AUDIÊNCIA PÚBLICA

Comissão da Câmara dos Deputados debate privatização do sistema prisional

Deputados criticam decreto do governo federal que regulamenta o Programa de Parcerias e Investimentos (PPI)

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) presidiu a sessão e criticou a ausência de representação dos ministérios da Fazenda e Casa Civil - Elio Rizzo/Câmara dos Deputados

A Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados realizou nesta quarta-feira (19) uma audiência pública sobre a privatização do sistema prisional. O debate foi convocado pelos deputados Glauber Braga (Psol-RJ), Fernanda Melchionna (Psol-RS) e Sâmia Bomfim (Psol-SP). 

Em 2023, o governo federal editou um decreto que regulamentou o Programa de Parcerias e Investimentos (PPI), que incluiu o sistema prisional.  

O decreto 11.498 autoriza a emissão das chamadas debêntures, títulos de dívida que geram um direito de crédito ao investidor e que permite que empresas captem recursos no mercado de capitais para a construção de unidades prisionais.   

O deputado Glauber Braga, que presidiu a sessão, criticou a ausência de representação dos ministérios da Fazenda e Casa Civil, convidados para a audiência. 

"É uma pena, ou seja, porque eu, sinceramente, queria ouvir os argumentos. Porque o debate tem que ser exposto, até para a gente enfrentar os argumentos", criticou 

Fortalecimento das organizações criminosas 

O Coordenador de Projetos da Assessoria Especial de Assuntos Parlamentares e Federativos do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Rafael Moreira da Silva de Oliveira, disse que "o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania tem se posicionado de maneira contrária à política de debentures incentivadas para incentivo a obra de infraestrutura nas unidades prisionais". E ressaltou o risco de a medida fortalecer o controle das organizações criminosas dentro dos presídios.  

"O Ministério da Justiça deveria estar aqui também, porque o Ministério da Justiça deveria explicar para a gente e seria muito, muito importante, seria muito útil, que eles explicassem como explicaram para outros membros do governo, como que tem funcionado a dinâmica do crime organizado em se especializar nas licitações e concessões públicas", destacou.

"Nós abriremos porta para um setor em que eles estão se especializando em burlar", completou. 

Renúncia do papel do Estado 

Por sua vez, Roberta Esteves, vice-presidente da Associação Nacional da Polícia Penal Federal, destacou decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF), como a que considerou inconstitucional, em 2023, uma lei maranhense que dispunha sobre a contratação de pessoal no âmbito do sistema penitenciário na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7098. Segundo a decisão, o quadro das polícias penais deve ser preenchido exclusivamente por concurso público. 

"Privatizar significa a renúncia do Estado brasileiro a uma importante fonte de informação da Segurança Pública que a inteligência penitenciária e nós sabemos que hoje informação é fundamental", disse, ressaltando o caráter estratégico da atividade para o enfrentamento ao crime organizado. 

Na mesma linha, deputada Érika Kokai (PT-DF) também criticou a medida, que isenta o Estado da responsabilidade sobre as pessoas privadas de liberdade.   

"A privatização é como se o Estado estivesse desistindo, e não pode desistir. Mas desistindo a partir de interesses, porque é uma desistência que vai representar lucro para determinados setores", afirmou. 

População negra e a garantia de direitos 

Thaisi Bauer, secretária-executiva da Coalizão pela Socioeducação, foi enfática ao dizer que o decreto obedece a uma lógica de favorecimento do setor privado para a obtenção de lucros sobre serviços que deveriam permanecer públicos.  

"A implementação das parcerias público-privadas no sistema prisional e no sistema socioeducativo nada mais é do que a tentativa de desqualificar tudo o que é público, atrelando à ineficiência, e pauta iniciativa privada como eficiente, colocando os direitos humanos da adolescência da juventude brasileira, sobretudo negras e pobres, como meras mercadorias", disse.  

"Importante sinalizar que não existe qualquer pesquisa e evidência de que a transferência da gestão para o setor privado acarrete economia de gastos e melhorias e de unidades", completou. 

Isadora Salomão, relatora de Direitos Humanos da Plataforma DHESCA e coordenadora de Justiça e Direitos Humanos do Movimento Negro Unificado da Bahia, alertou que o decreto do Executivo fortalece a política de encarceramento em massa, que atinge sobretudo a população negra do país.  

"Eu faço parte de um estado onde 93% dos presos são negros, e isso não é pouca coisa. Isso tem a ver com um debate que nós precisamos fazer em relação a privatização dos presídios. Porque falar sobre isso tem a ver com falar sobre o destino da população negra do nosso país", afirmou 

Prejuízos aos trabalhadores 

A deputada Sâmia Bonfim destacou os prejuízos da medida para os trabalhadores do sistema prisional. 

"Ele [o decreto] diz respeito a uma reconfiguração de como a sociedade vê o próprio tema da segurança pública. Porque isso tem um impacto não só para os apenados, mas para os trabalhadores desse sistema, que algo que é importante de ser destacado. Porque aumenta a fragilização das relações de trabalho, a periculosidade, e inclusive torna ainda mais frágil e mais difícil a situação desses trabalhadores", destacou. 

O Ministério da Casa Civil informou que o ministro Rui Costa cumpre agenda nesta quarta-feira (19) no Rio de Janeiro, com o presidente da República, mas não esclareceu o motivo de não haver enviado representante ao debate. O Brasil de Fato entrou em contato com o Ministério da Fazenda e questionou sobre a ausência na audiência, mas não obteve retorno até o fechamento da matéria. O espaço segue aberto para manifestações.  

Edição: Thalita Pires