HISTÓRICO

Quase cem milhões de mexicanos podem votar e devem ratificar projeto progressista de Obrador

Claudia Sheinbaum deve se tornar presidenta do México; direita aposta em ganhos na capital

Brasil de Fato | Enviado especial à Cidade do México |
O México chega a um dos maiores pleitos de sua histórica com o sistema político atravessando turbulências - Yuri CORTEZ / AFP

Mais de 98,9 milhões de mexicanos estão habilitados a votar neste domingo (2) em uma eleição de caráter histórico. Será uma das maiores eleições do país, onde 20.708 cargos serão eleitos em nível federal, estadual e municipal. Além da próxima presidência para o mandato de 2024-2030, estarão em disputa o chefe de governo da Cidade do México, os governadores de oito estados e todo o Congresso, composto por 500 deputados e 128 senadores.

Espera-se que esta seja a eleição com maior participação em décadas. Um verdadeiro indicador do clima político do país. Enquanto a média histórica de participação eleitoral neste século tem sido de cerca de 61%, muitos observadores acreditam que esta eleição poderá ultrapassar 70% de participação.  

Com uma vantagem de cerca de 20-30%, todas as pesquisas de opinião apontam a Claudia Sheinbaum como a clara favorita para se tornar presidenta pelos próximos seis anos. Ela se apresenta como a continuidade da Quarta Transformação, como é chamado o processo político do atual presidente Andrés Manuel López Obrador. A candidata da coalizão progressista Sigamos Haciendo Historia - formada pelo MORENA, pelo Partido del Trabajo (PT) e pelo Partido Verde Ecologista de México (PVEM) - foi a primeira mulher eleita chefe de governo da gigantesca Cidade do México e pode se tornar a primeira mulher eleita presidente em toda a América do Norte. 

Se as pesquisas se concretizarem, Sheinbaum poderá vencer com mais votos do que aqueles que levaram AMLO à presidência em 2018. Transformando-se assim em um dos poucos projetos políticos que, depois de passar pela crise da Covid-19, consegue ser reeleito. O que consolidaria o primeiro projeto progressista após mais de 80 anos ininterruptos de governos conservadores na segunda maior economia da América Latina. 

Em um distante segundo lugar aparece Xóchitl Gálvez, economista e empresária que representa a coalizão conservadora Fuerza y Corazón por México. Trata-se de uma grande coalizão antimorenista da qual fazem parte todos os partidos tradicionais: o Partido Revolucionário Institucional (PRI), que governou o país por quase 70 anos, o Partido de Ação Nacional (PAN), de direita, e o Partido da Revolução Democrática (PRD). 

Finalmente, em terceiro lugar está o Movimiento Ciudadano (MC), com a candidatura de Jorge Álvarez Máynez, o mais jovem dos três candidatos, com apenas 38 anos de idade. Apresentando uma agenda liberal-progressista, a estratégia do Movimiento Ciudadano consistiu em buscar o voto dos descontentes com as duas principais coalizões.  Nas últimas semanas, as intenções de voto para Jorge Álvarez Máynez indicam que ele poderia chegar a cerca de 10%. 

Principais disputas eleitorais 

A principal disputa eleitoral será na Cidade do México, governada durante 27 anos pelo progressismo. Trata-se da cidade mais populosa do país, onde se concentra uma enorme quantidade de recursos - políticos e econômicos -, o que faz dela um dos distritos mais estratégicos. 

A candidata do partido governista, Clara Brugada, é favorita. Com uma militância proveniente dos movimentos sociais, Brugada foi uma das fundadoras de Morena e ex-prefeita de Iztapalapa, um dos mais populosos dos dezesseis distritos territoriais da Cidade do México. Atualmente, ela é uma das figuras mais importantes da esquerda mexicana. 

Com vantagem de 10% nas intenções de voto, disputa com Santiago Taboada, membro do direitista PAN e ligado às corporações imobiliárias da cidade. Taboada é acusado de ter laços estreitos com o cartel Unión Tepito e o grupo criminoso Sindicato Libertad - um grupo de choque paramilitar. 

Sabendo que uma vitória a nível nacional é quase impossível, a direita concentrou a maior parte de seus recursos na Cidade do México. Embora nas eleições locais de 2018 o Morena tenha conseguido ganhar a prefeitura da cidade - com Claudia Sheinbaum como sua candidata - no entanto, nessa eleição a direita já obteve um bom resultado que lhe permitiu ganhar metade das subprefeituras da cidade. 

Serão ainda eleitos governadores em oito estados. Cinco desses estados estão atualmente governados por Morena, dois pelo PAN e no outro pelo Movimiento Ciudadano. As previsões indicam que o partido governista conseguirá manter seus atuais cargos de governador. Embora tenha a chance de disputar dois governos, Yucatán com o PAN e Jalisco com o Movimiento Ciudadano. Se isso acontecer, Morena poderia governar 24 das 32 entidades federais que compõem o México.  

No Congresso, o partido governista pretende alcançar uma “maioria qualificada” (dois terços de ambas as câmaras). Isso lhe permitiria realizar as 20 emendas constitucionais que López Obrador propõe que sejam feitas como parte de uma “segunda etapa da quarta transformação”. Entre as medidas mais importantes está a intenção de reformar o sistema judiciário - incluindo uma das ideias que circulam de que os juízes dos tribunais devem ser eleitos por voto popular. 

Perigos e incertezas

Todo o sistema partidário tradicional do México colapsou. Os partidos que ordenaram o sistema de poder político do país nas últimas décadas - PRI, PAN, PRD - se encontram em uma das crises mais profundas de sua história. 

Historicamente opostos um ao outro, atualmente eles formam a mesma frente política, sem propostas programáticas conjuntas, mas com o único objetivo de se opor à Quarta Transformação. Uma eventual - mas improvável - vitória da direita na Cidade do México poderia lhes proporcionar espaço para se reconstruírem e alcançarem uma projeção nacional com uma figura jovem como Santiago Taboada. No entanto, se o que as pesquisas preveem se concretizar, as estruturas do sistema partidário tradicional ficarão praticamente desamparadas. 

Nesse contexto, a disseminação de notícias falsas por meio de grupos de mídia social assumiu dimensões raramente vistas antes no país. De forma frenética, circulam mensagens que alertam para todos os males que adviriam da vitória da Quarta Transformação. “Se Claudia Sheinbaum ganhar as eleições, ela fechará as igrejas” ou “Quando Morena ganhar, sua casa pertencerá ao Estado” são algumas das mentiras que circulam. 

Ao mesmo tempo, embora sem apresentar nenhuma prova, há meses a aliança conservadora “Fuerza y Corazón por México” vem acusando Morena de supostamente preparar uma fraude eleitoral. Semeando dúvidas sobre o processo eleitoral. Resta saber se aceitarão o resultado ou tentarão levar as eleições aos tribunais, buscando desacreditar as eleições. 


 

Edição: Rodrigo Durão Coelho