É de todos nós a luta por uma política de drogas que não viole os Direitos Humanos
*Por Caroline Apple
Sob o olhar curioso dos maconheiros que tomaram a principal avenida da cidade de São Paulo neste domingo (16) durante a Marcha da Maconha, estava um pequeno grupo em volume, mas imenso em experiência. A chamada Ala Psicodélica, promovida pela APB (Associação Psicodélica do Brasil), vinha logo atrás da ala terapêutica, ostentando a cor roxa nas camisetas e na faixa com os dizeres: “Ala Psicodélica: regulamentação, acesso e reparação”. Nela estavam vestindo a camisa ativistas, psicólogos, especialistas em redução de danos e nomes importantes da pesquisa dessas substância, como é o caso do professor Luís Fernando Tófoli.
Em meio à fumaça que trazia o peso da responsabilidade da desobediência civil e aos gritos pela legalização da planta e também contra PLs que tramitam no Congresso, como o do aborto, era possível ouvir outros gritos como: “Ei, você, legaliza o LSD”, “MDMA, eu não quero guerra, eu só quero amar” e “LSD, sálvia, cogumelo e DMT”. Além das chamadas mais gerais e que remetem ao direito de formas de uso irrestrito, havia também a importante referência do uso terapêutico dessas substâncias: “A minha bala [MDMA] não é de caveirão. A minha bala trata trauma e depressão”.
Neste ano, eu participei da Ala Psicodélica, momento em que pude juntar, pela primeira vez em um único lugar, as duas pautas mais importantes da minha vida hoje: maconha e psicodélicos. E lá pude presenciar a alegria das pessoas ao descobrirem essa união de forças em prol não somente ao direito de fazermos nossas cabeças com mais cuidado e menos controle estatal, mas sim, principalmente, de entender que é de todos nós a luta por uma política de drogas que não viole os Direitos Humanos. Nossa amálgama deve ser, sempre, a luta contra o racismo, o encarceramento em massa e a aporofobia, mesmo que os psicodélicos atuem, até o momento, em esferas mais elitizadas da sociedade. Isso acontece graças também aos danos causados pelo proibicionismo.
As ruas estavam tomadas por proscritos sociais de diversos graus. Pessoas em situação de rua dançavam, sorriam e dividiam o espaço público que chamam de “lar” com pessoas de diversas classe sociais em um raro momento de legitimidade de suas existências. Aquele movimento era o terror dos conservadores: tinha pobre e “drogado” para tudo quanto é lado. A placa “Legaliza o aborto e as drogas” seria excomungada diante da falta de vontade cognitiva de entender a complexidade desses temas que jamais deveriam estar condicionados ao filtro moral de uma parcela da população que não consegue aceitar outras formas de estar na vida além de suas existências muitas vezes vazias e trabalhadas na hipocrisia, no medo e na mais completa falta de compaixão.
Um dos momentos altos da marcha foi quando o grupo de milhares de pessoas passou em frente à Paróquia Nossa Senhora da Consolação, rumo ao destino, a praça da República. A quermesse que acontecia ali por conta dos festejos de São João foi defumada com a fumaça da erva e tomada pelos gritos por liberdade e justiça. Afinal, é indissociável o papel de diversas instituições religiosas nesse patético cenário de guerra às drogas.
E mais uma vez a maconha, essa planta que tenho para mim como sagrada sob o nome de Santa Maria, provou sua força feminina, que nada tem a ver com a feminilidade. É sobre expansão, agregando grupos, unindo pessoas e nos dando a chance de curar as distorções e injustiças inventadas e promovidas de forma estratégica e proposital que reduzem a dignidade humana, coloca em risco a população e mata todos os dias muito mais do que qualquer uso de substâncias de forma desequilibrada. Então, se o papo é sobre preservar a vida (alô, pró-vidas), legalizar e descriminalizar as drogas é um dever.
*Caroline Apple é jornalista há quase 20 anos com passagem por alguns dos principais veículos do Brasil, abordando, principalmente, temas relacionados aos Direitos Humanos, como a causa indígena. É uma das primeiras jornalistas no país a se especializar na cobertura de cannabis para fins medicinais. Daimista, ayahuasqueira e psiconauta, Carol é influenciadora digital sobre temas relacionados à espiritualidade e ao autoconhecimento com ênfase no uso da ayahuasca em contexto urbano.
**Este é um texto de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Nathallia Fonseca