As tensões em relação à ilha de Taiwan voltaram a se acirrar após seu novo líder, Lai Ching-te, tido como separatista radical, tomar posse no último dia 20 de maio. Em resposta, a China realizou exercícios militares ao redor da ilha durante dois dias e implementou medidas restritivas a empresas estadunidenses por venda de armas a Taiwan. O governo chinês ainda repudiou o envio de representantes do Congresso dos EUA à cerimônia de posse.
Em seu discurso de posse, Lai Ching-te afirmou que a "República da China Taiwan é uma nação soberana e independente” e que espera que "a China enfrente a realidade da existência da República da China”.
A República da China foi fundada em 1912, após o Kuomintang (KMT) derrubar a Dinastia Qing. O KMT foi derrotado pelas forças do Partido Comunista da China (PCCh) em 1949, que fundou a República Popular da China. O líder do KMT à época, Chiang Kai-shek, e cerca de 1 milhão e meio de apoiadores fugiram para a ilha de Taiwan, de onde continuaram reivindicando a existência da República da China.
O discurso de posse de Lai foi mais enfático na linha do separatismo do que os de sua antecessora Tsai Ing-wen, que exerceu os dois mandatos anteriores desde 2016, e que pertence à mesma sigla, o Partido Democrático Progressista (PDP).
As falas de Lai foram fortemente rejeitadas por outros taiwaneses e pelo governo da República Popular da China.
A taiwanesa Huang Chih-hsien, escritora e comentarista de TV, disse que o discurso de Lai Ching-te foi "minuciosamente revisado ponto por ponto pelos Estados Unidos, até mesmo suas alterações de última hora”. Ao canal chinês, CGTN, ela afirmou que "Lai é essencialmente um porta-voz dos EUA, tudo o que ele diz reflete as intenções e a vontade dos EUA”.
Huang afirma que o Instituto Estadunidense em Taiwan – criado para cumprir funções de embaixada dos EUA na ilha -, "se reúne e conversa regularmente com figuras-chave de Taiwan, exercendo uma influência forte e direta sobre a direção política de Taiwan”.
"A ideia de que o povo de Taiwan está no comando e que os seus líderes são eleitos por eles é uma verdadeira piada”, conclui a autora.
O integrante do Instituto de Pesquisa de Taiwan da Universidade Huaqiao, Jiang Tao, acredita que a "introdução de forças externas também aumentou a complexidade da questão de Taiwan”
"Eles querem sacrificar Taiwan para servir às suas próprias necessidades estratégicas. Isso não é do interesse do povo de Taiwan, nem é o que Taiwan precisa”, lamenta o professor.
Além de reagirem negativamente às declarações separatistas de Lai, as autoridades chinesas denunciaram as "mentiras” e "distorções” de fatos históricos. Lai disse em sua fala, por exemplo, que "o ano de 1624 marcou a ligação de Taiwan à globalização”. Nesse ano, a ilha foi invadida pela Holanda, que a continuou ocupando durante 38 anos, até o general da Dinastia Ming do Sul, Zheng Chenggong, recuperá-la para a China.
"Não vimos boas intenções no seu discurso, apenas um apoio flagrante à teoria dos dois Estados”, disse o professor taiwanês You Zixiang, da Universidade Shih Hsin ao canal chinês CGTN.
Uma Só China
A "teoria dos dois Estados” foi proposta pelo líder taiwanês Lee Teng-hui em 1999, e significou um choque na base das relações através do Estreito de Taiwan: a compreensão comum de que há apenas uma China e que Taiwan faz parte dela, acordada no chamado Consenso de 1992. Embora formalmente conhecida como "Uma China, diferentes interpretações”, devido a que o KMT considera que a China deve ser a "República da China”, o consenso reafirma a base constitucional da República da China e se tornou essencial para as negociações e diálogos entre a parte continental e a ilha.
"Embora afirmasse respeitar as disposições 'constitucionais' de Taiwan, Lai clamou que os dois lados do Estreito de Taiwan não são subordinados um ao outro. Tudo isto é contrário à disposição 'constitucional' de Taiwan do princípio de Uma Só China”, disse You Zixiang.
A constituição que rege Taiwan ainda é a da República da China, feita em 1946, quando o KMT governava a partir da então capital do país, Nanjing. No ano anterior, com a rendição do Japão na Segunda Guerra Mundial, Taiwan foi devolvida à China. Emendas introduzidas em 1991 à Constituição de Taiwan, inclusive referem-se à ilha como a "Área Livre da República da China”.
Em 2005, a República Popular da China aprovou a Lei Anti-Secessão, que estipula a reunificação pacífica, mas que prevê que quaisquer avanços no sentido de uma secessão, determinarão que o Estado deva empregar meios não-pacíficos para reunificação.
Estados Unidos
O Congresso estadunidense decidiu enviar uma delegação com integrantes dos partidos democrata e republicano para a posse do novo líder taiwanês e o Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, enviou uma mensagem parabenizando Lai. Isso é visto não só como provocação pela parte chinesa, mas como violação aos acordos entre China e EUA.
Além de membros do Parlamento Europeu, outros países também enviaram delegados: Canadá, Singapura, Reino Unido, Japão, Austrália e Coreia do Sul. Nenhum desses países reconhece Taiwan como nação. Ao todo, 183 países aderem ao princípio de Uma Só China.
O governo chinês afirma que os Estados Unidos estão violando o princípio. Três comunicados conjuntos assinados por ambos países em 1972, 1979 e 1982, reafirmam o compromisso dos EUA nesse sentido.
No comunicado de 1982, os EUA, sob governo de Ronald Reagan, haviam se comprometido a reduzir gradualmente a venda de armas para Taiwan. Algo que não ocorreu. No mês passado, inclusive, o governo Biden aprovou um pacote de financiamento militar de US$ 95 bilhões de dólares (mais de R$ 494 bi), para vender armas para Ucrânia, Israel e Taiwan.
No dia da posse de Lai, o Ministério do Comércio da China anunciou restrições a empresas estadunidenses por venderem armas a Taiwan. Entre elas está a Boeing.
Por vender "armas ofensivas, incluindo mísseis, drones militares e tanques”, as empresas estadunidenses Boeing Defense, Space & Security, General Atomic Aeronautical Systems e General Dynamic Land Systems foram incluídas em uma lista de entidades não fiáveis da China, e tiveram negócios congelados, segundo Zhu Fenglian é porta-voz do Departamento dos Assuntos de Taiwan do Conselho de Estado chinês.
Ações militares da China
Nos dias 23 e 24, o governo chinês realizou uma série de exercícios militares aéreos e marítimos, como "resposta punitiva à provocação pela independência de Taiwan" feita por Lai e como "alerta sério" às forças externas que fomentam o separatismo, segundo a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Mao Ning.
O governo também manifestou que caso as provocações referentes à ideia de "independência de Taiwan" não pararem, o Exército de Libertação Popular continuará com ações militares.
O professor Meng Xiangqing, da Universidade de Defesa Nacional do ELP Chinês fala sobre os exercícios destacou que os exercícios "não têm como alvo os moradores de Taiwan, mas sim as forças separatistas que visam a independência de Taiwan".
Edição: Rodrigo Durão Coelho