Alternativa à crise

Dia Mundial do Meio Ambiente: MST semeia toneladas de pinhão em área antes usada para extrair madeira no Paraná

Ação faz parte da Jornada da Natureza do MST, que faz semeadura aérea de 12 mil quilos de espécies em extinção

Brasil de Fato | Guarapuava (PR) |
Esta é a segunda edição da Jornada da Natureza, idealizada por assentados do MST no Paraná para reflorestar árvores ameaçadas de extinção - Gabriela Moncau

Com bandeiras e acompanhados de charretes carregadas de pinhão, uma marcha de camponeses do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) percorreu as ruas de terra do assentamento Nova Geração, em Guaruapava (PR), nesta quarta-feira (5), Dia Mundial do Meio Ambiente.  

A procissão terminou no barracão da comunidade, onde um helicóptero da Polícia Rodoviária Federal (PRF) foi abastecido com 3,3 toneladas de sementes para fazer o lançamento aéreo desta que é uma das espécies ameaçadas de extinção da mata atlântica. 

A ação faz parte da Jornada da Natureza do MST, que, entre a última segunda (3) e a próxima sexta-feira (7), terá semeado 12 mil quilos da palmeira juçara e araucária em diferentes regiões de reforma agrária no Paraná. Com o mote “Semeando vida para enfrentar a crise ambiental”, a iniciativa inclui o plantio de cerca de 17 mil mudas de árvores, criando e expandido sistemas agroflorestais.  

Na terça (4), as atividades foram em conjunto com os povos Kaingang e Guarani Mbya na Terra Indígena Rio das Cobras, com a visita da ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, do chefe da Secretaria-geral da Presidência, Márcio Macedo, e da ministra interina do Desenvolvimento Agrário (MDA), Fernanda Machieli.     

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Agrofloresta no lugar de extração de madeira e agropecuária 

Era um dia frio e chuvoso quando, 15 anos atrás, Nelson Florentino dos Santos e outras famílias do MST ocuparam a área da antiga Fazenda Madeirite. Antes de a empresa falir, o território era usado para exploração predatória de madeira para fins comerciais.  

Hoje é a morada de 31 famílias de assentados da reforma agrária. E palco de ações, por parte do MST, de reflorestamento e consolidação de Sistemas Agroflorestais Comunitários.  

“Era uma área totalmente de pinos. Tinham tirado toda a araucária, a imbuia. O centro sul do Paraná é muito rico dessas espécies”, relata Nelson.

“Aqui o agronegócio e o ramo madeireiro são muito fortes. Em 1947, se instala no município de Pinhão, vizinho de Guarapuava, a indústria madeireira João José Zattar, que exportava para os EUA o pinheiro e a imbuia. Faliu na década de 1990. Hoje tem vários acampamentos nesta área da madeireira Zattar”, contextualiza Florentino.  


Durante a marcha, intervenção representa a extração predatória de madeira / Gabriela Moncau

Outras grandes empresas, como a Klabin S.A e a Araupel S.A, seguem com forte atuação na região. Esta última, responsável por 15% da madeira industrializada enviada para fora do Brasil, tem histórico de conflito com o MST no Paraná.  

Na manhã de 17 de abril de 1996, horas antes de acontecer o Massacre de Eldorado do Carajás no Pará, uma multidão de 10 mil camponeses no Paraná ocupou uma área de 83 mil hectares grilada pela antiga madeireira Giacomet Marodin, atual Araupel. A entrada pela porteira, com uma foice em riste, foi eternizada pelo fotógrafo Sebastião Salgado. No ano seguinte, o Incra cria ali o assentamento Ireno Alves dos Santos, um dos maiores do país. 


O fotógrafo brasileiro imortalizou, na série Terra de 1996, as primeiras ocupações nas áreas da Araupel / Sebastião Salgado

Atualmente, na região que abriga a Jornada da Natureza nesta quarta (5), famílias do MST junto com posseiros e comunidades tradicionais faxinalenses estão organizando a cooperativa CooperGuairicá. O objetivo é fortalecer o cultivo, o beneficiamento e a comercialização de produtos da reforma agrária, tendo como foco a produção agroflorestal e o reflorestamento de espécies como a araucária, tida como símbolo do Paraná. 

“Os indígenas são os primeiros que preservavam a araucária. Eles têm o dom. Para eles é sagrada”, avalia Nelson. “A gente, como camponês, vai entendendo e amando ela cada vez mais. Tem que ter o macho e a fêmea, é engraçado até a gente explicar, mas para ela continuar, tem que ter os dois”, descreve.  

