A Câmara Municipal de Curitiba realizou nesta terça feira, 18, a Audiência "Direito da criança à cidade: educação, cuidado e acesso à creche", por iniciativa do vereador Marcos Vieira (PDT), em parceria com o deputado estadual Goura (PDT), com objetivo de debater a situação atual do atendimento às crianças nos Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs) e nas instituições conveniadas (CEIs).
Com a participação de representantes da Prefeitura, do judiciário, sindicatos, especialistas e representantes dos professores, o evento levantou principalmente o questionamento sobre o déficit de vagas nas creches, falta de estrutura nas escolas para que professores garantam um trabalho de qualidade e sobre acessibilidade e inclusão de crianças com deficiência. Por fim, o evento encaminhou como proposta a constituição de um Grupo de Trabalho para elaborar estratégias conjuntas para sanar os problemas levantados.
"A necessidade dessa audiência pública surge da crescente procura que recebemos de pais e mães devido à falta de vagas para crianças de 0 a 3 anos nos CMEIs. É uma demanda antiga, mas que tem se intensificado, com mais de 7 mil crianças na lista de espera conforme comunicado da Prefeitura ao nosso gabinete", iniciou justificando a audiência o vereador Marcos Vieira.
O deputado Goura disse que o tema da falta de vagas em creches é antigo e cada vez mais grave. “O objetivo é sempre avançar no desenvolvimento das políticas públicas do nosso estado e cidade. A situação é muito grave, nós temos um déficit de mais de 7 mil vagas e em outros momentos já se falou de até 10 mil vagas. Quando a gente olha das redes tanto dos CMEIs quanto dos CEIs, vemos que tem vários vazios territoriais. Estes vazios são da onde as famílias não conseguem ter o devido atendimento. E, não estamos falando de uma cidade pequena, e sim estamos falando de uma cidade com um orçamento grande,” disse.
“Eu creio que esta audiência é uma possibilidade de termos uma força tarefa para zerar esse déficit com o máximo de urgência. E, para isso, usar várias vertentes, pois sabemos que não é uma tarefa fácil, mas com o apoio do legislativo, do poder judiciário e toda sociedade civil organizada podemos conseguir,” sugeriu Goura.
É direito da criança
Representando o Ministério Público do Trabalho (MP), participou a Promotora da Promotoria de Justiça de Proteção à Educação de Curitiba, Beatriz Leite, que informou as ações do Ministério Público para garantir que as crianças que estão fora da escola por falta de vagas, pudessem ter seu direito garantido.
“Uma ação foi ajuizada em 2014 pelo Ministério Público com a finalidade de que a municipalidade viesse a atender a falta de vagas em creche disponibilizando vagas para aquela demanda já existente e para demanda que fosse surgir em razão da perspectiva de potencial crescimento. Dez anos depois essa ação é julgada agora em 2024 e, infelizmente, em primeiro grau aqui pela Vara da Infância e Juventude foi julgada em improcedente com um entendimento que a cidade não teria demanda mesmo que tenhamos apresentado naquela época o déficit de mais de 7 mil e 500 vagas,” disse.
A promotora Beatriz disse que o MP continua em busca de solução para essa que é uma demanda coletiva e assegurada pela Constituição. “Nessa linha, nesse viés coletivo, houve recurso de embargo de declaração e agora recurso de apelação. Esperamos que, em segundo grau, junto ao Tribunal de Justiça (TJ), consiga reverter o resultado dessa ação civil pública para que as nossas, hoje, segundo a publicação do dia 4 de junho no Jornal Plural, 10 mil crianças que se encontram em fila de espera no município de Curitiba, consigam ter acesso ao seu direito constitucional, educacional de acessar a vaga na educação infantil na primeira fase, tão importante da primeira infância,” finalizou.
Também reiterando que a garantia de vagas em creches é direito por lei, Fernando Redede, coordenador do Núcleo da Infância e Juventude do Paraná (NUDIJ) da Defensoria Pública do Paraná disse que são diariamente dezenas de famílias que vão até as defensorias para ingressar com ação na justiça para conseguir uma vaga.
“Nós temos uma decisão muito recente do Supremo Tribunal Federal (STF), que afirma que é direito da criança estar na creche, que a família dela pode pleitear isso em juízo e o poder público deve se organizar para garantir esse serviço. A Defensoria é um órgão de portas abertas para promoção de defesa de direitos e, por isso, se a pessoa fez o cadastro e não teve ali a resposta num tempo que ela entende adequado, ela vai buscar os órgãos que promovem a defesa e na Defensoria ingressar com uma ação judicial, que é o que nos compete. Todos os dias dezenas de pessoas buscam atendimentos nos escritórios da Defensoria para isso. Essa situação que se arrasta há anos é grave,” disse.
