TRÊS POR QUATRO

Articulação política é principal desafio do governo Lula; luta ideológica é única alternativa, diz Arcary

Propostas do Executivo padecem e presidente acumula derrotas no Congresso Nacional

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Lula com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). - Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado
Representantes da extrema direita vencem no tumulto

Neste primeiro semestre de 2024, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vem sofrendo derrotas sequenciais no Congresso Nacional. Entre os vetos de Lula derrubados pelo Legislativo estão os à "Lei das Saidinhas" de presos, e a uma emenda da extrema direita que impede gastos com ações alinhadas à pauta de costumes – relacionadas a gênero e sexualidade – e com pessoas que participarem de ocupações de terras.

Com o Congresso mais conservador desde a redemocratização, houve também a manutenção de um ato do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), de 2021, que impede a criminalização da disseminação de notícias falsas no período das eleições. 

Para avaliar o atual momento da articulação política do governo Lula e os reflexos dos reveses do Executivo no Congresso, a edição desta semana do podcast Três Por Quatro, produzido pelo Brasil de Fato, convidou Cláudio Couto, cientista político e professor da Escola de Administração de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV). O programa é apresentado pelos jornalistas Nara Lacerda e Igor Carvalho, e nesta semana contou com os comentários de Valério Arcary, professor do Instituto Federal de São Paulo (IFSP) e historiador.

Para Couto, a gestão Lula sofre com a postura conservadora do Congresso desde a sua eleição, por conta da postura de Bolsonaro frente ao Legislativo. "Já no primeiro ano de governo [anterior], quando Bolsonaro opta por abdicar da capacidade de ser um presidente que primeiro construísse uma coalizão e depois tivesse uma relação de liderança sobre uma base de sustentação no Legislativo, ele simplesmente 'lava as mãos', manda projetos para o Congresso e diz textualmente 'agora o problema não é mais meu'. E ele de fato não atuou nessa frente e o Congresso se empoderou."

Diante disso, Arcary, afirma que "não há muita alternativa para o governo Lula se ele quiser chegar em 2026 em condições de derrotar o perigo da ultradireita. Não há alternativa a não ser fazer luta política e ideológica". 

Por se tratar de um governo progressista, capitaneado por um dos principais líderes políticos da história do país, Couto reforça a importância da articulação política com setores populares, ou seja, participar efetivamente da população nas decisões para assim impor força sobre o Legislativo nacional, principalmente em pautas de cunho social.

"Quando eu falo em atuar junto à sociedade, é atuando junto aos setores organizados da sociedade, para fazer um contra-lobby, uma contra-pressão, que também pode atuar no Congresso. É conversar com esses setores, não no sentido apenas de usar as redes, que é algo fundamental e importante, mas de atuar na velha política de articular junto a lideranças na sociedade", afirma.

Já Arcary salienta que, apesar da "inflação estar abaixo de 4%, a renda média dos que vivem do trabalho crescer em torno de 10%, o consumo das famílias aumenta, e surpreendentemente a taxa de investimentos do primeiro trimestre subir", os representantes da extrema direita, maioria na Câmara e no Senado, buscam maneiras de frear as medidas apresentadas por Lula. Além disso, eles "estão mais organizados’", sublinha Couto, em concordância com o historiador.

Mesmo diante das melhorias nos setores econômicos e sociais brasileiros, visíveis neste primeiro ano e meio de mandato, Arcary enfatiza que o "bolsonarismo revelou uma força gigantesca", devido à "capacidade de mobilização do Bolsonaro", em virtude das diversas cadeiras obtidas nas casas e consequentemente o poder de decisão dentro do Congresso.

O comentarista recorda que "em 25 de fevereiro, Bolsonaro deu uma mensagem, um recado à classe dominante. Ele disse 'eu estou aqui. Vão encarar? Eu vou preso? Sabem o que vai acontecer nesse país se eu for preso?'" incendiando seu eleitorado e apoiadores.

A crise como um modus operandi

Eleito em 2018, os efeitos do mandato de Jair Bolsonaro que "abdicou da capacidade de ser presidente", deixaram, de acordo com Couto, reflexos não só dentro da sociedade, mas também dentro dos setores que compõem o poder público nacional. 

Devido à postura de "brigões dentro da Câmara", Couto destaca o modo de governar, não só do ex-presidente, mas também de seus seguidores que ainda têm cargo na política pública, e a forma como utilizam ferramentas e discursos polêmicos para "reafirmar suas pautas e tentar reforçar as próprias imagens dentro do plenário".

Ainda segundo Couto, em função da baixa experiência à frente de cargos políticos, "os representantes da extrema direita vencem no tumulto" e, em conformidade a isso, geram um clima hostil não só dentro da Câmara, mas fora dela também. 

"A ideia era imprimir os ideais conservadores. A crise era o modus operandi, a crise era a rota", afirma.

Arcary aponta como o bolsonarismo criou raízes na política nacional, apesar das investigações contra o ex-presidente, e que o movimento "vem adaptando-se dentro de um cenário de políticas públicas completamente oposto ao que foi estabelecido no último mandato".

Recuar ou tensionar

Mesmo com uma base parlamentar formada por onze partidos e um grande volume de emendas parlamentares, a base governista se encontra em menor número dentro da Câmara. Em 2024, o PL continua com a maior bancada da Câmara, com 95 representantes, seguido pela Federação Brasil da Esperança (PT/PCdoB/PV), com 81. No Senado, o líder é o PSD, com 15 representantes, à frente de PL (12) e MDB (11).

"Logo, cabe ao presidente escolher se vai ou não se aproximar de partidos que compõem o centrão, ceder e flexibilizar propostas da direita, ou tensionar ainda mais as relações com os antagonistas de seu governo", explica Arcary.

De antemão, o historiador salienta que ceder não é uma opção viável no momento. No entanto, mesmo que dentro da política os assuntos não devam ser tratados como um "tudo ou nada", e com a possibilidade de indisposições e eventuais enfrentamentos, o governo deve voltar sua atenção e buscar apoio "na classe trabalhadora, nos oprimidos, nas mulheres, nos negros e nos LGBT+. Há uma potência imanente."

Além disso, expõe que é "claro que a situação é difícil, há desânimo, há insegurança", mas reforça que "há reservas na juventude, mas elas têm que ser acordadas, motivadas, inspiradas, agitadas, e alguém que tem autoridade tem que cumprir este papel", conclui.

Já para Couto, existe a necessidade de aproximação do presidente Lula para com os parlamentares, mesmo que estes não integrem a base governista ou façam parte de outros que tenham ideais sociopolíticos similares. Para exemplificar o valor deste contato, o cientista político relembra o golpe sofrido pela ex-presidente Dilma Rousseff e as alegações feitas na ocasião. 

"Estava no relatório do impeachment do Jovair Arantes, o deputado de Goiás que foi o relator. O atendimento muito ruim prestado pela presidente aos parlamentares", e relembra que "o (Michel) Temer em 90 dias recebeu mais congressistas do que Dilma recebeu em 5 anos. Isso significa alguma coisa. Ou o presidente conversa com os congressistas, ou ele terá mais dificuldade".

Os contratempos na articulação política não refletem no caminhar do mandato, mas repercutem também na população. Logo, é necessário uma administração com foco em "redução de danos", como evidencia Couto, principalmente pelo fator da esquerda, que "hoje representa um número minoritário no Congresso e pode ser uma alternativa para acalmar os ânimos dentro e fora da Câmara".

Novos episódios do Três por Quatro são lançados toda sexta-feira pela manhã, discutindo os principais acontecimentos e a conjuntura política do país e do mundo.

Edição: Thalita Pires