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Cidades devem ter falta de água e de alimentos por desertificação que atinge Nordeste, alerta especialista

Edneida Cavalcanti, da fundação Joaquim Nabuco, vê Brasil atrasado no tema, embora seja discutido há mais de 30 anos

Ouça o áudio:

Regiões do Piauí correm risco de desertificação - Rafael Martins / AFP

A ciência brasileira vem constatando um processo de desertificação em determinadas regiões do Nordeste do país. No final de 2023, por exemplo, um trabalho da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) mostrou que áreas áridas severamente degradadas já provocam redução das chuvas na região.

Foram 18 anos de análise que constataram o avanço na mudança do clima na região do semiárido brasileiro. 

O Brasil se preocupa com o tema há tempos. Em 2024 se completam 20 anos do Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAM). O país também protagonizou debates sobre o tema desde a década de 1970, levando a discussão para o evento Rio 92 – a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento.

Em 2015, foi instituída a Política Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca, com a criação da Comissão Nacional de Combate à Desertificação (CNDC). O trabalho foi Interrompido em 2016 e retomado este ano por uma portaria do Ministério do Meio Ambiente.

No entanto, esses esforços não foram o bastante para barrar as mudanças que estão em curso neste momento e preocupando especialistas.

“A gente está atrasado na tarefa, né?”, comenta a especialista Edneida Cavalcanti, pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), em entrevista ao programa Bem Viver desta terça-feira (4).

A especialista lembra que “a seca não é um fenômeno, hoje, restrito ao semiárido no Brasil. Tanto é que, em 2023, a gente teve uma seca intensa na região Norte. Tem uma seca em curso na região Centro-Oeste, tem seca na região Sudeste”, reforça.

Para Cavalcanti, esse alerta é importante para nacionalizar o debate e envolver toda a população do país, inclusive os grupos que vivem em áreas que podem não ser afetadas diretamente pela desertificação.

“Quem está nos centros urbanos precisa olhar isso com bastante seriedade. Uma parcela significativa do que a gente aciona enquanto elementos fundamentais à vida não estão necessariamente disponíveis dentro das cidades”, defende.

A especialista lembra que as cidades “precisam ser abastecidas de água, e isso depende de um ciclo hidrológico que envolve todo um contexto regional nacional. A gente precisa ser abastecido de alimento, e o alimento vem das áreas rurais, inclusive de uma maneira significativa das áreas que estão dentro das áreas associativas”.

No final do último mês, o governo realizou mais uma etapa do processo de construção do Plano de Ação Brasileiro de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca. O evento reuniu especialistas e lideranças do seminário no Crato, cidade da região do Cariri, no sul do Ceará. 

Cavalcanti elogia a atuação do governo, mas lembra que algumas ações efetivas precisam acontecer em paralelo, a exemplo do avanço na reforma agrária.

“Trabalhar com desertificação significa que a gente também tem que trazer para a discussão a questão da reforma agrária, não estão desconectadas”, comenta.

“Entender que existem responsabilidades comuns, porém diferenciadas, então o setor empresarial precisa ser acionado e também. Em termos do impacto de degradação, às vezes é significativamente maior do que o que seria da agricultura familiar”, finaliza.

Confira a entrevista na íntegra

Como é que a gente poderia trazer esse conceito da desertificação antes de a gente entrar, obviamente, em outras questões importantes sobre o tema?

Esse termo de desertificação aparece na literatura internacional das pessoas que se dedicaram a estudar as chamadas terras secas, que são as regiões áridas, semiáridas e subúmidas secas do mundo inteiro. Tudo começa nos anos 1940, mas ele vai se popularizar em 1970, e é bom que a gente vincula com a primeira conferência sobre desenvolvimento humano, que acontece em 1972.

Isso coincide com o período em que estava em curso uma grande seca na região do Sahel, na África. E daí tem um sentido você falar em desertificação, que é a ampliação dessas áreas desérticas nas regiões limítrofes.

Depois se expande para o conjunto dessas chamadas terras secas que estão em várias partes do planeta. Se coloca de uma maneira conceitual e oficial a partir da Convenção de Combate à Certificação e Mitigação dos Efeitos da Seca que é negociada na Conferência do Rio em 1992.

O Brasil tem um papel de destaque, tem alguns eventos acontecendo um pouquinho antes da Rio 92 aqui no Brasil, juntando com os países africanos, com países aqui da América Latina. Ela é negociada e ela é assinada depois, em 1996.

Nessa Convenção, o conceito é trazido como a degradação da terra em região de área semiárida e do subúmido seco, resultante da variabilidade climática e da atuação humana, da forma como as sociedades usam os chamados recursos naturais, que são na verdade ativos da natureza. 