Falta de professores, adoecimento e abandono da carreira
Representando os sindicatos, participaram também da audiência a presidente do Sindicato dos Servidores Municipais de Curitiba (Sismmuc), Juliana Mildemberg e pelo Sindicato dos Servidores do Magistério Municipal de Curitiba (Sismmac) Adriane Silva. Ambas falaram sobre a falta de professores e a sobrecarga de quem está na escola enfrentando diariamente conduções precárias de trabalho.
Juliana citou que são inúmeras as demandas que chegam até o sindicato sobre falta de professores e, consequemente, sobrecarga para quem precisa preencher as lacunas deixadas pela ausência de profissionais nas escolas.
“Hoje nós temos mais de 230 CMEis na rede municipal de Curitiba, mas dentro destes, faltam muitos professores. Hoje pela manhã eu atendi um pessoal de um CMEI que tem seis professores concursados dentro do CMEI, quatro profissionais PSS de docência 1 e duas estagiárias, que estão lá para fazer o atendimento a essas crianças em uma turma de pré que tem cinco crianças matriculadas, porque só tem um professor naquela turma. Sim, foi feito o concurso público e se contratou muitos profissionais, mas ainda falta. Nós ainda temos turmas fechadas ou turmas com o número reduzido de crianças por falta de profissionais. Então, assim, isso é falta de responsabilidade com o dinheiro público e falta de responsabilidade da prefeitura com a população de Curitiba,” disse.
Já para Adriane Silva, do Sismmac, além da falta de professores, os que estão, adoece e muitos desistem da carreira. “A gente já foi referência na educação infantil e, agora, temos vivido retrocesso nesses últimos anos. Nas visitas às escolas temos visto diretora fazendo papel de secretária, de pedagoga, é professor com duas turmas de criança de dois e três anos, colocando em risco a situação das crianças e dos professores, que passam a ser cuidadores no lugar de exercerem a função pedagógica da educação infantil. A gente já está tendo uma demanda de gente que assumiu o concurso e já exonerou, por não terem condições nenhuma de trabalho. Além disso, nessa gestão, as professoras têm adoecido, é o maior índice de adoecimentos de todos os tempos,” citou.
Falta de inclusão adequada
Além da falta de vagas, outro problema considerado grave pelos participantes da audiência é a dificuldade e falta de apoio profissional para as crianças de inclusão. Luciana Kosch, especialista em educação inclusiva e também coordenadora de educação na rede municipal afirmou:
“Nós estamos com um número bastante alto de inclusões, tanto nas creches, nos CMEis, nas escolas, de crianças que já têm o diagnóstico, já têm o laudo. Temos ainda outro problema que é a falta de atendimento para estas crianças na rede de saúde municipal. Nós viemos de um contexto de pandemia onde nós esperávamos que a Secretaria Municipal de Educação tivesse feito uma articulação com a Secretaria Municipal de Saúde, mas não foi feito. São muitas as crianças aguardando em fila de neurologista, muitas delas para confirmação de diagnóstico. E, até onde eu fui informada, nós temos dois neuropediatras na rede municipal de saúde,” destacou.
Para Luciana, uma criança que não é assistida por uma rede vai enfrentar dificuldades na escola. “Criança em inclusão na escola assistida, é uma criança. Uma criança na escola em inclusão desassistida, sem o processo terapêutico que ela precisa, e sem o acompanhamento médico que ela precisa, é outra criança. E, a família dessas crianças também precisa de uma política, precisa de atendimento, de acompanhamento, de orientação. Nós atendemos uma criança dois meses atrás, e essa criança está fora da escola porque não conseguiu acompanhamento médico e nem na escola,” disse.
O que disse a Secretaria Municipal de Educação:
Kelen Collarino, diretora do Departamento de Educação Infantil da Secretaria Municipal de Educação (SME), ao responder os questionamentos, disse que Curitiba é uma cidade grande e, por isso, com muitos desafios.
“Temos muitos habitantes, logo como uma cidade grande também apresenta diferentes desafios. Mas, gostaria de discordar de quem estamos em retrocesso, pois o trabalho dessa gestão vem então se comprovando por números. Saímos do atendimento de aproximadamente 46 mil crianças na educação infantil no ano de 2016, para hoje chegarmos a um atendimento de praticamente 55 mil crianças atendidas nessa rede. Nós saímos de 205 unidades de educação infantil, em 2016, para hoje 237 centros municipais de educação infantil. Nosso quadro de professores foi ampliado, sim. O atendimento na educação infantil preza pela qualidade, as crianças, em primeiro lugar, aos nossos profissionais e também aos filhos,” disse.
Grupo de trabalho (GT)
Deputado Goura foi um dos proponentes da realização da Audiencia Pública "Direito da criança à cidade: educação, cuidado e acesso à creche" / Carlos Kaspchak
Ao final, o deputado Goura propôs que a partir da audiência fosse constituído um grupo de trabalho coordenado pelo legislativo envolvendo poder público, sindicatos, poder judiciário. Entre os pontos a serem trabalhados por este grupo, o deputado sugeriu que fosse elaborado um plano para algumas demandas fossem inicialmente resolvidas num período de seis meses.