DEMOCRACIA

América Latina: eleições de 2024 podem fortalecer democracia e integração regional

Podcast Três por Quatro debate os desafios eleitorais e a influência dos EUA no continente

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Herdeira do legado político de López Obrador, Claudia Sheinbaum foi eleita a primeira mulher presidente na história do país - CARL DE SOUZA/AFP
Os EUA não têm autoridade para dizer como os países devem escolher seus governantes

Em 2024, ano de corridas eleitorais em diversos países da América Latina, a luta pela democracia e o avanço da extrema direita ganham destaque. No primeiro semestre, foram eleitos presidentes em El Salvador, Panamá e México. Nos próximos meses, Venezuela e Uruguai escolherão seus mandatários. Haverá, ainda, pleitos municipais no Brasil e no Chile.

A conjuntura que une países tão diversos é, para José Genoino, a influência dos EUA na região. "Os desafios de construir um projeto de integração latino-americana com governos de diversas regiões, e com demandas diferentes, estão na relação com os Estados Unidos", diz. Para ele, o país norte-americano segue buscando moldar as nações da América Central e do Sul às suas necessidades.

O ex-presidente do PT fez a avaliação no podcast Três por Quatro, produzido pelo Brasil de Fato. Para analisar os processos eleitorais na região e os efeitos de uma coligação entre as nações para a democracia, a edição desta sexta-feira (7) do programa recebe também Regiane Nitsch Bressan, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

O Três por Quatro é apresentado pelos jornalistas Nara Lacerda e Igor Carvalho. José Genoino participa como comentarista fixo do podcast.

Ainda sobre a influência dos EUA, Regiane afirma que o resultado das urnas pode ter efeitos externos, "tendo em vista a relação de países latinos com nações do hemisfério norte, principalmente os Estados Unidos, que, através do sistema capitalista, impõem seus interesses e usam sua força para influenciar transações e vínculos entre países por todo o globo".

Segundo José Genoíno, o convívio amigável entre as nações que constituem o continente é benéfico, já que "interesses são complementares e não temos conflitos insolúveis. Nós temos que privilegiar a cooperação no interior dos países da América Latina". "Quem estimula a disputa são os Estados Unidos", complementa.

Genoino lembra que processos similares aos que aconteceram no Brasil se repetem nos países vizinhos. "O Chile está enfrentando uma experiência de Justiça de exceção, como ocorreu aqui no Brasil, onde a principal liderança de esquerda está acusada", aponta.

Após a recente eleição presidencial no México, que elegeu a candidata de centro-esquerda Claudia Sheinbaum (Morena), Bressan avalia que, como a primeira presidente mulher do país, ela promete governar com enfoque nas pautas sociais, "já que o antecessor, Andrés Manuel López Obrador (PAN, PRI e PRD), adotou políticas sociais extremamente importantes e conseguiu diminuir a violência".

"Nós tivemos sucessivos governos de direita, que não atuaram muito bem no combate à pobreza e desigualdade, não adotaram políticas sociais importantes, pelo contrário, foram governos que atuaram com violência, inclusive no combate ao narcotráfico. Eles geraram ainda mais violência", reforça a especialista sobre o estado de calamidade pública anterior ao mandato de Obrador.

Ela aponta que "as políticas sociais foram justamente a principal ferramenta para melhorar as questões de pobreza e desigualdade. Ela herda esse legado muito positivo de Obrador, e já diz que vai manter essas políticas sociais".

Na Venezuela, os indicativos de intenção de votos apontam uma reeleição de Nicolás Maduro, herdeiro do chavismo. Regiane Bressan lembra da importância de Chávez para o país. "Hugo Chávez foi eleito democraticamente em 1999, e mais do que qualquer outro presidente na América Latina conseguiu índices muito importantes na superação da pobreza e da desigualdade."

Populismo X democracia 

Apesar dos novos ares políticos, alguns países da região têm seu futuro político mais obscuro, principalmente pelo avanço de candidatos de extrema direita. Essa é realidade da Argentina, sob o comando do populista e outsider Javier Milei (Partido Libertário), e de El Salvador, que reelegeu o jovem publicitário Nayib Bukele (Nuevas Ideas), após polêmicas constitucionais.

El Salvador está sob o segundo mandato de Bukele, que, eleito após "manobra política", conforme explica Regiane, reassumiu o cargo com mais de 83% dos votos e representa uma guinada autocrática no país.

Apesar de o mandato presidencial ser de cinco anos, em El Salvador a regra para reeleição impede que um candidato pleiteie nova candidatura caso cumpra dois períodos como eleito. Para burlar a regra, Bukele renunciou à presidência em dezembro de 2023 para disputar o cargo novamente em 2024.

Bressan explica que Bukele adotou medidas violentas para um suposto combate ao crime organizado, que tiveram como consequência o aprisionamento em massa. "O governo acabou aprisionando centenas de pessoas que foram apenas acusadas, e construiu uma prisão de segurança máxima onde mais de 100 detentos são mantidos em suas celas sem colchões, distorcendo o que podemos pensar da segurança pública".

Sobre a reeleição do presidente salvadorenho, Regiane ressalta Bukele segue "quebrando as regras do jogo democrático". "Ele fez diversas demissões de cargos públicos por redes sociais, é uma pessoa realmente bastante polêmica e colocou o país em estado de exceção".

Genoino alerta sobre os riscos à democracia que países vizinhos ao nosso já sofrem, ou podem sofrer, dependendo das governanças atuais ou futuras. "Ele [Bukele] é um dos líderes da extrema direita, junto com o presidente do Equador, junto com o Milei da Argentina. É um polo punitivista, protofascista, que trabalha com a segurança pública como uma das razões para justificar a força da extrema direita, como foi aqui no Brasil, parte importante da direita bolsonarista", salienta o ex-presidente do PT.

Dissonante dos vizinhos de fronteira, a Venezuela segue na contramão do neoliberalismo. Apesar de também ter candidatos de extrema direita e de sofrer com a pobreza aprofundada pelas sanções norte-americanas, Nicolás Maduro tenta sua reeleição reforçando o discurso e as políticas populares instauradas por Hugo Chávez no final da década de 90.

Regiane afirma que, apesar das sanções, o país busca continuar "quebrando o domínio das oligarquias que pairavam sobre a Venezuela".

Democracia à moda uruguaia 

Tido como modelo de estabilidade democrática na América Latina, o Uruguai vai às urnas em 27 de outubro para eleger quem sucederá o presidente de centro-direita Luis Lacalle Pou. "O Uruguai é um país que geralmente não enfrenta problemas ligados à instabilidade democrática", diz Bressan. Ela sublinha que "o que acontece no Uruguai é uma importante alternância" e que o país está "amedrontado com o governo de Javier Milei na Argentina".

"Quando ele [Milei] diz que vai romper relações internacionais históricas, que vai se voltar apenas a Estados Unidos, sem sequer saber se Trump vai ser realmente eleito novamente, ele faz declarações muito controversas e muito complicadas. Isso realmente é assombroso e afeta de forma muito ampla o Mercosul."

Genoino aponta que uma eventual eleição da esquerda no Uruguai poderia ter reflexos positivos para a agregação de interesses e aproximação dos países latinos, com "integração ideológica, integração econômica, social e de geoestratégia política".

Novos episódios do Três por Quatro são lançados toda sexta-feira pela manhã, discutindo os principais acontecimentos e a conjuntura política do país e do mundo.

Edição: Thalita Pires