É importante, por exemplo, a gente fazer também um comentário que a variabilidade climática é algo inerente a essas chamadas terras secas. Então, por exemplo, no nosso semiárido, a gente tem quatro meses chuvosos e oito meses de estiagem e a gente tem o fenômeno da seca, que é explicado por vários fatores de comportamento da atmosfera, às vezes acontecendo fora da região, provocando secas mais extensas.

A mudança climática vai agravar isso, Ela vai agravar os chamados eventos extremos. A seca é um tipo de evento que pode se transformar em um evento extremo, ou seja, ter secas mais frequentes e mais intensas. 

E as atividades humanas, em função da maneira como elas são desenvolvidas, irrigação inadequada, uso do solo de forma insustentável, criação ligada com sobrepastoreio, a mineração de forma mais agressiva... Tudo isso vai desencadeando processos que comprometem a capacidade produtiva em última instância do solo. 

Essa compreensão de degradação trazida pela Convenção, para mim, é muito interessante porque ela chama para um olhar mais sistêmico. Porque ela fala da degradação envolvendo a degradação do solo, dos recursos hídricos, da cobertura da vegetação e da qualidade de vida das populações.

A seca não é um fenômeno, hoje, restrito ao semiárido e o subúmido seco aqui no Brasil. 

Tanto é que no ano passado e em 2023, a gente teve uma seca intensa na região norte. Tem uma seca em curso na região centro-oeste, tem seca na região sudeste, são comportamentos diferentes porque essas regiões vão ter características diferentes, mas trazem, em uma estância, um comprometimento da disponibilidade hídrica para as populações que vivem em cada uma dessas regiões.

Como você avalia as ações que o Brasil tem tomado?

A gente está atrasado na tarefa, né? É bom a gente situar que agora em 2024 a gente está completando 20 anos do PAM Brasil [Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca]. A gente tá completando 30 anos da Convenção de Combate à Desertificação. 

E a gente tem uma retomada desse tema na pauta do Ministério do Meio Ambiente. Na verdade, a gente tem uma retomada da dimensão ambiental na perspectiva da gestão do do país.

A gente teve anos em que o negacionismo e tudo deixou meio ambiente e dentro desse tema de desertificação totalmente fora da agenda.

É importante, em 2023, que dentro do Ministério a gente tenha um departamento de combate à desertificação. Apesar de que a gente espera que esse departamento se fortaleça, possa vir a ser uma secretária, acho que valeria a pena, uma secretaria, pelo menos para cada uma das convenções, mas foi um passo importante. 

Precisamos da construção de um documento de política pública e ao mesmo tempo um processo de mobilização, sensibilização e de retomada dessa discussão e dessa pauta vinculada a outros temas que são também importantes. 

A gente está numa lógica de realização de 10 seminários estaduais, são os nove estados do Nordeste mais norte de Minas, e daí dá conta desses áreas suscetíveis à desertificação. Além de quatro seminários regionais, mais uma vez reforçando a importância de entender que seca e degradação da terra acontecem também outras regiões, com outras características.

Então, é um processo de escuta ativa de diálogo. A gente optou por trabalhar com a educação popular no processo dos seminários, mais articulada numa lógica de planejamento. 

A gente tem um grande desafio num país, um desafio histórico, que a gente trabalhar com políticas públicas integradas, a gente poder fazer com que uma política pública não desfaça 

Como sensibilizar as pessoas que não vivem em áreas que não devem ser afetadas diretamente pela desertificação?

Acho que a gente está vivendo um momento de existência da humanidade que requer que a gente consiga encarar de uma maneira muito séria as consequências que já estão em curso da maneira como a gente vem lidando com esses elementos da natureza designados com recursos. 

E isso envolve não só as pessoas que estão, por exemplo, nas áreas susceptíveis à desertificação. Quem está nos centros urbanos precisa olhar isso com bastante seriedade. Uma parcela significativa do que a gente aciona enquanto elementos fundamentais à vida não estão necessariamente disponíveis dentro das cidades.

Ou seja, a gente precisa ser abastecido de água e isso depende de um ciclo hidrológico que envolve todo um contexto regional nacional.

A gente precisa ser abastecido de alimento e o alimento vem das áreas rurais, inclusive de uma maneira significativa das áreas que estão dentro das áreas associativas.

É um tema ou são temas que precisam de um comprometimento da sociedade como um todo, de uma atenção da sociedade como um todo. Eu acho que a gente precisa fazer com que essa discussão saia só dessa dimensão da catástrofe, sem deixar de olhar para isso.

Trabalhar com desertificação significa que a gente também tem que trazer para a discussão a questão da reforma agrária, não estão desconectadas

Entender que existem responsabilidades comuns, porém diferenciadas, então o setor empresarial precisa ser acionado e também. Em termos do impacto de degradação, às vezes é significativamente maior do que o que seria da agricultura familiar.


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Edição: Rodrigo Chagas