ARTIGO

Missão Sementes de Solidariedade: um desafio em relação ao meio ambiente e ao bem-estar

Engajamento comunitário e apoio de organizações são fundamentais para promover mudanças significativas

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Integração de diferentes organizações possibilita a projeção de grandes objetivos - Divulgação

A Missão Sementes de Solidariedade, uma iniciativa que reúne entidades e grupos, movimentos sociais, pastorais e igrejas, convocadas pelo Movimento dos Pequenos Agricultores e Agricultoras (MPA), esteve reunida no Convento São Boaventura, no distrito de Daltro Filho (Imigrante, RS), na última sexta-feira (31 de maio de 2024), para ouvir sobre os desafios enfrentados pelas famílias afetadas pelas enchentes na região do Vale do Taquari e em outras áreas.

Foram mais de 90 participantes de todo o Vale do Taquari e outras regiões partilhando sobre os impactos devastadores nas comunidades locais, afetando não apenas as propriedades agrícolas, mas também as casas, infraestrutura e meios de subsistência das pessoas. Para citar um exemplo, no município de Cruzeiro do Sul, 1,5 mil casas foram destruídas, assim como todo o comércio local.


As enchentes atingiram vários municípios do Vale do Taquari / Foto: Francisco Proner/MAB

As enchentes atingiram também os municípios do Vale do Taquari como Estrela, Arroio do Meio, Lajeado, Colinas, Encantado, Travesseiro, Marques de Souza, Roca Sales, Muçum, Progresso, Santa Tereza entre outros.

Em Porto Alegre e toda a região metropolitana não foi diferente a devastação. Em Eldorado, por exemplo, 92% da cidade foi destruída. Canoas, São Leopoldo, Gravataí e várias cidades da margem da Lagoa dos Patos foram violentamente impactadas.

Enfim, não é objetivo deste informe mencionar o que já é noticiado mundialmente. Mas sim, partilhar um pouco das escutas e reflexões deste dia tão rico de reencontro, num cenário que ainda segue incerto a cada dia de águas que ora descem, ora sobem. E neste momento crucial, a necessidade de apoio material é evidente, mas é igualmente importante reconhecer a importância do apoio emocional, psicológico e espiritual neste momento. 

Um gesto de solidariedade, um abraço ou uma palavra de conforto podem fazer uma grande diferença para aqueles que estão enfrentando perdas e traumas. É nessas horas que a comunidade se une ainda mais para oferecer suporte uns aos outros e iniciar o processo de reconstrução, não apenas das estruturas físicas, mas também do tecido social e emocional das comunidades afetadas.

Causas

Não há dúvidas entre os participantes do encontro que o aquecimento global, o efeito estufa, as mudanças climáticas, o desmatamento, as queimadas e o assoreamento dos rios desempenham papéis significativos. O desmatamento e as queimadas reduzem a capacidade da vegetação de absorver água e estabilizar o solo, aumentando o escoamento superficial e o risco de erosão. Além disso, o assoreamento dos rios, como no caso do Rio Taquari, reduz a capacidade dos rios de transportar água de forma eficiente, o que pode levar a inundações mais frequentes e generalizadas.

A história compartilhada sobre a mudança na profundidade do rio em Muçum/RS, ao longo dos anos, é um testemunho visual do assoreamento e da degradação ambiental que afeta muitas áreas. Há 40 anos atrás, por exemplo, o pescador precisava de 15 metros de linha para que o anzol alcançasse o fundo do rio. Antes das três últimas enchentes, bastava uma linha de 3 metros. Imaginemos agora, depois do desastre dos últimos meses, que levou carros, areia, cascalhos, casas e árvores para dentro dos rios, como estará esta profundidade?

Nestes momentos são urgentes as ações de solidariedade, mas a implementação de obras estruturais, como sistemas de controle de enchentes e ações de recuperação de ecossistemas, será crucial para proteger as comunidades contra as enchentes recorrentes e cada vez mais devastadoras. É essencial que essas medidas sejam acompanhadas por políticas de gestão sustentável da terra e dos recursos hídricos para abordar causas e promover a resiliência das comunidades diante das mudanças climáticas.

