Corrida presidencial

Pesquisas eleitorais na Venezuela apontam cenários diversos e abastecem campanhas dos candidatos

Oposição usa institutos com pouca transparência metodológica para mostrar Edmundo González como favorito

Caracas (Venezuela) |
Candidatos começaram a pré-campanha nos últimos dias; campanha oficial começa em 4 de julho - Gabriela Oraa / AFP

As pesquisas eleitorais da Venezuela mostram até agora um cenário confuso para o eleitor. Em algumas delas, o candidato à reeleição para o governo, Nicolás Maduro, aparece com quase 30 pontos percentuais de vantagem sobre o segundo colocado. Em outras, o principal nome da oposição, Edmundo González Urrutia, é indicado como favorito, com 40 pontos à frente de Maduro. Mas por que o cenário para o pleito de 28 de julho é tão incerto?

A oposição tem usado pesquisas para mostrar como Urrutia está em vantagem na disputa. No entanto, algumas delas apresentam metodologias pouco transparentes e outras sequer divulgam suas pesquisas completas. O instituto Datincorp, por exemplo, foi usado como referência para políticos e portais da oposição venezuelana. Apesar de ter indicado Edmundo González com 50,25% das intenções de voto e Maduro com 18%, o site da empresa não apresenta a íntegra da pesquisa.

Em entrevista à rádio Circuito Éxitos, o presidente do instituto, Jesús Seguias, afirmou que na pesquisa estimulada, que opõe somente Urrutia contra Maduro, o opositor chegaria a 62% das intenções. Segundo os jornais que usaram a Datincorp, o instituto forneceu os dados, mas não apresentou a metodologia, ou seja, quantas pessoas foram entrevistadas, de que regiões e qual o recorte de idade e gênero. Na entrevista, Seguias afirma apenas que foram entrevistadas 1,2 mil pessoas.

Edmundo foi escolhido para ser o candidato da Plataforma Unitária ao final do prazo para inscrição dos concorrentes. O grupo definiu o ex-embaixador para o lugar da ex-deputada ultraliberal María Corina Machado, que está inabilitada pela Justiça venezuelana por 15 anos. Ele hoje é o principal nome dos nove candidatos de oposição inscritos no pleito.

Outro ponto importante é a própria divulgação destas pesquisas. Muitas não apresentam os resultados de maneira pública e vendem as informações apenas para jornais e portais de notícias. A Consultores 21 é um exemplo. Jornais venezuelanos e até colombianos, como a Caracol TV, apresentaram um estudo do instituto por entrevistas telefônicas que indicaram uma vantagem para Edmundo González.

Segundo o levantamento, ele teria 50% das intenções de voto contra 32% de Nicolás Maduro. O site da Consultores 21, no entanto, não apresenta a pesquisa e muito menos a metodologia usada. O mesmo acontece com a Datanalisis. A pesquisa é divulgada apenas para os clientes da empresa. No site, o instituto até mostra as ferramentas para pesquisas qualitativas, como entrevistas de profundidade, sessões de grupo e técnicas de projeção, mas não apresenta a amostragem das pesquisas eleitorais.

De acordo com o último levantamento do Datanalisis, cerca de 58% dos eleitores pretendem votar em Edmundo González Urrutia, 22% em Nicolás Maduro e 3% nos demais candidatos. Outros 17% disseram não saber.

Todas essas pesquisas têm sido usadas por jornais e especialistas da oposição para argumentar que Urrutia se encaminharia para uma "vitória certa". Portais como El Estimulo e La Gran Aldea publicaram artigos usando as pesquisas como um indicador de que a vitória da oposição "é uma questão de tempo".

As pesquisas que até agora mostram o candidato à reeleição Nicolás Maduro à frente também não apresentaram uma metodologia clara. O Centro de Medição e Interpretação de Dados Estatísticos (CMIDE) mostrou há 1 mês que Nicolás Maduro tinha 54,2% das intenções de voto contra 18,7% de Edmundo González. Diferente das outras pesquisas, a CMIDE apresentou os resultados para os outros candidatos: Luis Eduardo Martínez (4.2%), Benjamín Rausseo (2.7%), Antonio Ecarri (2.1%), José Brito (1.45%), Javier Bertucci (1.3%), Daniel Ceballos (0.9%), Claudio Fermín (0.8%) e Enrique Márquez (0.60%).

O único que apresenta metodologia até agora é o instituto Hinterlaces. O levantamento da empresa até agora, no entanto, não questionou a intenção de voto. A pergunta feita aos entrevistados foi “quem você acha que vai ganhar as eleições?”. Nesse sentido, 59% dos entrevistados responderam que imaginavam que Nicolás Maduro ganharia e 22% escolheram outro candidato. A pesquisa ouviu 900 pessoas de forma presencial. A margem de erro é de 3,5 pontos percentuais e o Hinterlaces apresenta recorte de gênero, idade e econômico.

Para o cientista político da Universidade Central da Venezuela Ociel Lopez, apesar de estar mais ligado ao chavismo, o Hinterlaces tem um rigor e tende a mostrar dados mais precisos do que outras pesquisas que foram divulgadas até agora, apesar de não oferecer dados de intenção de voto.

“Muitos levantamentos servem mais como propaganda política, já que os institutos não são tradicionais nesse ramo. Há outras que têm mais credibilidade, como o Hinterlaces, mas não fez a pergunta de pesquisa de intenção de voto até agora. [...] O Hinterlaces, que é a mais séria ligada ao chavismo, não divulgou nada ainda sobre intenção de voto e isso acaba falando muito sobre as indicações de cada pesquisa”, afirmou ao Brasil de Fato.

Segundo ele, as pesquisas ligadas à oposição não têm até agora um rigor na apresentação dos dados, apesar de terem tradição. Elas acabam sendo usadas como ferramentas políticas e não necessariamente mostram uma representação fiel da realidade.

“O Datanalisis e o Consultores 21 até têm uma tradição, mas não apresentam dados concretos. Eles usam muito uma margem de intenção de voto, mas não especificam isso. A oposição está esperando que Edmundo seja mais conhecido para que essas pesquisas tenham dados mais precisos”, afirmou.

De acordo com Lopez, a tendência é que essas pesquisas tenham uma precisão maior sobre o cenário eleitoral do país conforme se aproximam as eleições. “Quanto mais perto do 28 de julho, os institutos que têm mais história devem apresentar resultados mais próximos à realidade do eleitorado”, concluiu.

Edição: Lucas Estanislau