Após vários dias de internação, Nora Cortiñas, referência da linha fundadora das Mães da Praça de Maio, faleceu nesta quinta-feira (2). Com 94 anos, passou mais da metade de sua vida procurando por seu filho Gustavo, desaparecido durante a última ditadura, e lutando pelos direitos de todos.
Ela é lembrada caminhando com seus passos curtos em manifestações, bloqueios de rua, assembleias, eventos sindicais, políticos ou de protesto. Sua imagem com o punho erguido, acompanhando cada luta que considerava necessária, se repete incessantemente. Incansável.
Um símbolo das causas justas, Nora enfrentou anos com apenas um lenço branco sobre a cabeça e a imagem de seu filho Gustavo, desaparecido durante a última ditadura, pendurada em seu peito. Recentemente, seu arsenal incluiu também uma bengala e um lenço verde amarrado no pulso. Mãe da Praça de Maio, ativista social, professora, defensora dos direitos humanos e feminista.
"Antes eu não era feminista, cresci em um lar machista e patriarcal por anos, e quando levaram meu filho, um véu caiu sobre mim, e eu reuni toda a força e impulso para sair às ruas e superar todos os obstáculos. Além da dor, nos diziam para não sair às ruas, para ficarmos dentro de casa. Tivemos que nos despir de um sistema que tínhamos internalizado em nossos corpos e em nosso pensamento até então, e perceber que temos direitos", disse ela há anos, ao ser questionada sobre sua defesa das lutas pelos direitos das mulheres.
Em 15 de abril de 1977, Nora se tornou mãe de um desaparecido quando seu filho Gustavo foi sequestrado na estação de trem de Castelar. A partir daí, ela se juntou a outras mulheres na Praça de Maio, exigindo a aparição de seus filhos e filhas vivos.
A busca por seu filho se transformou em uma luta coletiva que moldaria o movimento de direitos humanos da Argentina. Ela foi parte dos primeiros dias das Mães da Praça de Maio e muitos anos depois fundou as Mães da Praça de Maio - Linha Fundadora, organização com a qual continuou a lutar até sua morte.
"Já não somos mães de apenas um filho, somos mães de todos os desaparecidos. Nosso filho biológico se transformou em 30 mil filhos. E por eles, geramos uma vida totalmente política e nas ruas. Continuamos a acompanhá-los, mas não da mesma maneira que quando estavam conosco: valorizamos a maternidade de um ponto de vista público. Somos mães que assumiram um novo papel e, em muitos casos, não estávamos preparadas para isso. Transmitimos algo mais do que costumávamos transmitir a nossos filhos: o espírito de luta e a participação em outras lutas", afirmou.
Nesse caminho, iniciado em 1977, Nora se tornou uma figura de destaque social e política, sendo reconhecida na Argentina e em outros países por sua defesa dos direitos humanos. Em sua homenagem, em 2022, um grupo de mulheres fundou o Norita Fútbol Club, na cidade de Castelar. A equipe do Tiempo Argentino também quis homenageá-la e, em 2021, a declarou membro honorária da cooperativa de trabalhadores por sua luta por memória, verdade e justiça.
Em uma entrevista para o livro De lo privado a lo público. 30 años de la lucha ciudadana de las mujeres en América Latina, em 2007, Nora compartilhou seu desejo sobre como queria que sua luta fosse lembrada.
"Eu gostaria de ser lembrada como uma mulher que quer exaltar o gênero, no sentido de que valorizo e aprendi a luta das mulheres no mundo, em qualquer lugar, mesmo que seja o mais humilde. (...) Eu só gostaria que me lembrassem e dissessem 'Lembra de Nora? Uau, ela estava em todos os lugares'".