No último fim de semana foi realizada na Suíça a Cúpula de Paz sobre a Ucrânia, que contou com a participação de cerca de 90 países. A Rússia, no entanto, não foi convidada para a conferência, o que minou a representatividade do evento. A China não participou da cúpula, alegando que não via sentido em um debate sobre o conflito sem a presença de Moscou.
Já o presidente Lula (PT), que também não participou do evento, afirmou que as negociações de paz devem contar com a presença da Rússia. A falta de consenso, no entanto, abriu caminhos inéditos para a possibilidade da inclusão de Moscou em futuros processos de negociação.
O presidente russo, Vladimir Putin, por sua vez, colocou em xeque a legitimidade de uma cúpula sobre o conflito ucraniano que não inclua a Rússia no processo. Segundo o líder russo, é impossível alcançar a paz sem a Rússia.
“Não se trata de negociações, mas sim do desejo de um grupo de países de continuar impondo a sua linha, de resolver questões que afetam diretamente os nossos interesses e a nossa segurança a seu critério. A este respeito, quero sublinhar que sem a participação da Rússia, sem um diálogo honesto e responsável conosco, é impossível alcançar uma solução pacífica na Ucrânia e em geral no que diz respeito à segurança europeia global”, declarou Putin.
A declaração final da cúpula, que pediu o envolvimento de todas as partes nas negociações para alcançar a paz e reafirmou "a integridade territorial" ucraniana, não foi assinada por 13 países, inclusive o Brasil. De acordo com o documento final, os países signatários reafirmaram o compromisso “abster-se da ameaça ou uso da força contra a integridade territorial ou independência política de qualquer estado, os princípios de soberania, independência e integridade territorial de todos os estados, incluindo a Ucrânia, dentro de suas fronteiras internacionalmente reconhecidas”.
Com a falta de unanimidade na assinatura da declaração, a cúpula de paz evidenciou a dificuldade do Ocidente de unificar uma posição sobre a guerra da Ucrânia junto ao Sul global.
:: Cúpula pela paz na Ucrânia termina sem assinatura do Brasil::
Em entrevista ao Brasil de Fato, o cientista político, Pavel Usov, avalia que houve uma “ausência de reais resultados estratégicos”. De acordo com ele, Moscou tem mais eficácia em angariar aliança com estes países.
“A Rússia utiliza de forma eficiente o sentimento anticolonialista dos países da América do Sul, na América Central, no Caribe, Não só em relação ao Brasil, mas também a Venezuela, Cuba, Equador. Isso está ligado com o fato de que o Ocidente, a civilização ocidental, não está em condições hoje de oferecer possibilidades efetivas de solução de crises globais, como a pobreza, a fome, as mudanças climáticas”, afirmou.
Além de Brasil, países como Índia, Arábia Saudita, África do Sul e Emirados Árabes Unidos, também não assinaram o documento final, ou seja, países que têm boas relações com a Rússia e também integram o grupo Brics expandido. Ao mesmo tempo, o bloco ocidental manifestou rupturas de coesão ao longo dos últimos dois anos, revelando um desgaste de algumas forças políticas dentro da Europa em relação ao conflito.
De acordo com Pavel Usov, este desgaste é uma aposta do presidente russo: “Putin aposta no cansaço do Ocidente, aposta nos seus aliados na Europa, como a Eslováquia, o governo de direita da Holanda, Hungria, a direita da Alemanha que ganhou um peso a mais no parlamento do país. Estes sentimentos pró-Rússia não são dominantes na Europa, mas eles existem”.
Proposta para fim da guerra
Na véspera da cúpula, o presidente russo, Vladimir Putin, surpreendeu ao fazer uma inédita proposta listando as condições para pôr fim à guerra da Ucrânia. Durante uma reunião com membros do Ministério das Relações Exteriores, Putin afirmou que se Kiev retirar suas tropas dos territórios anexados do leste ucraniano por Moscou – Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporozhye - e recusar a entrada na Otan (aliança militar ocidental), a Rússia pode adotar um cessar-fogo imediato.
“Assim que Kiev disser que está pronta para tal decisão, começar realmente a retirar as tropas e renunciar oficialmente aos planos de aderir à Otan, ordenaremos imediatamente, literalmente naquele mesmo minuto, o cessar-fogo e o início das negociações. Repito, faremos isso imediatamente. Naturalmente, ao mesmo tempo, garantimos a retirada desimpedida e segura das unidades e formações ucranianas”, disse o líder russo.
O presidente russo enfatizou que Moscou estaria pronta para se sentar à mesa de negociações "já amanhã”. O presidente também alertou que se Kiev e o Ocidente recusarem esta proposta de paz, as condições futuras serão diferentes. Segundo ele, as condições na zona de combate “continuarão mudando, não a favor do regime de Kiev".
A Ucrânia, por sua vez, rejeitou a proposta apresentada por Putin, argumentando que a ideia do líder russo “não é confiável” e representa um “ultimato”. Neste cenário, o cientista político Pavel Usov, afirmou que a cúpula de paz na Suíça serviu para reiterar o cenário de um “beco sem saída” para o conflito.
“Ele [Putin] deu a entender claramente que a paz só pode ser alcançada sob as condições da Rússia. A Ucrânia também deu a entender claramente que a paz sob as condições da Rússia não é possível, no mínimo a libertação de todos os territórios da Ucrânia poderia pôr fim à guerra. Então aqui não é possível alcançar nenhum acordo. Simplesmente não é possível. Qualquer concessão nestas circunstâncias seria como uma derrota, seja para a Rússia, ou para a Ucrânia, mas para a Ucrânia, a sua derrota é uma derrota para todo o Ocidente”, afirmou.
Ao mesmo tempo, alguns países do Ocidente, apesar da manutenção do tom crítico em relação a Moscou durante a cúpula, consideraram a possibilidade de incluir a Rússia em futuras negociações. Segundo o ministro das Relações Exteriores da Suíça, Ignazio Cassis, uma nova edição da cúpula poderia abrir uma exceção à condenação que o presidente russo, Vladimir Putin, sofre junto ao Tribunal Penal Internacional (TPI).
“Poderia ser arranjado. É possível de acordo com nossas leis. É claro que temos de fazer isto em conjunto com o TPI, mas é possível, enquanto Estado anfitrião, abrir exceções a esse respeito”, disse.
A proposta de incluir a Rússia em futuras negociações foi reiterada pela presidente da Suíça, Viola Amherd. "Sim, se a presença de um estadista for necessária para uma conferência, então se poderá abrir uma exceção. E isto seria no caso de negociações sobre a paz na Ucrânia com a Rússia. Mas isso tem que ser uma decisão do governo”, destacou.
Edição: Rodrigo Durão Coelho