Os responsáveis

Europa, China e Estados Unidos emitem 70% dos gases tóxicos que provocam o aquecimento global. O Brasil emite 4% destes gases. Enquanto o Brasil contribui com uma parcela relativamente pequena das emissões globais de gases de efeito estufa, uma proporção significativa dessas emissões está relacionada a práticas agrícolas.

O desmatamento e as queimadas resultam na liberação de grandes quantidades de carbono armazenado nas florestas e no solo, contribuindo assim para o aumento das concentrações atmosféricas de dióxido de carbono (CO2), porém, o uso intensivo de agrotóxicos e práticas agrícolas inadequadas podem degradar o solo. O solo fértil está repleto de microrganismos que absorvem os gases tóxicos. Os agrotóxicos acabam com estes microrganismos e assim os gases vão para a atmosfera, o que contribui com o aquecimento e as mudanças climáticas.

Durante 100 anos a temperatura média da Terra foi de 14 graus, atualmente estamos em torno de 15. A continuar esta tendência chegaremos em 2100 com temperatura média mundial de 16 graus. Isto implicará no derretimento das geleiras fazendo o mar subir alguns metros. O que serão das cidades costeiras?

As alternativas

Inspirados pela Missão Sementes de Solidariedade, o engajamento comunitário e o apoio de organizações são fundamentais para promover mudanças significativas. Além disso, políticas públicas e regulamentações que incentivem a conservação florestal, o reflorestamento, a redução do desmatamento e o uso responsável da terra são fundamentais para abordar as causas implícitas das emissões de gases de efeito estufa e combater as mudanças climáticas.

Essas medidas não apenas ajudarão a mitigar os impactos das mudanças climáticas, mas também contribuirão para promover a sustentabilidade ambiental e o bem-estar das comunidades locais e globais.

O levantamento e a conscientização sobre a situação ambiental em comunidades locais são passos importantes para implementar políticas e práticas que promovam a conservação florestal e o uso responsável da terra. Por isso a Missão Sementes de Solidariedade segue nesta etapa com as seguintes tarefas:

1) Visita de 5.800 famílias, 411 comunidades em 163 municípios, fazendo a escuta e diagnóstico, através de um questionário para identificar cientificamente a situação; 

2) Cadastro de voluntários para visitas as famílias e aplicação do questionário;

3) Mutirão de visitas e encontros de formação;

4) Acompanhamento técnico e restauração ambiental;

5) Entrega, após o levantamento, de 50 mil mudas de árvores nativas e frutíferas, 6.000 feixes de ramas de mandioca, milhares de mudas de hortaliças, de batata, 20 mil quilos de sementes de milho além de feijão.

Certamente outros desafios surgirão nesta jornada de Cuidado com a Casa Comum. Em se tratando do Rio Taquari, o que fazer com o assoreamento, é um deles. Mas saímos fortalecidos deste encontro. O envolvimento de voluntários e o fornecimento de recursos como mudas de árvores nativas e frutíferas, sementes e apoio técnico são essenciais para capacitar as comunidades a se tornarem agentes de mudança em seus próprios ambientes.

A iniciativa de organizações como MPA, Cáritas, CPT e o apoio de instituições como os Franciscanos é fundamental para garantir que os esforços de sustentabilidade alcancem as comunidades mais vulneráveis e afetadas. Essa abordagem integral e colaborativa é essencial para enfrentar os desafios complexos que enfrentamos em relação ao meio ambiente e ao bem-estar das pessoas.

* Luiz Bassegio, é da coordenação do Grito dos Excluídos Continental;

** Luiza Udovic Bassegio é do Grito dos Excluídos Continental e da coordenação da Articulação Brasileira pela Economia de Francisco e Clara.

*** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Katia Marko e Marcos Corbari