Ataque armado

'Não recuaremos', dizem acampados do MST na PB após serem amarrados e terem barracos queimados

Atacados por encapuzados armados, moradores do Acampamento Canudos foram ameaçados de morte para deixar o local

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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As 56 famílias do Acampamento Canudos reivindicam que a área de 3 mil hectares vire um assentamento de reforma agrária - Carla Batista / MST PB

“A gente vai reconstruir os barracos da gente. O sonho da gente tem que continuar”. A afirmação de Ivoneide Ferreira da Silva é feita de dentro de um colégio em Riacho de Santo Antônio (PB), onde está abrigada com sua família desde que o Acampamento Canudos, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), foi atacado por quatro homens encapuzados e armados, no último sábado (8). 

Dona Neide, como é conhecida, se preparava para jantar com a nora e o esposo quando, por volta das 20h30, seu barraco foi invadido. Os homens já tinham rendido seus outros dois filhos, nora e netos: crianças de cinco e dois anos e um bebê de três meses. 

“Levaram todos para a minha casa. Quando a gente pensou que não, já botaram um revólver no meu marido. Um mandou ficar todo mundo quieto, dizia que era polícia, que não olhasse para eles”, relata dona Neide. Além da arma de fogo, portavam facas. Amarraram as mãos dos homens com abraçadeiras de plástico, botaram todos para fora e incendiaram sete barracos. Obrigaram as famílias a assistir suas casas se reduzirem a pó.  

“Não deixaram tirar documento, nada. Foram tocando fogo. A gente viu a casa da gente, tudo que a gente tinha dentro, tudo... Ficamos só com a roupa do corpo, perdemos tudo, tudo, tudo. Ficamos sem nada mesmo, estamos vivendo agora de doação”, conta Neide. 


Dona Ivoneide, de 46 anos, diante da sua casa transformada em cinzas / Foto: Carla Batista/Ascom MST-PB

“Disseram que a gente não voltasse mais lá, que senão matam a gente”, afirma. “A gente vai voltar”, garante a acampada do MST. “É do que a gente vive”. É ali que, desde quando ocuparam a área em 28 de dezembro de 2015, as 56 famílias desenvolveram o cultivo de milho, feijão, jerimum, melancia, fava e a criação de gado e cabra.  

Ataque ocorre após visita do Incra 

O ataque ocorreu após dois episódios excepcionais. No último 30 de maio, pela primeira vez após cerca de oito anos de ocupação, o Incra visitou o território e fez o cadastramento das famílias. “Colocaram essa área como prioritária para que haja um processo de desapropriação para fins de reforma agrária”, afirma Paulo Romário, da direção estadual do MST na Paraíba.  

De acordo com o movimento, a Fazenda Canudos, de propriedade de Demosthenes Bezerra Barbosa, tem cerca de três mil hectares e estava “improdutiva” e “abandonada” antes da ocupação.  

Na última quinta-feira (6), os sem-terra relatam que o proprietário da fazenda atravessou o acampamento em uma caminhonete, acompanhado de um possível comprador.  

Em nota, o MST destaca que há cerca de dois anos um funcionário da fazenda se estabeleceu na área e faz recorrentemente “duras ameaças” contra os moradores do acampamento. De acordo com o movimento, responde pelo nome de Erivandro Alves. “Ele se torna o administrador da fazenda”, explica Paulo Romário.  

No Boletim de Ocorrência (BO) a que o Brasil de Fato teve acesso, o depoimento cita este funcionário, que é também vaqueiro. “Ele tem arrendado a terra para que proprietários do entorno possam colocar seu gado lá”, salienta Paulo Romário. 

No documento registrado na 11ª Delegacia de Queimadas, ele é referido como alguém com quem os moradores “não têm relacionamento amigável” e como “a pessoa que dá as determinações e proibições de determinados atos aos acampados”. 

“O interesse que a gente saia deve ser do dono da terra e do vaqueiro que tem lá. Mas o dono da terra, não posso dizer que já tenha ameaçado a gente de nada”, diz dona Neide.  

O Brasil de Fato tentou contato telefônico com Demosthenes Bezerra Barbosa. Foi dito que ele não estava disponível e a chamada foi interrompida. A reportagem não conseguiu fazer contato com Erivandro Alves. Caso queiram se manifestar, o espaço segue aberto.   

“Não recuaremos” 

O atentado ao Acampamento Canudos está sendo investigado pela Polícia Civil de Queimadas e acompanhado pela Comissão Estadual de Prevenção à Violência no Campo e a Defensoria Pública.  

“O recado é muito bem dado. ‘Não volte aqui unca mais, senão a gente mata vocês’. Mas as famílias estão firmes e reconstruindo os barracos, com muita solidariedade”, narra Paulo Romário: “E deixaram muito claro: não recuaremos. Vamos nos manter firme e conquistar essa terra”.  

Edição: Martina Medina