Dos 580 hectares do Assentamento Nova Geração, 105 são de reserva da mata atlântica. É ali que foram despejados, do helicóptero da PRF, as toneladas de pinhão coletados em mutirão pelas famílias sem-terra. A ação conta com o acompanhamento científico da Unicentro, da Universidade Federal da Fronteira Sul, do Instituto de Estudos Avançados Edgard Morin, da França e da Universidade de Évora, de Portugal.   

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Mata atlântica tem 12% da sua vegetação inicial 

Rafael Prado, da superintendência do Ibama no Paraná, acompanhou o lançamento dos 12 mil quilos de sementes na Jornada da Natureza. “É uma ação excelente porque é um bioma que hoje tem em torno de 12% da vegetação que inicialmente tinha”, destaca.  

“Quando a gente fala de vegetação em estado avançado de regeneração, esse número reduz para menos de 1%, que é a vegetação onde estão inseridas as florestas de araucária”, ressalta Prado. 

“O Paraná infelizmente figurou, durante alguns anos, como um dos estados com maiores índices de desmatamento da mata atlântica”, diz o servidor do Ibama, ao ressaltar que o cenário é, “sobretudo, para atividade agropecuária em áreas de latifúndio”. 

A araucária, explica Rafael Prado, “é cobiçada no mercado madeireiro por ser muito utilizada na construção civil. Mas hoje existem tantas outras possibilidades, de madeira de reflorestamento, pinos, eucalipto. Não tem mais por que insistir na retirada da araucária para este tipo de finalidade”. 

“Felizmente no último período a gente teve uma redução do desmatamento no Paraná. Mas não basta apenas reduzir. A gente tem que recuperar as áreas. Então a gente fica muito feliz com esse tipo de iniciativa”, conclui. 

Além do Ibama e da PRF, o evento do MST tem parceria com o Incra, a Itaipu Binacional, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa), entre outros órgãos públicos. O patrocínio foi da Caixa Econômica Federal.  

Opinião: Não há Planeta B

“O que vai ser de nós?” 

Em diversos pontos da marcha desta quarta-feira, assentados fizeram intervenções teatrais apontando que a ação propositiva é, também, de enfrentamento a um modelo de desenvolvimento e exploração econômica que resultam, por exemplo, em tragédias climáticas como a que vive o estado gaúcho. 

Ao lado da estrada, uma família se posicionou dentro de um barco, rodeada de bonecos sujos de lama. Em outro ponto, fazendo referência aos rompimentos de barragens da Samarco nas cidades mineiras de Brumadinho e Mariana, uma criança observou a passeata sentada ao lado de uma TV e uma janela cobertos de terra. 


Intervenção denuncia tragédias climáticas como as causadas pelo rompimento das barragens da Samarco/Vale / Gabriela Moncau

“Precisamos fazer algo diferente para deixar para a futura geração. A catástrofe do Rio Grande do Sul traz para nós que temos que melhorar enquanto espécie”, opina Nelson Florentino. “Se não, essa espécie chamada ser humano, egoísta muitas vezes, preconceituosa, vai acabar”, constata. 

Foi no quintal de Cleide Oliveira, assentada depois de entrar no MST em 2003 e enfrentar seis despejos com sua família, que foi dada a largada das atividades deste Dia Mundial do Meio Ambiente no assentamento. Em mesas compridas, foi servido o café da manhã coletivo com receitas do pinhão. 

Em parceria com a Embrapa e a partir da pesquisa do professor Flávio Zanette, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a cooperativa que Cleide integra tem feito cursos de alimentação com o pinhão e capacitação para produção de mudas enxertadas de araucária. 

"Por meio do cruzamento, era muito demorado obter resultados, então partimos para a clonagem via enxertia", explica Zanette, que estuda a araucária há 39 anos. "A nossa araucária enxertada começa a produzir com seis, sete anos já fornece pinhões. E pinhões de qualidade, em função da seleção das matrizes. E esta planta é fundamental para a preservação do sistema vegetal e animal da mata atlântica", completa. 

“Estou muito feliz e orgulhosa de a gente fazer esse lindo projeto. Porque nós, da agricultura familiar, cuidamos da nossa natureza. Se a gente não cuidar da nossa natureza, o que vai ser de nós?”, declarou Cleide, minutos antes de a marcha começar.  

Edição: Rodrigo Chagas