Nove meses após o inicio do massacre palestino na Faixa de Gaza, o governo de Benjamin Netanyahu enfrenta um nível inédito de pressão, tanto interna como externa, além de ver crescer a possibilidade da ampliação do conflito militar pelo Oriente Médio.
"Israel está no auge de uma crise que está longe de terminar. É a crise mais grave e perigosa da história do país. Tudo começou em 7 de outubro com o pior fracasso da história de Israel. E continuou com uma guerra que [...] parece ser a guerra menos bem sucedida da sua história, devido à paralisia estratégica na liderança do país", escreveu o ex-premiê israelense Ehud Barak em artigo publicado nesta quinta-feira (20) no jornal local Haaretz.
"Estamos agora perante decisões difíceis entre alternativas terríveis no que diz respeito à continuação dos combates na Faixa de Gaza, à expansão da operação contra o Hezbollah no norte e ao risco de uma guerra em várias frentes que incluiria o Irã e os seus aliados. E tudo isto acontece enquanto nos bastidores continua o golpe judicial, com o objetivo de estabelecer uma ditadura religiosa racista, ultranacionalista, messiânica e ignorante."
Ao Brasil de Fato, o professor de Relações Internacionais da UFABC e integrante do Observatório de Política Externa Brasileira (Opeb) Giorgio Romano diz que "Netanyahu sabe que se a guerra terminar, ele vai perder o cargo e pode até ser preso".
"Mas é importante ressaltar que sua saída não deve significar uma melhora para os palestinos, uma posição mais pacifista. Ao contrário, muitos dentro de Israel defendem o endurecimento em Gaza e a guerra para destruir o Hezbollah no Líbano", conclui.
Este é o terceiro período de Netanyahu à frente do governo israelense. Aos 74 anos, o líder do partido Likud já governou entre 1996 e 1999 e entre 2009 e 2021. O atual governo foi formado em 2022, mas pode ser derrubado caso sua base de sustentação parlamentar assim o decida. Se este for o caso, o país passará por novas eleições para a escolha de novos parlamentares.
Pressão externa
A relação entre o atual governo israelense e os Estados Unidos, seu principal aliado e patrocinador, enfrenta um momento de baixa. Nesta quinta (20), um porta-voz da Casa Branca rebateu as reclamações de Netanyahu sobre atraso na entrega de ajuda militar como "profundamente decepcionantes e certamente ofensivas".
No norte do país, na fronteira com o Líbano, aumentam os ataques entre as Forças Armadas israelenses e o grupo militante Hezbollah, aliado palestino e financiado pelo Irã. O grupo afirma que já lançou mais de 2 mil ataques em território israelense desde 8 de outubro, o que forçou a evacuação de dezenas de milhares de cidadãos de Israel para outras partes do país.
Em visita ao Líbano, o emissário estadunidense Amos Hochstein pediu nesta terça uma desescalada "urgente" das trocas de tiros na fronteira entre o movimento libanês Hezbollah e as tropas israelenses, que começaram após o início da guerra em Gaza. "O conflito [...] entre Israel e Hezbollah já está durando muito tempo. Estamos todos interessados em resolver isto de forma rápida e diplomática. E isto é viável e urgente", disse Hochstein.
O Hezbollah, aliado do Hamas, afirmou que efetuou mais de 2.100 operações militares contra Israel desde 8 de outubro. Na quarta, o líder do grupo, Hasan Nasrallah, disse que "nenhum lugar" em Israel estaria a salvo dos seus mísseis se o governo israelense abrisse uma nova frente de guerra na sua fronteira norte.
Enquanto isso, prossegue o que Israel chama de "operação militar" ou "guerra contra o Hamas" em Gaza, mas que um número cada vez maior de países classifica como "genocídio". Já são 13 as nações que se uniram à África do Sul em caso corrente no Tribunal Penal Internacional pedindo que o organismo da ONU rotule o que acontece em Gaza como genocídio e seja emitido um mandato de prisão contra Netanyahu. Protestos em diversos países e a ampliação da campanha global por boicote e desinvestimento no país aprofundaram o isolamento israelense e fortaleceu a causa palestina.
Pressão interna
Netanyahu já enfrentava enormes obstáculos internamente antes de 7 de outubro, pressionado por um lado pela extrema direita que queria maiores poderes em troca de apoio. Por outro, setores progressistas exigiam seu impeachment - em manifestações nas ruas de Israel - por o governo propor emendas constitucionais que reduziam a autonomia da Suprema Corte e, consequentemente, o equilíbrio entre os poderes.
Meses de guerra fragilizaram ainda mais sua sustentação. Um dos objetivos alegados para o massacre palestino - o resgate dos reféns feitos pelo Hamas em outubro - não foi atingido, o que gerou protestos de cidadãos israelenses por sua saída. Outro objetivo alegado, a "destruição completa do Hamas", foi rebatido na quarta-feira pelo porta-voz das Forças Armadas de Israel, o almirante Daniel Hagari.
"Hamas é uma ideologia, não podemos eliminar uma ideologia. Dizer que vamos fazer o Hamas desaparecer é jogar areia nos olhos das pessoas. Se não oferecermos uma alternativa, no final, teremos o Hamas no poder em Gaza", disse ele à emissora israelense Canal 13. Após as falas, o governo Netanyahu reafirmou que a ofensiva em Gaza não terminará até que o grupo seja derrotado.
Mas a realidade em Gaza contradiz o governo israelense a ponto de ter gerado a saída de Benny Gantz em 9 de junho do gabinete de guerra criado após os ataques de outubro. A presença de Gantz, forte liderança centrista no país, era considerada importante para conferir legitimidade à operação dentro de Israel.
"Infelizmente, Netanyahu vem nos impedindo de atingir uma vitória real, que seria a justificativa para pagarmos esse preço doloroso", disse ele, afirmando que o premiê faz "promessas vazias" e o país precisa de um novo rumo, já que a operação militar deve durar ainda anos.
A saída de Gantz fez Netanyahu dissolver o gabinete, para evitar que integrantes da extrema direita dominassem o órgão.
"Precisamos substituir imediatamente este governo falho, estabelecendo uma data para as eleições ou, alternativamente, dando um voto de desconfiança. E isto deve ser feito durante a atual sessão do Knesset [Parlamento de Israel] – isto é, nas próximas cinco semanas", prossegue Barak no artigo. O Knesset entra em recesso de dois meses em fins de julho.
"Se este governo de luto e fracasso continuar em vigor, então dentro de meses, ou mesmo semanas, estaremos sujeitos a nos vermos profundamente atolados numa 'frente unificada' – o sonho de Qassem Soleimani, comandante assassinado da Guarda Revolucionária Iraniana", disse.
Edição: Lucas Estanislau