereira morava em um imóvel alugado na Avenida Voluntários da Pátria, esquina com a Rua Garibaldi. Quando a água chegou, ele pediu ajuda em um Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e foi levado para um abrigo no Morro Santana. Ele soube da ocupação por Amauri, seu amigo de infância, que o ajudou a conseguir uma vaga. “Eu perdi todas as minhas coisinhas, TV, rádio, ventilador, um monte de coisinhas”, diz Bolívar, que é aposentado por invalidez.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Sul 21