MEMÓRIA

Nora Cortiñas: um até logo para a 'mãe de todas as batalhas'

Nora Cortiñas morreu em Buenos Aires aos 94 anos; ativista foi um dos maiores nomes na luta contra a ditadura argentina

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Nora Cortiñas
Nora foi uma das fundadoras do movimento "Mães da Praça de Maio" - Leo Spinetti/Tiempo Argentino

Nora Cortiñas, “la madre de todas las batallas”, faleceu em Buenos Aires, aos 94 anos. Em 15 de abril de 1977, Norita, como é conhecida, se tornou mãe de um desaparecido político quando seu filho Carlos Gustavo foi sequestrado pela sanguinária ditadura argentina na estação de trem de Castelar. O jovem militante da Juventude Peronista (JP) desapareceu às vésperas de completar 25 anos, em um bairro pobre de Buenos Aires. Ele é um dos 30 mil desaparecidos que, segundo organizações de defesa dos direitos humanos, a ditadura deixou na Argentina. 

A busca por seu filho se transformou em uma luta coletiva a partir da qual seria forjado um dos principais movimentos de direitos humanos da Argentina e da América Latina. Ela integrou as primeiras mobilizações das “Madres de la Plaza de Mayo” e muitos anos depois fundou as "Mães da Praça de Maio - Linha Fundadora". Para sempre, Norita será lembrada por caminhar com seus passos curtos em passeatas, atos públicos, assembleias, eventos sindicais e estudantis.

Sua imagem com o lenço branco na cabeça, a foto do filho pendurada no peito e punho cerrado traduz as lutas pelos direitos humanos nas veias abertas dos países da América Latina. Foi incansável em uma luta sem fronteiras e, por tudo isso, a chamamos de farol. 

Transcendeu sua dor e sua luta para acompanhar e se posicionar sobre as demandas mais candentes da região, pela defesa dos recursos naturais e dos nossos territórios, pela descriminalização da maconha, pelo direito ao aborto. Esteve presente em cada ato que foi convocado por brasileiros em Buenos Aires, pela defesa da democracia durante o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff e por justiça por Marielle Franco e Anderson Gomes. 

No Brasil, a força coletiva das madres y abuelas argentinas inspira a luta de mães e familiares vítimas da violência do estado na Baixada Fluminense, nas favelas cariocas, as Mães do Curió no Ceará, Movimento Mães de Maio em São Paulo e por todo o Brasil.

Aqui, são as mulheres negras que se organizam, mobilizam e protagonizam a luta por memória, verdade e justiça e denunciam a fragilidade da nossa jovem democracia em sua leniência institucional com o genocídio da juventude negra. Bravamente, elas gritam e bradam contra as execuções sumárias e o desaparecimento forçado de seus filhos nas favelas e periferias. 

Hasta siempre, Norita! 

*Andressa Caldas é Diretora Executiva do Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos do MERCOSUL (IPPDH); Fernando Sousa é Cineasta, Diretor Executivo da Quiprocó Filmes e doutorando do Programa de Pós Graduação em Sociologia Política da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF); e Gabriel Barbosa é Cineasta e Diretor de Projetos da Quiprocó Filmes. 

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Fonte: BdF Rio de Janeiro

Edição: Jaqueline Deister